São Paulo, domingo, 07 de julho de 2002

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ENTREVISTA

Mohamed El-Erian, especialista em emergentes, afirma que eleições vão influenciar economia até outubro

País está na 3ª fase de crise grave, diz analista

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

O currículo do gestor de fundos Mohamed El-Erian, um nova-iorquino de ascendência egípcia, contradiz o provérbio segundo o qual o destino de economias emergentes está nas mãos de jovens de pouco mais de 20 anos que compram e vendem títulos de governos como se estivessem matando inimigos imaginários em jogos de computador.
Aos 43 anos, El-Erian conhece o mundo, tem uma experiência de 15 anos como funcionário do FMI (Fundo Monetário Internacional) e três como diretor do banco de investimentos Salomon Smith Barney (hoje membro do Citigroup) em Londres.
Formado pela Universidade de Cambridge, nos EUA, ele fez seu mestrado e doutorado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. Hoje, administra boa parte dos recursos da Pimco (Pacific Investment Management), companhia com base em Newport Beach, no sul da Califórnia, administradora de 64 fundos que totalizam US$ 320 bilhões (cerca da metade do PIB brasileiro).
Por sua experiência e contatos com autoridades e analistas de países nos quais investe, Mohamed tornou-se o mais celebrado administrador de fundos de renda fixa de mercados emergentes.
Diferentemente de jornalistas econômicos, ele não precisa de relatórios de bancos de investimento em Nova York para formar suas opiniões. Vendeu papéis da Argentina um ano antes do colapso do país. Tirou dinheiro da Ásia no momento certo. Voltou para a Ásia no momento certo.
Em entrevista à Folha, El-Erian disse que o Brasil passa hoje pela terceira fase de um período de instabilidade grave, chamado por ele de "processo severo de deslocamento técnico". No entanto, El-Erian elogiou os esforços do candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, para acalmar os mercados. E disse que os investidores gostariam de ver um BC autônomo no Brasil.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - O que o motiva a comprar ou a vender títulos de um país? O sr. se deixaria influenciar por "reações irracionais de mercados" mesmo achando que um determinado país -como o Brasil- tem fundamentos econômicos sólidos?
Mohamed El-Erian -
Nós olhamos para três fatores separados que impactam nossa avaliação de investimento num país. Primeiro, analisamos profundamente os fundamentos sócio-político, financeiro e econômico. Depois, verificamos como as condições externas (regionais e internacionais) impactam a perspectiva de sua economia. Terceiro, olhamos para a posição técnica do mercado. O histórico de mercados emergentes sugere que o primeiro elemento é de longe o mais importante. Fundamentos fortes podem agir como uma âncora para ajudar o país a navegar por dificuldades externas ou deslocamentos técnicos. O exemplo mais recente disso é o México, onde condições internas sólidas permitiram ao país lidar com suas eleições conturbadas em 2000 e com o desaquecimento econômico dos EUA em 2001. Os aspectos-chave são: posição fiscal forte; políticas cambial e monetária ágeis; dinâmica de crescimento sólida; uma proteção de reservas adequada; instituições políticas e econômicas com credibilidade crescente; e tolerância social para lidar com os desafios cíclicos inevitáveis que afetam as economias emergentes.

Folha - À exceção de uma dinâmica de crescimento sólida, o Brasil parece ter tudo isso, mas os mercados não conseguem suportar um processo eleitoral.
El-Erian -
Se os fundamentos sólidos de um país estão no lugar, é muito difícil que os "mercados irracionais" o forcem à moratória. Dito isso, sempre haverá períodos de contágio de curta duração. Em alguns casos, a volatilidade e as pressões financeiras de mercados podem ser severas quando existem deslocamentos técnicos e um aumento generalizado da aversão do investidor ao risco -como está ocorrendo agora. Durante períodos como o atual, em que se diz que os "mercados falham", é essencial que as autoridades ajam com rapidez. Esse foi o caso do Brasil recentemente, com o anúncio da política de quatro pilares dirigida ao fortalecimento do superávit primário, das reservas bancárias, o saque de US$ 10 bilhões do FMI e as operações de administração da dívida.

