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REMÉDIO AMARGO
Christopher Ruhm, doutor em economia nos EUA, diz que melhora é sentida nos países desenvolvidos
Crise faz bem à saúde, afirma economista
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
Christopher Ruhm, doutor em
economia pela Universidade da
Califórnia em Berkeley e ex-assessor econômico do ex-presidente
Bill Clinton (1993-2001), afirma
que crises econômicas fazem bem
à saúde -pelo menos nos países
mais desenvolvidos.
Com mais tempo livre e menos
estresse quando os negócios estão
mornos, as pessoas tenderiam a
adotar hábitos mais saudáveis,
como fazer mais exercícios, se alimentar melhor e fumar menos.
A cada ponto percentual de aumento na taxa de desemprego, segundo trabalho de Ruhm publicado em junho nos EUA, há uma redução de 0,6 ponto percentual no
total de fumantes nos Estados
Unidos e de 1,4 ponto percentual
no número de adultos obesos.
Ocorrem ainda um aumento de
1,5 ponto percentual no total de
pessoas que se exercitam e uma
queda de 1,8 ponto percentual em
vários tipos de doenças relacionadas a hábitos não-saudáveis.
""Não é o desemprego que leva à
adoção de hábitos saudáveis. Ele
apenas reflete um ambiente onde
as pessoas estão trabalhando menos", afirma Ruhm.
Se essa tese for verdadeira, os
norte-americanos estão mais saudáveis. O Departamento do Trabalho dos Estados Unidos divulgou na última semana um salto na
taxa de desemprego no país.
Em junho, a taxa fechou em
6,4%, a maior desde abril de 1994,
e 0,3 ponto percentual acima dos
6,1% registrados em maio. Foi o
maior aumento de um mês para o
outro desde setembro de 2001,
quando ocorreram os atentados
terroristas nos EUA.
O desemprego está mais concentrado no setor industrial. A taxa de 6,1% refletiu o corte de vagas
e a volta de centenas de milhares
de pessoas ao mercado em busca
de trabalho -611 mil pessoas, um
recorde nos últimos meses.
O estudo de Ruhm usa dados
oficiais do Centro para Controle e
Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, que a cada ano entrevista 1,5 milhão de norte-americanos para acompanhar hábitos e a
incidência de doenças. A base de
dados do estudo de Ruhm vai de
1987 a 2000.
Em um outro trabalho semelhante, publicado em 2000, resultados parecidos foram encontrados numa pesquisa de 20 anos
conduzida na Espanha, na Alemanha e em outros países europeus.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Ruhm concedeu à Folha.
Folha - O sr. esperava este tipo de
resultado no estudo?
Christopher Ruhm - Não é exatamente o tipo de coisa que eu esperava quando comecei. Eu entendo
que pareça meio esquisito, mas
creio que muitos desses resultados tenham a ver com mais tempo livre em momentos de crise.
Quando a economia não vai
bem, as pessoas normalmente
têm mais tempo e um pouco mais
de energia. Se você não está trabalhando tanto ou se o ritmo de sua
empresa está devagar, você chega
em casa e tem um pouco mais de
energia para fazer ginástica ou
preparar uma refeição mais saudável, por exemplo.
Folha - Mas e o fator ansiedade
em momentos de crise?
Ruhm - É difícil saber de que maneira isso acaba influenciando. A
sabedoria convencional do passado indicava que as pessoas nessa
situação seriam levadas a beber e
a fumar mais. Mas os dados não
mostram isso. Além da queda no
consumo de cigarros, tende a haver também uma diminuição no
consumo de álcool, por incrível
que pareça. Não entre todo mundo, obviamente, mas, na média,
há uma diminuição, com uma
queda mais acentuada entre as
pessoas que bebem de forma mais
pesada.
Os psicólogos diriam que, se você perde o seu emprego ou teme
perdê-lo, uma espécie de mecanismo de defesa é acionado e você
começa, por exemplo, a fazer
mais exercício.
As pessoas começam a procurar
viver de uma forma mais saudável
como resposta a essa ameaça. É
um contra-ataque. Você pode ficar mais ansioso ou deprimido,
mas acaba encontrado meios de
lidar com isso.
Se você estiver deprimido e for
conversar com seu terapeuta ou
com um amigo a respeito ele provavelmente vai te dizer: "Mexa-se,
faça um pouco mais de exercício.
Corte hábitos não saudáveis, alimente-se melhor". Isso é senso
comum. Você não se sente bem
em uma dimensão de sua vida,
mas começa a se sentir melhor em
outra, fisicamente.
Qualquer um, por experiência
própria, se estiver muito ocupado
com o trabalho, vai sentir que tem
menos tempo e mais dificuldades
para continuar se exercitando.
Folha - O sr. acha que o mesmo fenômeno ocorre em países pobres,
onde as crises econômicas são sempre mais agudas?
Ruhm - Minha suspeita é que
não. Os benefícios de ter mais dinheiro, no caso de países mais pobres, são muito superiores ao de
ter tempo mais livre para se exercitar, por exemplo. Não tenho
certeza se esse tipo de benefício da
crise seria sentido em um país como o Brasil, por exemplo. Dependeria muito do segmento da economia e do padrão de vida das
pessoas.
Isso pode ocorrer entre pessoas
da classe média que têm um bom
emprego no mercado formal, mas
não entre os mais pobres. Para
eles, o dinheiro é muito mais importante.
Nos países em desenvolvimento, a renda continua sendo o fator
fundamental para avanços nos indicadores de saúde. Já entre os
países desenvolvidos, não há mais
muita diferença entre os indicadores na média da sociedade.
Folha - Olhando as perspectivas
da economia americana hoje, o sr.
diria que as pessoas vão ficar mais
ou menos saudáveis?
Ruhm - Creio que teremos uma
recuperação de curto prazo pela
frente. Não sou um grande fã da
atual política econômica. Ela privilegia ações que, a longo ou médio prazos, poderão ter efeitos
perversos. Mas deve funcionar no
curto prazo.
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