São Paulo, terça-feira, 07 de agosto de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

Longe demais


Exportador precisa de câmbio tanto quanto SP precisa de um novo aeroporto ou o Brasil precisa de boas escolas

A CRISE do setor aéreo foi longe demais. Sejam quem forem os culpados, o fato é que num certo dia foi preciso suspender completamente as operações do maior aeroporto do país. O abandono do sistema rodoviário foi longe demais, até um momento em que a safra agrícola não podia mais sair de algumas regiões. O desleixo com a educação e com a saúde foi longe demais, não apenas na área federal. A política de juros altos foi longe demais -e continua indo.
O Brasil, infelizmente, está se transformando num país em que, por várias razões, as crises vão sempre muito mais longe do que se pode imaginar e suportar. Estica-se a corda até que se rompa. O caso do câmbio tem essa característica. É certo que as condições internacionais favoreceram até agora a valorização do real, pela elevada liquidez mundial e pelo enfraquecimento da moeda americana. Mas a cotação do dólar se aproximou de R$ 1,80 há duas semanas. Alguns analistas já enxergavam a moeda a R$ 1,60 ou R$ 1,50 quando sobrevieram as turbulências da quinta-feira (26/7) e a cotação voltou a subir um pouco.
Está evidente, a valorização do real já foi longe demais. O que ocorre nessa área levanta a suspeita de que o país pode se deparar em algum momento com um "apagão cambial". Será o dia em que um grande número de exportadores concluirá que não pode mais exportar.
Há, sim, saídas para evitar o rompimento da corda. Não se pedem mágicas. Só atitudes responsáveis e serenas para que o setor exportador possa manter as vendas externas com alguma rentabilidade.
No primeiro semestre, houve ingresso recorde de capital estrangeiro -US$ 58,7 bilhões. O IED (investimento estrangeiro direto) também cresceu e teve entrada líquida de US$ 24 bilhões no semestre. O Brasil volta a atrair investidores de risco, e isso é uma boa notícia.
Apesar do trauma do dia 26 e das turbulências que voltaram a sacudir o mercado na sexta, os fundamentos da economia global continuam bons, com crescimento médio previsto de 5%. Não há razões, portanto, para apostar em mudanças muito drásticas nos fluxos financeiros internacionais e na entrada de capitais no país. Nesse contexto, é injustificável a manutenção de certos estímulos ao ingresso de capital financeiro, como a isenção de IR sobre investimento de estrangeiros em títulos públicos.
Além disso, a pressão que valoriza o real advém de "arbitragens", operações pelas quais os investidores captam recursos a juros baixos no exterior para se beneficiar das altas taxas internas. O impacto dessas operações sobre o câmbio só poderá ser diminuído com corte maior nos juros locais.
São apenas algumas sugestões, que vêm sendo dadas por economistas e entidades de classe. Há outras à disposição de quadros competentes do governo.
Exportador precisa de câmbio tanto quanto São Paulo precisa de um novo aeroporto ou o Brasil precisa de boas escolas e bons hospitais. Há limites para tudo. Para timidez, para temeridades e para conservadorismos. Esticar mais a corda e deixar essa crise ir mais longe é temeridade.
Essas não são críticas vãs, mas um chamamento à reflexão. A economia brasileira tem índices muito bons, a retomada do crescimento está em curso, puxada pelo mercado interno, e as contas externas são excelentes. Dá para repensar a questão cambial antes que chegue o dia do apagão, como já se deu em outros setores. A corda cambial já está esticada demais.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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