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BENJAMIN STEINBRUCH
Longe demais
Exportador precisa de câmbio tanto quanto SP precisa de um novo aeroporto ou o Brasil precisa de boas escolas
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A CRISE do setor aéreo foi longe
demais. Sejam quem forem os
culpados, o fato é que num
certo dia foi preciso suspender completamente as operações do maior
aeroporto do país. O abandono do
sistema rodoviário foi longe demais,
até um momento em que a safra
agrícola não podia mais sair de algumas regiões. O desleixo com a educação e com a saúde foi longe demais, não apenas na área federal. A
política de juros altos foi longe demais -e continua indo.
O Brasil, infelizmente, está se
transformando num país em que,
por várias razões, as crises vão sempre muito mais longe do que se pode
imaginar e suportar. Estica-se a corda até que se rompa. O caso do câmbio tem essa característica. É certo que as condições internacionais favoreceram até agora a valorização
do real, pela elevada liquidez mundial e pelo enfraquecimento da moeda americana. Mas a cotação do dólar se aproximou de R$ 1,80 há duas
semanas. Alguns analistas já enxergavam a moeda a R$ 1,60 ou R$ 1,50
quando sobrevieram as turbulências da quinta-feira (26/7) e a cotação voltou a subir um pouco.
Está evidente, a valorização do
real já foi longe demais. O que ocorre
nessa área levanta a suspeita de que
o país pode se deparar em algum
momento com um "apagão cambial". Será o dia em que um grande
número de exportadores concluirá
que não pode mais exportar.
Há, sim, saídas para evitar o rompimento da corda. Não se pedem
mágicas. Só atitudes responsáveis e
serenas para que o setor exportador
possa manter as vendas externas
com alguma rentabilidade.
No primeiro semestre, houve ingresso recorde de capital estrangeiro -US$ 58,7 bilhões. O IED (investimento estrangeiro direto) também cresceu e teve entrada líquida
de US$ 24 bilhões no semestre. O
Brasil volta a atrair investidores de
risco, e isso é uma boa notícia.
Apesar do trauma do dia 26 e das
turbulências que voltaram a sacudir
o mercado na sexta, os fundamentos
da economia global continuam
bons, com crescimento médio previsto de 5%. Não há razões, portanto, para apostar em mudanças muito
drásticas nos fluxos financeiros internacionais e na entrada de capitais
no país. Nesse contexto, é injustificável a manutenção de certos estímulos ao ingresso de capital financeiro, como a isenção de IR sobre investimento de estrangeiros em títulos públicos.
Além disso, a pressão que valoriza
o real advém de "arbitragens", operações pelas quais os investidores
captam recursos a juros baixos no
exterior para se beneficiar das altas
taxas internas. O impacto dessas
operações sobre o câmbio só poderá
ser diminuído com corte maior nos
juros locais.
São apenas algumas sugestões,
que vêm sendo dadas por economistas e entidades de classe. Há outras à
disposição de quadros competentes
do governo.
Exportador precisa de câmbio
tanto quanto São Paulo precisa de
um novo aeroporto ou o Brasil precisa de boas escolas e bons hospitais.
Há limites para tudo. Para timidez,
para temeridades e para conservadorismos. Esticar mais a corda e deixar essa crise ir mais longe é temeridade.
Essas não são críticas vãs, mas um
chamamento à reflexão. A economia
brasileira tem índices muito bons, a
retomada do crescimento está em
curso, puxada pelo mercado interno, e as contas externas são excelentes. Dá para repensar a questão cambial antes que chegue o dia do apagão, como já se deu em outros setores. A corda cambial já está esticada
demais.
BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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