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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Volta às aulas
Economistas-políticos são capazes de abandonar prontamente fundamentos da nossa ciência, a economia
UM SINTOMA da importância
adquirida pelos economistas
no Brasil de uns tempos para
cá é a quantidade de colegas de profissão desempenhando cargos políticos, tanto no Executivo quanto no
Legislativo. Meu lado corporativista
poderia até celebrar, não fossem esses economistas-políticos (não todos, mas a maioria) capazes de abandonar tão prontamente os fundamentos da nossa ciência, se é que algum dia chegaram a dominá-los. Na
verdade, manifestações recentes de
figurões da categoria sugerem que
os mesmos teriam certa dificuldade
para serem aprovados no curso de
economia monetária.
Assim, houve quem afirmasse aos
brados ignorar os motivos econômicos que levaram o BC à decisão de
desacelerar o ritmo de queda da Selic. No entanto, como um bom aluno
de graduação poderia lembrar, sabe-se que as mudanças nas taxas de juros não produzem impactos imediatos no restante da economia. Ainda
que os mecanismos de transmissão
não sejam inteiramente conhecidos,
é fato notório que as alterações das
taxas reais de juros só começam a
afetar a demanda após certo período, hoje estimado em cerca de dois
trimestres, e que o pico desse efeito
se materializa ainda mais tarde.
Uma imagem comum para descrever esse fenômeno é o da água
quente que demora no cano até chegar ao chuveiro. Se essa defasagem
for ignorada, o incauto banhista corre sérios riscos de se queimar caso
continue a ajustar a torneira enquanto observa apenas o fluxo corrente da água, desconhecendo o que
já vem cano abaixo. Isto dito, houve
queda da taxa real de juros de mais
de 4,5 pontos percentuais de outubro de 2005 em diante, dos quais
cerca de 2,5 pontos ao longo do segundo semestre de 2006, cujo impacto certamente ainda não se manifestou. Ou seja: há um bocado de
água quente no cano e não me parece ser má idéia esperar para ver como fica a temperatura da água antes
de abrir ainda mais a torneira.
Trata-se, enfim, de fenômeno conhecido por qualquer estudioso do
assunto (ou qualquer um que já tenha tomado banho), porém aparentemente desconsiderado por pessoas que, em sua própria e modesta
opinião, se julgam extremamente
capazes.
Ainda na categoria de político-economista, houve também quem
classificasse de "ignorante" a diretoria do Banco Central, ao mesmo
tempo em que cometia uma série de
equívocos de corar um terceiranista
da faculdade de economia. Não tenho espaço para comentar todos,
mas, entre os mais gritantes, destaco
os seguintes.
Esse economista, por exemplo,
não acredita que os juros reais caíram, porque a inflação teria caído
junto. Para chegar a essa conclusão,
o ilustre político deflacionou a taxa
de juros pela inflação passada em
vez da inflação esperada, o que é errado, pois a inflação relevante para
fins de determinação da demanda é
a esperada. De fato, ao escolher entre aplicar dinheiro ou gastá-lo, as
pessoas comparam consumir hoje
com consumir amanhã. Sabendo a
taxa de juros, sabem quanto dinheiro terão amanhã, mas não o poder
de compra dessa moeda. Se acharem
que os preços subirão mais rápido,
gastam hoje; se mais devagar, amanhã. Caso errem a previsão de inflação, haverá conseqüências, mas a
decisão de consumo ou poupança já
foi tomada. Isto é básico, mas foi solenemente ignorado.
O mesmo político anotou o que
considera uma ironia, que preços de
exportação cresçam, mas a economia não se beneficie disso, supostamente por conta da política monetária. Essa afirmação sozinha contém
dois erros. Primeiro, esquece que,
num regime de câmbio flutuante,
preços de exportação mais altos necessariamente apreciam o câmbio e,
portanto, reduzem o impulso de demanda que vem das exportações (líquidas das importações), independentemente da política monetária.
Segundo, isso abre espaço para
quedas adicionais da taxa de juros,
ao permitir uma taxa mais baixa de
inflação e, num segundo momento,
um ritmo mais forte de crescimento
da demanda doméstica, como, aliás,
observado em 2006. De novo, nada
que não conste dos manuais da disciplina (ou dos dados do IBGE), de
novo relegados ao mais abjeto esquecimento.
Não há, pois, como alimentar sentimentos corporativistas. Afirmações como as acima deveriam levar
seus autores de volta à universidade;
apenas não como professores.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, economista-chefe para América Latina do Banco Real, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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