|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Fiscais avaliam "assédio privado" sobre o Estado
Evento debate limites entre empresas e setor público
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Qual é o limite do relacionamento entre funcionários dos
setores público e privado? Juristas, parlamentares, economistas e sindicalistas debatem
desde ontem, em Campinas
(SP), o "Assédio Organizado do
Mercado sobre o Estado", em
seminário realizado pelo Unafisco, sindicato que representa
auditores da Receita Federal.
O debate ocorre na mesma
semana em que a Folha publicou reportagem sobre uma festa de final de ano de servidores
da Receita Federal em São Paulo que contou com recursos de
duas instituições financeiras
-uma delas privada- e de entidades sindicais que representam esses funcionários.
Roberto Romano, professor
de Ética e Política da Unicamp,
convidado a participar do debate, diz que o assédio de empresas "aos fiscais e a todas as
instituições de Estado, incluindo o Poder Judiciário, precisa
ser dissolvido. Algumas situações chegam a ser absurdas".
Na avaliação dele, o país precisa de lei que possa tornar as
relações entre os setores público e privado mais transparentes. "O lobby precisa ser regulamentado, se não vai continuar
essa selvageria", diz Romano.
Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), uma das preocupações é que, dependendo da
forma como ocorre, o relacionamento entre as empresas
privadas e a Receita Federal
pode afetar inclusive o papel
fiscalizador do governo.
"O relacionamento [entre os
servidores da Receita e as instituições privadas] não pode ser
questionado apenas do ponto
de vista moral. Há de considerar também o efeito político.
Dependendo da forma como
ocorre, o relacionamento pode
gerar uma forma de minimizar
a ação do Estado brasileiro sobre o setor privado. E isso não
deixa de ser uma forma de privatização. É o setor privado
que acaba determinando as políticas públicas que têm de ser
adotadas no país", diz.
O relacionamento entre os
setores público e privado pode
ainda comprometer e colocar
em segundo plano o interesse
do Estado, avalia o advogado
Plinio de Arruda Sampaio.
"Esse comprometimento hoje já ocorre em vários níveis.
No caso da educação, por
exemplo, quando a pesquisa
passa a ser financiada por uma
empresa, é claro que o que vai
ser pesquisado vai atender primeiro aos interesses da empresa e, depois, o do Estado", diz.
Sampaio ressalta que o fiscal
de renda é um funcionário de
carreira do Estado que deve,
portanto, atender os interesses
do Estado. "O governo estuda
pagar os auditores de acordo
com o cumprimento de metas
ligadas à arrecadação. Isso é algo que põe em risco a isenção
dos fiscais. O contribuinte pode questionar a autuação: ele
está autuando para cumprir
metas e ganhar o salário ou está cumprindo sua função?",
questiona o advogado.
O dia-a-dia
A idéia de realizar o seminário "A Receita Federal e o Interesse Público" partiu de um
grupo de fiscais que afirmam
"sentir" o peso do assédio. "O
momento para nós é conturbado, pois consideramos que o
que está em risco é o futuro do
órgão [Receita] e do cargo [fiscal]. Percebemos que no dia-a-dia cresce o assédio organizado", diz Paulo Gil Hölck Introíni, presidente da delegacia sindical de Campinas do Unafisco.
No seminário, os palestrantes vão discutir ainda atos normativos editados pela Receita
que reduziram impostos -como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)- somente para alguns setores e
medidas que teriam beneficiado parte dos contribuintes autuados. Também seriam citados convênios entre a Receita e
o setor privado para a área
aduaneira, segundo Introíni.
"Causa preocupação o rumo
que tomou o sistema tributário
brasileiro. Um assalariado paga
até 27,5% de Imposto de Renda
sobre o salário. Mas o empresário que retira qualquer quantia
da empresa a título de lucro e
dividendos está isento do IR."
Texto Anterior: Vaivém das commodities Próximo Texto: Saraiva compra grupo Siciliano Índice
|