São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2010

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ANÁLISE

É melhor negociar que retaliar

RUBENS RICUPERO
COLUNISTA DA FOLHA

Fez bem o governo norte-americano em apresentar proposta séria para resolver o contencioso do algodão e fez melhor o Brasil em aceitar adiar a retaliação. O ocorrido confirma o acerto da posição brasileira: preparar-se para ir às últimas consequências com esperança de que bastaria a ameaça para romper a paralisia.
A oferta dos EUA é interessante porque dois de seus elementos -o fundo para ajudar a competitividade do algodão brasileiro e a limitação da mais danosa modalidade de subsídios, as garantias dos créditos de exportação- se referem diretamente à questão central em disputa. No primeiro caso, recompensam a Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão), que arcou com os gastos do processo ganho pelo Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio).
O terceiro componente é a promessa de reconhecer Santa Catarina como livre de aftosa sem vacinação, o que possibilitaria a exportação de carne suína aos EUA. É uma primeira brecha na muralha que até hoje impede o Brasil de vender carnes ao mercado americano. Se fizermos nossa parte na melhora sanitária dos rebanhos, pode representar ampliação do acesso a outros países, sobretudo asiáticos, sensíveis ao valor da chancela americana.
A solução final pode demorar, pois a abolição total dos subsídios ao algodão depende da mudança da lei agrícola que vigorará depois de 2012. Trata-se, porém, de indício animador de que o governo Obama está disposto a usar contra o protecionismo do Congresso o capital de influência que acaba de ganhar com a aprovação da reforma da saúde. De qualquer forma, é difícil imaginar que os americanos voltem atrás nos três elementos já prometidos.
Se o avanço se confirmar no Congresso, todos sairão ganhando. Os EUA, em credibilidade para exigir dos parceiros as concessões de que precisam para dobrar as exportações em cinco anos. O Brasil, por ver recompensada com ganhos concretos sua luta solitária para pôr os subsídios agrícolas fora da lei. Aliás, luta limpa, já que jamais usamos retaliação ilegal e unilateral como os americanos fizeram conosco em 1988/ 89. A OMC, atolada no pântano da Rodada Doha, cobrará ânimo novo devido à valorização do seu sistema de solução de litígios.
Iniciado no governo anterior, esse é um processo que demonstra a vantagem de uma diplomacia de continuidade, objetiva e pragmática, voltada à solução séria de problemas concretos, em contraste com tantas iniciativas de fogo de artifício ideológico e protagonismo propagandístico que não levam a nada.


RUBENS RICUPERO , 73, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).


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