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São Paulo, segunda-feira, 07 de julho de 2003

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REMÉDIO AMARGO

Christopher Ruhm, doutor em economia nos EUA, diz que melhora é sentida nos países desenvolvidos

Crise faz bem à saúde, afirma economista

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

Christopher Ruhm, doutor em economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley e ex-assessor econômico do ex-presidente Bill Clinton (1993-2001), afirma que crises econômicas fazem bem à saúde -pelo menos nos países mais desenvolvidos.
Com mais tempo livre e menos estresse quando os negócios estão mornos, as pessoas tenderiam a adotar hábitos mais saudáveis, como fazer mais exercícios, se alimentar melhor e fumar menos.
A cada ponto percentual de aumento na taxa de desemprego, segundo trabalho de Ruhm publicado em junho nos EUA, há uma redução de 0,6 ponto percentual no total de fumantes nos Estados Unidos e de 1,4 ponto percentual no número de adultos obesos.
Ocorrem ainda um aumento de 1,5 ponto percentual no total de pessoas que se exercitam e uma queda de 1,8 ponto percentual em vários tipos de doenças relacionadas a hábitos não-saudáveis.
""Não é o desemprego que leva à adoção de hábitos saudáveis. Ele apenas reflete um ambiente onde as pessoas estão trabalhando menos", afirma Ruhm.
Se essa tese for verdadeira, os norte-americanos estão mais saudáveis. O Departamento do Trabalho dos Estados Unidos divulgou na última semana um salto na taxa de desemprego no país.
Em junho, a taxa fechou em 6,4%, a maior desde abril de 1994, e 0,3 ponto percentual acima dos 6,1% registrados em maio. Foi o maior aumento de um mês para o outro desde setembro de 2001, quando ocorreram os atentados terroristas nos EUA.
O desemprego está mais concentrado no setor industrial. A taxa de 6,1% refletiu o corte de vagas e a volta de centenas de milhares de pessoas ao mercado em busca de trabalho -611 mil pessoas, um recorde nos últimos meses.
O estudo de Ruhm usa dados oficiais do Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, que a cada ano entrevista 1,5 milhão de norte-americanos para acompanhar hábitos e a incidência de doenças. A base de dados do estudo de Ruhm vai de 1987 a 2000.
Em um outro trabalho semelhante, publicado em 2000, resultados parecidos foram encontrados numa pesquisa de 20 anos conduzida na Espanha, na Alemanha e em outros países europeus.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Ruhm concedeu à Folha.

Folha - O sr. esperava este tipo de resultado no estudo?
Christopher Ruhm -
Não é exatamente o tipo de coisa que eu esperava quando comecei. Eu entendo que pareça meio esquisito, mas creio que muitos desses resultados tenham a ver com mais tempo livre em momentos de crise.
Quando a economia não vai bem, as pessoas normalmente têm mais tempo e um pouco mais de energia. Se você não está trabalhando tanto ou se o ritmo de sua empresa está devagar, você chega em casa e tem um pouco mais de energia para fazer ginástica ou preparar uma refeição mais saudável, por exemplo.

Folha - Mas e o fator ansiedade em momentos de crise?
Ruhm -
É difícil saber de que maneira isso acaba influenciando. A sabedoria convencional do passado indicava que as pessoas nessa situação seriam levadas a beber e a fumar mais. Mas os dados não mostram isso. Além da queda no consumo de cigarros, tende a haver também uma diminuição no consumo de álcool, por incrível que pareça. Não entre todo mundo, obviamente, mas, na média, há uma diminuição, com uma queda mais acentuada entre as pessoas que bebem de forma mais pesada.
Os psicólogos diriam que, se você perde o seu emprego ou teme perdê-lo, uma espécie de mecanismo de defesa é acionado e você começa, por exemplo, a fazer mais exercício.
As pessoas começam a procurar viver de uma forma mais saudável como resposta a essa ameaça. É um contra-ataque. Você pode ficar mais ansioso ou deprimido, mas acaba encontrado meios de lidar com isso.
Se você estiver deprimido e for conversar com seu terapeuta ou com um amigo a respeito ele provavelmente vai te dizer: "Mexa-se, faça um pouco mais de exercício. Corte hábitos não saudáveis, alimente-se melhor". Isso é senso comum. Você não se sente bem em uma dimensão de sua vida, mas começa a se sentir melhor em outra, fisicamente.
Qualquer um, por experiência própria, se estiver muito ocupado com o trabalho, vai sentir que tem menos tempo e mais dificuldades para continuar se exercitando.

Folha - O sr. acha que o mesmo fenômeno ocorre em países pobres, onde as crises econômicas são sempre mais agudas?
Ruhm -
Minha suspeita é que não. Os benefícios de ter mais dinheiro, no caso de países mais pobres, são muito superiores ao de ter tempo mais livre para se exercitar, por exemplo. Não tenho certeza se esse tipo de benefício da crise seria sentido em um país como o Brasil, por exemplo. Dependeria muito do segmento da economia e do padrão de vida das pessoas.
Isso pode ocorrer entre pessoas da classe média que têm um bom emprego no mercado formal, mas não entre os mais pobres. Para eles, o dinheiro é muito mais importante.
Nos países em desenvolvimento, a renda continua sendo o fator fundamental para avanços nos indicadores de saúde. Já entre os países desenvolvidos, não há mais muita diferença entre os indicadores na média da sociedade.

Folha - Olhando as perspectivas da economia americana hoje, o sr. diria que as pessoas vão ficar mais ou menos saudáveis?
Ruhm -
Creio que teremos uma recuperação de curto prazo pela frente. Não sou um grande fã da atual política econômica. Ela privilegia ações que, a longo ou médio prazos, poderão ter efeitos perversos. Mas deve funcionar no curto prazo.


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