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ENERGIA
Para ex-presidente da estatal, governo intervém em excesso e trata a empresa apenas como "geradora de superávit"
Falta autonomia à Eletrobrás, diz Pinguelli
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
O ex-presidente da Eletrobrás
Luiz Pinguelli Rosa, 62, defendeu
que o governo dê mais autonomia
à estatal de energia e deixe de intervir no "dia-a-dia" da empresa,
que precisa ter "autonomia".
Em sua primeira entrevista exclusiva desde que foi demitido do
cargo, entregue a Silas Rondeau,
indicado pelo PMDB, Pinguelli
afirmou que a Eletrobrás é tratada
como "uma geradora de superávit", e não de energia, e por isso é
impedida de investir e liderar a
expansão do setor.
Segundo ele, o Planalto tem a
"ilusão" de que a iniciativa privada fará todos os investimentos necessários no setor elétrico.
"O que predomina é a política
macroeconômica: vamos catar
dólares, vale qualquer coisa, até
urânio", disse Pinguelli, referindo-se a um suposto acordo, depois negado pelo governo brasileiro, para a exportação do minério para a China.
Pinguelli narrou discussões
com a ministra Dilma Rousseff
(Minas e Energia) e com Joaquim
Levy (secretário do Tesouro),
com quem "saiu no pau".
Para o físico, que voltou à Coppe (Coordenação de Programas
de Pós-Graduação em Engenharia) da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) após deixar
a estatal, o governo Lula não tem
uma política energética. O novo
modelo é apenas um marco regulatório. Falta olhar "adiante", afirmou na entrevista.
Embora diga continuar apoiando o governo, ele responsabiliza o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos obstáculos que encontrou ao dirigir a Eletrobrás. "A
responsabilidade é do presidente
Lula. Eu cobro tudo do Lula. Ele
foi o eleito." Abaixo, os principais
trechos da entrevista.
Folha - Qual foi o motivo de sua
saída da Eletrobrás?
Luiz Pinguelli Rosa - Houve toda
uma cronologia. Numa reunião
com todos os diretores de estatais
[em setembro do ano passado] e
com a ministra Dilma [Rousseff,
de Minas e Energia], surgiu uma
questão entre um colega [de direção da Eletrobrás] e o ministério.
Eu saí em defesa dele. Isso me levou a um confronto com a Dilma.
Naquele instante, declarei que por
causa do incidente estava "pedindo as contas" da Eletrobrás.
Folha - Qual foi o ponto de discórdia?
Pinguelli - Tinha relação com o
novo modelo, particularmente
com as federalizadas, empresas
[distribuidoras das regiões Norte
e Nordeste] provisoriamente incluídas no grupo Eletrobrás que
são deficitárias e não tiveram nenhum plano de salvamento do
BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social].
Folha - Na sua visão, o que faltou
ao novo modelo?
Pinguelli - Seria uma medida
complementar, mas eu queria
uma solução para a perda de receita de Furnas [causada pela descontratação de energia, imposta
pelo modelo anterior, que liberava 25% dos contratos bilaterais
com as distribuidoras a cada ano].
Isso poderá dificultar muito até o
superávit primário deste ano e os
investimentos de Furnas.
Folha - A descontratação é o
grande problema do setor?
Pinguelli - Não. O grande erro de
todo o governo, e a Dilma e o ministério estão dentro do governo,
é a crença de que o investimento
privado por si só basta para a expansão do setor, deixando o
maior grupo do país [Eletrobrás]
em uma posição indefinida. Obviamente que a maior empresa
elétrica do país tem de puxar os
investimentos. A Eletrobrás tem
de ser idêntica à Petrobras, o que
significa menor intervenção do
governo no dia-a-dia da empresa.
Tem de blindar a empresa. Os órgãos de Estado, inclusive as estatais, têm de ter missão e autonomia.
Folha - Quem mais intervinha?
