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São Paulo, segunda-feira, 07 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um novo modelo de crescimento

GERALDO CARBONE

A necessidade da retomada do crescimento econômico tem sido uma constante no Brasil nos últimos 30 anos. Depois do chamado "milagre brasileiro", a falta de ciclos longos e sustentados de crescimento é um tema permanente entre economistas, jornalistas, políticos etc.
Os "culpados" por essa situação variam ao longo do tempo: a crise do petróleo na década de 70, o processo inflacionário na década de 80, a política de estabilização de preços nos anos 90. Se a sociedade brasileira não se posicionar rapidamente, logo estaremos em busca do "culpado" da primeira década do século 21.
Analisando-se um conjunto de países, entre 1990 e 2002, nota-se que há uma correlação positiva e significante (87%) entre a formação bruta de capital -tomada como indicador do nível de investimento- e a taxa de crescimento do PIB.
Claro que o investimento não é o único fator determinante da expansão econômica, mas, sem ele, dificilmente ela ocorre, já que o crescimento provocado exclusivamente por aumento do consumo se sustenta por curtíssimo tempo. Além disso, o aumento do nível de investimento é o motor dos ganhos de produtividade, sem os quais um país -e o Brasil não foge à regra- não consegue inserir-se competitivamente no mapa global.
Logo, parece evidente que a discussão sobre crescimento econômico tem de passar necessariamente pela questão do financiamento do investimento. Esse financiamento se dá basicamente por duas vias: poupança doméstica ou poupança proveniente do resto do mundo, esta última expressa pelo déficit em conta corrente do balanço de pagamentos.
Financiar o fluxo de investimentos por expressiva captação de poupança externa até pode ser viável para países com longa história de estabilidade, como os EUA, mas já se mostrou inadequado para nações como o Brasil. As crises do balanço de pagamentos das décadas de 80, 90 e do ano passado validam esse argumento.
Fica claro, portanto, que precisamos de um modelo que privilegie o crescimento da poupança interna como forma de financiar um novo ciclo de expansão econômica.
Ora, a poupança interna é a soma das poupanças pública e privada. A poupança do setor público mostra um decréscimo constante ao longo dos últimos 30 anos, como demonstra o déficit do setor público. Em outras palavras, o setor público brasileiro tem influenciado negativamente a formação da poupança interna. Há um sem-número de justificativas para tal -carências sociais, desequilíbrio da Previdência Social, elevação dos encargos sobre a dívida pública-, mas o fato é que não há formação de poupança no setor público brasileiro.
No caso da poupança privada também se nota uma tendência de queda, fortemente estimulada pelo aumento da carga tributária, nos últimos anos. O gráfico na página ilustra a dimensão desse aumento, colocando o Brasil entre os países de maior carga tributária do mundo, completamente fora do padrão observado nas demais economias em desenvolvimento.
É evidente, portanto, que o país tem um problema estrutural com relação ao financiamento do seu crescimento. A poupança externa foi o grande motor do crescimento nas décadas de 50 e 60. E, a partir de então, a sociedade não foi capaz de gerar poupança interna para substituir a poupança do resto do mundo. O resultado tem sido um baixo crescimento econômico, que já se torna crônico, com todas as suas consequências negativas no campo social.
Esses fatos sugerem que uma discussão séria a respeito do crescimento econômico deveria passar pelo encaminhamento de propostas que viabilizassem o aumento da taxa interna de poupança. A taxa Selic ou as taxas de juros do cheque especial podem ser relevantes para explicar o baixo nível de consumo, mas nunca poderiam ser responsabilizadas pelo baixo nível de crescimento do país. Crescimento acelerado do consumo sem aumento na capacidade de investir acaba gerando, cedo ou tarde, inflação ou desequilíbrio nas contas externas.
Daí a importância de alguns princípios econômicos fundamentais para o aumento da taxa de poupança e da capacidade de investimento e crescimento:
a) inflação reduzida para estimular a poupança doméstica e atrair capitais de longo prazo do exterior. No mundo atual, taxas de inflação acima de 5% ao ano já são consideradas elevadas e acima de 10% ao ano são proibitivas;
b) disciplina fiscal, incluindo-se aí a Previdência Social, que possibilite menor carga tributária e, portanto, a liberação de recursos da sociedade para a formação da poupança doméstica privada. Além disso, a percepção de disciplina permanente permite um alongamento dos prazos da dívida do setor público.
c) Um mercado de capitais desenvolvido, fundamental na alocação da poupança privada em instrumentos de prazo mais longo, que financiarão os investimentos de longa maturação dos setores público e privado. O provedor de capitais de longo prazo no mundo desenvolvido não é o setor bancário, é o mercado de capitais.
Sem dúvida, há espaço para a redução das taxas de juros de curto prazo no Brasil, especialmente se confirmada a tendência de queda na inflação. É possível que estejamos diante dessa nova tendência já nos próximos meses. Quando isso acontecer, crescerá o consumo das famílias e surgirá a necessidade de um novo ciclo de investimentos. E a verdade é que o país não tem um modelo de financiamento sustentável (leia-se não inflacionário ou não prejudicial à saúde das contas externas), além de apresentar gargalos importantes na infra-estrutura, especialmente no setor elétrico e de transportes.
A sociedade brasileira precisa definir urgentemente um novo modelo de crescimento sustentado e de inserção na economia mundial. Se persistirmos nessa visão de curto prazo de que a taxa de câmbio é que determina a competitividade externa e que a taxa de juros de curto prazo é que determina o nível de crescimento econômico, outra década terá passado e continuaremos a perder espaço no mapa global.
A elevação da poupança interna passa pela permanente disciplina fiscal, mas, principalmente, por uma redução da carga tributária. Logo, parece urgente uma discussão aberta sobre a dimensão e a natureza do gasto público no Brasil. Buscar equilíbrio fiscal única e exclusivamente por aumento de impostos não permite crescimento econômico, especialmente quando já se atingem patamares escandinavos na relação arrecadação/PIB.
Seria saudável dirigir o debate para essas questões fundamentais, caso contrário estaremos buscando, em breve, o culpado pelo baixo crescimento da primeira década do século 21. E, pelo andar da carruagem, o culpado da vez será a taxa Selic!!!


Geraldo Carbone é presidente do BankBoston no Brasil, diretor da Febraban e da Amcham.


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