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LUÍS NASSIF
Investimento externo
e poupança
Vou arriscar uma hipótese baseada em observação da realidade. Sua comprovação ou não caberá a quem
disponha de base teórica mais
sólida. Se for correta, poderá
colocar em xeque alguns pressupostos que legitimariam a
abertura financeira atual.
A apreciação do câmbio no
Plano Real trazia, embutida, o
erro primal de confundir capital financeiro com capital de
investimento. Partia-se do
pressuposto de que o Brasil não
possuía poupança interna.
Com a abertura financeira, poderia se suprir de poupança externa para financiar o desenvolvimento. Bastaria abrir as
comportas para o capital financeiro que automaticamente se realizariam os investimentos que pavimentariam o
crescimento da economia.
Dez anos e centenas de bilhões de dólares de dívida pública depois, um dos pais do
Real, Edmar Bacha, escreveu
que não bastava atrair dólares:
era necessário que eles fossem
canalizados para a atividade
produtiva. Ou seja, não existia
o automatismo defendido por
ele, por Pérsio Arida e pelos demais autores do plano.
Agora se defende a idéia de
que o modelo de atração de capitais se torna virtuoso se for
canalizado para investimento.
É uma evolução do pensamento inicial, mas será que a hipótese é correta?
Minha hipótese é a seguinte:
a poupança externa que é trazida para o país não aumenta
a poupança existente; há apenas um efeito-substituição, no
qual os setores com acesso a
dólares são beneficiados, em
detrimento dos setores com
acesso a reais. É possível que a
conta final -ganho dos vencedores menos prejuízo dos perdedores- seja amplamente
negativa para o país.
Vamos a um exemplo:
1) Há dois países: o da siderúrgica A, com acesso a dólares, e o da oficina B, com acesso
a reais.
2) A siderúrgica A capta US$
100 no exterior. Ao entrar no
país, esses dólares são convertidos em R$ 300.
3) Para impedir a apreciação
do câmbio e/ou o aumento da
liquidez da economia, o Banco
Central enxuga esse dinheiro
por meio da criação de dívida
pública. Aos R$ 300 que entraram nos cofres da siderúrgica
A, corresponderam R$ 300 que
o BC tirou da economia, por
meio do aumento da dívida
pública.
4) Se o volume de crédito disponível permaneceu o mesmo,
o crédito apropriado pela siderúrgica A foi descontado do
crédito disponível para o restante da economia. O que significa que reduziu-se o crédito
disponível para a oficina B e
aumentou a dívida pública na
mesma proporção.
5) O aumento da dívida pública transferiu a conta para a
oficina B por ter encarecido
mais que proporcionalmente
os juros pagos por ela em seus
empréstimos em reais; e por
obrigá-la a pagar mais impostos, para compensar o aumento da dívida pública.
Como o tema é bastante
complexo, é possível que exista
algum furo no raciocínio exposto. Mas, se essas hipóteses
estiverem corretas, a atração
de capital externo produtivo
não provocaria aumento da
poupança e seria um brutal
agente de concentração de renda.
O capital externo seria útil
apenas para resolver problemas de desequilíbrio no balanço de pagamentos ou financiar
incursões externas de empresas
brasileiras.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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