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OPINIÃO ECONÔMICA
Ainda a "dutch disease"
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O banco central divulgou os
dados referentes ao fluxo
cambial em março. Mais uma
vez, há uma fotografia clara e
abrangente das mudanças estruturais ocorridas em nossa balança de pagamentos nos últimos
três anos. Mesmo aqueles que não
reconheciam essa nova realidade
começam a aceitar como estrutural esse quadro de excesso de dólares na economia brasileira.
Os números do Banco Central
são impressionantes. Em março,
sobraram no mercado quase US$
8 bilhões. O Banco Central comprou quase US$ 3 bilhões, o que
levou nossas reservas externas líquidas para a incrível marca de
US$ 60 bilhões; já os bancos brasileiros fecharam o mês com um
aumento de US$ 5,4 bilhões em
seus ativos. Desse saldo de US$ 8
bilhões, US$ 5,5 bilhões vieram do
excesso de exportações sobre importações, e quase US$ 2,5 bilhões, do movimento financeiro
com o exterior.
Se olharmos os números do primeiro trimestre de 2006, o choque
é ainda maior. A sobra de dólares
no mercado chegou a quase US$
18 bilhões, o mesmo valor verificado em todo o ano de 2005. Ou
seja, esse fenômeno de dólares sobrando no mercado está se intensificando, apesar da valorização
do real. Do saldo no trimestre,
cerca de US$ 10 bilhões foram absorvidos pelos bancos e US$ 8 bilhões foram parar nas reservas
externas do país.
As estatísticas sobre o mercado
de câmbio revelam outras informações interessantes. O superávit
na balança comercial no primeiro trimestre do ano foi de US$ 9,3
bilhões, enquanto a diferença (sobra) entre o volume de dólares
vendidos pelos exportadores e
comprados pelos importadores
chegou a US$ 13,6 bilhões. Isso
acontece porque os exportadores
antecipam a venda de dólares de
exportações futuras para lucrar
com os juros elevados no país.
Com esse movimento, racional
e legal, as empresas obrigam o
Banco Central a comprar dólares
no mercado e a vender títulos públicos para esterilizar a emissão
de reais correspondente. Isso está
gerando uma transferência pura
e simples de recursos entre o Tesouro -que paga os juros- e o
setor privado, que os recebe. Isso
acontece porque os dólares acumulados pelo Banco Central rendem menos juros do que os pagos
pelo Tesouro nos títulos emitidos
em reais.
Mas os efeitos financeiros sobre
as contas públicas não são os piores criados na economia por essa
sobra de dólares. A valorização
do real já está tirando a competitividade de áreas importantes da
nossa estrutura produtiva. Isso
tem sido contestado por analistas
que não reconhecem o fenômeno
da "dutch disease". Para provar
que ele não vem ocorrendo, dizem que os dados das exportações
de manufaturados dos últimos
meses não revelam essa perda de
competitividade. Afinal, nossas
exportações ainda estão crescendo, e a parcela de produtos manufaturados ainda não se reduziu.
Mas quem teve o cuidado de entender os efeitos de mais longo
prazo da "dutch disease" sabe que
essa é uma doença crônica, e não
aguda. Leva tempo para os problemas aparecerem, pois os primeiros efeitos da valorização do
real ocorrem nos investimentos
produtivos voltados às exportações. Isso é fácil de compreender.
A utilização do aparelho produtivo já existente, mesmo com uma
taxa câmbio desfavorável, ocorre
por uma questão de racionalidade econômica. Mas, com a taxa
de retorno dos novos investimentos caindo, cada vez mais as decisões de investimento em novas
instalações voltadas para exportação serão adiadas ou canceladas. Isso já está acontecendo no
Brasil de hoje.
Outro fenômeno relacionado a
uma moeda valorizada é o aumento dos investimentos realizados por empresas brasileiras em
países com taxa de câmbio mais
favorável. Transfere-se, assim,
para o exterior, o aumento da
produção e do emprego nos setores exportadores da economia.
Em ambos os casos, perde o Brasil.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 63,
engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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