São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Fiscais avaliam "assédio privado" sobre o Estado

Evento debate limites entre empresas e setor público

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Qual é o limite do relacionamento entre funcionários dos setores público e privado? Juristas, parlamentares, economistas e sindicalistas debatem desde ontem, em Campinas (SP), o "Assédio Organizado do Mercado sobre o Estado", em seminário realizado pelo Unafisco, sindicato que representa auditores da Receita Federal.
O debate ocorre na mesma semana em que a Folha publicou reportagem sobre uma festa de final de ano de servidores da Receita Federal em São Paulo que contou com recursos de duas instituições financeiras -uma delas privada- e de entidades sindicais que representam esses funcionários.
Roberto Romano, professor de Ética e Política da Unicamp, convidado a participar do debate, diz que o assédio de empresas "aos fiscais e a todas as instituições de Estado, incluindo o Poder Judiciário, precisa ser dissolvido. Algumas situações chegam a ser absurdas".
Na avaliação dele, o país precisa de lei que possa tornar as relações entre os setores público e privado mais transparentes. "O lobby precisa ser regulamentado, se não vai continuar essa selvageria", diz Romano.
Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), uma das preocupações é que, dependendo da forma como ocorre, o relacionamento entre as empresas privadas e a Receita Federal pode afetar inclusive o papel fiscalizador do governo.
"O relacionamento [entre os servidores da Receita e as instituições privadas] não pode ser questionado apenas do ponto de vista moral. Há de considerar também o efeito político. Dependendo da forma como ocorre, o relacionamento pode gerar uma forma de minimizar a ação do Estado brasileiro sobre o setor privado. E isso não deixa de ser uma forma de privatização. É o setor privado que acaba determinando as políticas públicas que têm de ser adotadas no país", diz.
O relacionamento entre os setores público e privado pode ainda comprometer e colocar em segundo plano o interesse do Estado, avalia o advogado Plinio de Arruda Sampaio.
"Esse comprometimento hoje já ocorre em vários níveis. No caso da educação, por exemplo, quando a pesquisa passa a ser financiada por uma empresa, é claro que o que vai ser pesquisado vai atender primeiro aos interesses da empresa e, depois, o do Estado", diz.
Sampaio ressalta que o fiscal de renda é um funcionário de carreira do Estado que deve, portanto, atender os interesses do Estado. "O governo estuda pagar os auditores de acordo com o cumprimento de metas ligadas à arrecadação. Isso é algo que põe em risco a isenção dos fiscais. O contribuinte pode questionar a autuação: ele está autuando para cumprir metas e ganhar o salário ou está cumprindo sua função?", questiona o advogado.

O dia-a-dia
A idéia de realizar o seminário "A Receita Federal e o Interesse Público" partiu de um grupo de fiscais que afirmam "sentir" o peso do assédio. "O momento para nós é conturbado, pois consideramos que o que está em risco é o futuro do órgão [Receita] e do cargo [fiscal]. Percebemos que no dia-a-dia cresce o assédio organizado", diz Paulo Gil Hölck Introíni, presidente da delegacia sindical de Campinas do Unafisco.
No seminário, os palestrantes vão discutir ainda atos normativos editados pela Receita que reduziram impostos -como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)- somente para alguns setores e medidas que teriam beneficiado parte dos contribuintes autuados. Também seriam citados convênios entre a Receita e o setor privado para a área aduaneira, segundo Introíni. "Causa preocupação o rumo que tomou o sistema tributário brasileiro. Um assalariado paga até 27,5% de Imposto de Renda sobre o salário. Mas o empresário que retira qualquer quantia da empresa a título de lucro e dividendos está isento do IR."


Texto Anterior: Vaivém das commodities
Próximo Texto: Saraiva compra grupo Siciliano
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.