Folha - Quem começou a vender primeiro posições e ativos brasileiros? Os investidores domésticos? Os "hedge funds"? Fundos de pensão? Qual foi o papel dos fundos especulativos e das vendas a descoberto nesse processo?
El-Erian -
O Brasil encontra-se agora na terceira e última fase de um processo severo de deslocamento técnico. O primeiro estágio essencialmente começou de forma local, com as vendas feitas por empresas brasileiras e fundos mútuos locais.
A segunda fase centrou-se no envolvimento crescente dos fundos hedge negociando papéis do Brasil a descoberto. O efeito combinado desses dois estágios foi uma queda acentuada nos preços financeiros.
Isso, por sua vez, detonou o terceiro estágio, no qual alguns investidores de longo prazo foram forçados a vender para honrar os pagamentos devidos por seus fundos mútuos. Uma consequência desse terceiro estágio é um contágio maior, já que essa venda impacta não só o Brasil, mas também o portfólio de outros países. Isso explica as pressões que vimos em países como o México, a Rússia, a Turquia, a Venezuela etc.

Folha - O senhor ainda tem medo de Lula?
El-Erian -
O que os mercados mais temem é a incerteza. Com ela, não podem quantificar o risco de forma apropriada. Investidores observam Lula para saber qual é seu projeto econômico e financeiro, sua sugestão para as políticas fiscal e monetária, sua opinião com relação às reformas estruturais e ao pagamento da dívida. Além disso, os mercados querem saber sua atitude com relação à continuidade do processo de aprofundamento dos benefícios do progresso econômico recente. Querem saber se haverá fortalecimento das instituições econômicas -incluindo a autonomia do Banco Central.

Folha - O que o senhor achou do programa econômico divulgado por Lula?
El Erian -
Foi um fato muito importante, que terá impacto gradual nos mercados. Esse impacto será gradual devido à extensão dos deslocamentos verificados. Lula indicou sua intenção de manter a política fiscal, de honrar as obrigações contratuais da dívida e de recorrer aos fundos do FMI, se necessário. Isso é importante não só em termos de sinalização, mas também porque indica a capacidade de reação da política econômica que está propondo. Achamos que a base financeira e econômica do país é suficientemente forte para agir como âncora durante esse período.
No entanto, o processo certamente será volátil e seremos impactados pelos humores políticos até as eleições de outubro. Os mercados vão continuar a procurar mais detalhes dos candidatos presidenciais nas semanas e meses a seguir.

Folha - Vários especialistas dizem que o Fundo deveria ter exigido uma pressão maior do governo brasileiro para reduzir sua dívida pública atrelada ao dólar. O senhor acha que o país tem uma dívida excessivamente alta ou trata-se apenas de uma questão de percepção?
El-Erian -
A situação financeira brasileira é igual à de um copo que está se enchendo de água, mas que ainda não está cheio. Devido à proporção da dívida brasileira atrelada ao dólar ou aos juros, a percepção dos mercados mudou bastante nos últimos anos (e meses). Partiu de uma exuberância, de um ciclo virtuoso, para preocupações e um círculo vicioso. Dada a grande desvalorização recente do real, o sentimento agora é compreensivelmente dominado por preocupações com relação a um ciclo vicioso. Se a economia brasileira dependesse somente de seus próprios fundamentos, a dinâmica da dívida voltaria para o ciclo virtuoso. A chave aqui é a habilidade de o Brasil gerar superávits fiscais consistentes, fluxos contínuos de investimentos diretos e melhorar a dinâmica de crescimento. Além de melhorar a capacidade de o país atrair créditos, esses fatores levarão a uma queda nas taxas de juro e reduzirão o serviço da dívida.
No curto prazo, no entanto, o impacto desses fundamentos será ameaçado por deslocamentos técnicos de mercado e a temporada eleitoral turbulenta. No entanto, achamos que a combinação das condições econômicas e a posição de reserva financeira podem, e vão, agir como uma âncora sólida para ajudar o país a navegar nesse período desafiador e restaurar as dinâmicas favoráveis de mercado.



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