São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2004

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LUÍS NASSIF

Investimento externo e poupança

Vou arriscar uma hipótese baseada em observação da realidade. Sua comprovação ou não caberá a quem disponha de base teórica mais sólida. Se for correta, poderá colocar em xeque alguns pressupostos que legitimariam a abertura financeira atual.
A apreciação do câmbio no Plano Real trazia, embutida, o erro primal de confundir capital financeiro com capital de investimento. Partia-se do pressuposto de que o Brasil não possuía poupança interna. Com a abertura financeira, poderia se suprir de poupança externa para financiar o desenvolvimento. Bastaria abrir as comportas para o capital financeiro que automaticamente se realizariam os investimentos que pavimentariam o crescimento da economia.
Dez anos e centenas de bilhões de dólares de dívida pública depois, um dos pais do Real, Edmar Bacha, escreveu que não bastava atrair dólares: era necessário que eles fossem canalizados para a atividade produtiva. Ou seja, não existia o automatismo defendido por ele, por Pérsio Arida e pelos demais autores do plano.
Agora se defende a idéia de que o modelo de atração de capitais se torna virtuoso se for canalizado para investimento. É uma evolução do pensamento inicial, mas será que a hipótese é correta?
Minha hipótese é a seguinte: a poupança externa que é trazida para o país não aumenta a poupança existente; há apenas um efeito-substituição, no qual os setores com acesso a dólares são beneficiados, em detrimento dos setores com acesso a reais. É possível que a conta final -ganho dos vencedores menos prejuízo dos perdedores- seja amplamente negativa para o país.
Vamos a um exemplo:
1) Há dois países: o da siderúrgica A, com acesso a dólares, e o da oficina B, com acesso a reais.
2) A siderúrgica A capta US$ 100 no exterior. Ao entrar no país, esses dólares são convertidos em R$ 300.
3) Para impedir a apreciação do câmbio e/ou o aumento da liquidez da economia, o Banco Central enxuga esse dinheiro por meio da criação de dívida pública. Aos R$ 300 que entraram nos cofres da siderúrgica A, corresponderam R$ 300 que o BC tirou da economia, por meio do aumento da dívida pública.
4) Se o volume de crédito disponível permaneceu o mesmo, o crédito apropriado pela siderúrgica A foi descontado do crédito disponível para o restante da economia. O que significa que reduziu-se o crédito disponível para a oficina B e aumentou a dívida pública na mesma proporção.
5) O aumento da dívida pública transferiu a conta para a oficina B por ter encarecido mais que proporcionalmente os juros pagos por ela em seus empréstimos em reais; e por obrigá-la a pagar mais impostos, para compensar o aumento da dívida pública.
Como o tema é bastante complexo, é possível que exista algum furo no raciocínio exposto. Mas, se essas hipóteses estiverem corretas, a atração de capital externo produtivo não provocaria aumento da poupança e seria um brutal agente de concentração de renda.
O capital externo seria útil apenas para resolver problemas de desequilíbrio no balanço de pagamentos ou financiar incursões externas de empresas brasileiras.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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