Pinguelli - O governo todo. Mas
o pior problema era com o Tesouro Nacional. Quando eu tive uma
reunião com o presidente Lula e a
Dilma, saí no pau com o Joaquim
Levy. Ele não considerava [na meta de superávit] a parte de Itaipu
transferida ao Tesouro, que foi de
US$ 1 bilhão no ano passado. É
como se essa parte não fosse da
Eletrobrás. Daí eu disse: "Vem cá,
em primeiro lugar, eu sou contra
o superávit primário, me desculpe, presidente. Eu cumpro porque sou da sua equipe e a ordem é
essa. Mas devo declarar que a minha empresa, que é uma geradora
elétrica, parece que é só uma geradora da superávit primário".
Folha - E qual foi a posição da ministra Dilma?
Pinguelli - A Dilma é uma pessoa
disciplinada. Ela encara a posição
do governo.
Folha - O senhor chegou a balançar na reforma ministerial ocorrida
em janeiro?
Pinguelli - Com a idéia de mudança do ministério, eu fui procurado, em nome do governo, para
saber se aceitaria um ministério
da reforma universitária. Eu disse
que não. Depois [no mês de abril],
houve o final feliz, como todo
mundo sabe, quando houve a
reunião com o PMDB e o presidente declarou... [que gostava
muito do Pinguelli, mas que ele
não dava nenhum voto no Senado].
Folha - Depois disso, o senhor falou com o presidente Lula?
Pinguelli - Estamos para conversar agora. Deve ser no dia 9.
Folha - O que o senhor vai falar ao
presidente?
Pinguelli - Vou falar tudo o que
penso, das realizações da Eletrobrás no ano passado, se ele abrir
espaço. O detalhe técnico que o
governo não faz idéia. O governo
nutre a ilusão de que pode deixar
a Eletrobrás na geladeira que o setor privado, em particular o estrangeiro, vai fazer todo o investimento.
Folha - O senhor crê no discurso
de que só uma política fiscal austera e inflação controlada é que darão as bases para um crescimento
sustentado?
Pinguelli - A intenção é boa. Eles
acham que isso é a solução. Mas o
perigo é o doente morrer antes de
o remédio fazer efeito. Há outros
problemas. Por exemplo: não temos problemas de energia elétrica porque a economia não está
crescendo. Na medida em que a
indústria e a renda cresçam, vai
faltar energia. Já estamos no limite para fazer novos investimentos.
Sem energia, há um gargalo no
desenvolvimento e pode até ser
gerada uma recessão.
Folha - Quando o senhor diz "matar o doente", imagina que o país
possa caminhar para uma moratória?
Pinguelli - Não. Deixa eu falar da
minha especialização. O Brasil,
por exemplo, não tem política
energética. Só tem uma política
macroeconômica bem-sucedida
do ponto de vista do controle da
moeda. Tem também uma política externa e de comércio exterior.
Mas em muitas áreas não tem.
Folha - E o que o governo fez durante esse ano e meio?
Pinguelli - O governo faz muita
coisa. Teve um trabalho monstruoso para fazer o novo modelo
[do setor elétrico], mas ele perdeu
um pouco a visão estratégica.
Folha - O senhor se sente decepcionado com o governo Lula?
Pinguelli - Decepcionado não é a
palavra. Fico pensando que faltou
alguma coisa, que poderia ser melhor. E poderia. O caso da energia
é um bom exemplo. Não pode ficar segurando a Eletrobrás. Não
pode ser o Joaquim Levy que pensa a energia no Brasil.
Folha - Foi ele quem mais colocou
obstáculos?
Pinguelli - O Levy cumpre uma
missão. A responsabilidade é do
presidente Lula. Eu cobro tudo do
Lula. Ele foi eleito. Deram a tarefa
a ele [Levy] de segurar o dinheiro.
E ele segura.
Folha - Como o senhor viu a história do suposto acordo, que depois
ficou só na intenção, de exportar
urânio para a China?
Pinguelli - Exportar urânio natural [não-enriquecido] é um negócio mixuruca, vagabundo. Depois, o ministro [Eduardo Campos, de Ciência e Tecnologia] declarou que não havia acordo nenhum. Não há como ganhar muito dinheiro com isso. O que interessa [ao governo brasileiro] é ganhar. É uma política de exportação. O que predomina é a política
macroeconômica: vamos catar
dólares, vale qualquer coisa, até
urânio.
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