São Paulo, sexta-feira, 07 de abril de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Ainda a "dutch disease"

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O banco central divulgou os dados referentes ao fluxo cambial em março. Mais uma vez, há uma fotografia clara e abrangente das mudanças estruturais ocorridas em nossa balança de pagamentos nos últimos três anos. Mesmo aqueles que não reconheciam essa nova realidade começam a aceitar como estrutural esse quadro de excesso de dólares na economia brasileira.
Os números do Banco Central são impressionantes. Em março, sobraram no mercado quase US$ 8 bilhões. O Banco Central comprou quase US$ 3 bilhões, o que levou nossas reservas externas líquidas para a incrível marca de US$ 60 bilhões; já os bancos brasileiros fecharam o mês com um aumento de US$ 5,4 bilhões em seus ativos. Desse saldo de US$ 8 bilhões, US$ 5,5 bilhões vieram do excesso de exportações sobre importações, e quase US$ 2,5 bilhões, do movimento financeiro com o exterior.
Se olharmos os números do primeiro trimestre de 2006, o choque é ainda maior. A sobra de dólares no mercado chegou a quase US$ 18 bilhões, o mesmo valor verificado em todo o ano de 2005. Ou seja, esse fenômeno de dólares sobrando no mercado está se intensificando, apesar da valorização do real. Do saldo no trimestre, cerca de US$ 10 bilhões foram absorvidos pelos bancos e US$ 8 bilhões foram parar nas reservas externas do país.
As estatísticas sobre o mercado de câmbio revelam outras informações interessantes. O superávit na balança comercial no primeiro trimestre do ano foi de US$ 9,3 bilhões, enquanto a diferença (sobra) entre o volume de dólares vendidos pelos exportadores e comprados pelos importadores chegou a US$ 13,6 bilhões. Isso acontece porque os exportadores antecipam a venda de dólares de exportações futuras para lucrar com os juros elevados no país.
Com esse movimento, racional e legal, as empresas obrigam o Banco Central a comprar dólares no mercado e a vender títulos públicos para esterilizar a emissão de reais correspondente. Isso está gerando uma transferência pura e simples de recursos entre o Tesouro -que paga os juros- e o setor privado, que os recebe. Isso acontece porque os dólares acumulados pelo Banco Central rendem menos juros do que os pagos pelo Tesouro nos títulos emitidos em reais.
Mas os efeitos financeiros sobre as contas públicas não são os piores criados na economia por essa sobra de dólares. A valorização do real já está tirando a competitividade de áreas importantes da nossa estrutura produtiva. Isso tem sido contestado por analistas que não reconhecem o fenômeno da "dutch disease". Para provar que ele não vem ocorrendo, dizem que os dados das exportações de manufaturados dos últimos meses não revelam essa perda de competitividade. Afinal, nossas exportações ainda estão crescendo, e a parcela de produtos manufaturados ainda não se reduziu.
Mas quem teve o cuidado de entender os efeitos de mais longo prazo da "dutch disease" sabe que essa é uma doença crônica, e não aguda. Leva tempo para os problemas aparecerem, pois os primeiros efeitos da valorização do real ocorrem nos investimentos produtivos voltados às exportações. Isso é fácil de compreender. A utilização do aparelho produtivo já existente, mesmo com uma taxa câmbio desfavorável, ocorre por uma questão de racionalidade econômica. Mas, com a taxa de retorno dos novos investimentos caindo, cada vez mais as decisões de investimento em novas instalações voltadas para exportação serão adiadas ou canceladas. Isso já está acontecendo no Brasil de hoje.
Outro fenômeno relacionado a uma moeda valorizada é o aumento dos investimentos realizados por empresas brasileiras em países com taxa de câmbio mais favorável. Transfere-se, assim, para o exterior, o aumento da produção e do emprego nos setores exportadores da economia. Em ambos os casos, perde o Brasil.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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