São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Mundo paga por ajuste do déficit dos EUA

Desvalorização do dólar dificulta as exportações de produtos industriais e diminui o valor das reservas internacionais

Europeus se queixam da alta de sua moeda em relação à norte-americana; fatia dos EUA na exportação brasileira cai para 15,8%

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O mundo está pagando o custo do ajuste da economia dos Estados Unidos por meio da queda do dólar, que dificulta as exportações industriais dos demais países e corrói o valor de seus ativos denominados na moeda norte-americana, como as reservas internacionais.
No caso do Brasil, o recuo do dólar é acentuado pela enxurrada de capital externo que entra no país na forma de superávit comercial, investimento estrangeiro direto e recursos financeiros em busca da polpuda remuneração proporcionada pela taxa de juros interna.
Natan Blanche, da consultoria Tendências, calcula que 2007 fechará com um fluxo de US$ 84,6 bilhões, quase três vezes acima dos US$ 30,6 bilhões registrados no ano passado.
Nos últimos seis meses, o dólar perdeu 10,85% de seu valor em relação ao real. Se forem considerados os últimos dois anos, o percentual é de 23,1%. Em três anos, sobe para 53,7%.
O efeito mais nocivo desse movimento é o encarecimento dos produtos brasileiros quando convertidos em dólar, o que dificulta as exportações. Um carro de R$ 30 mil que seria exportado a US$ 15 mil com um dólar a R$ 2 sai por US$ 16,66 mil se a cotação cai a R$ 1,80.
Não por acaso, o percentual das vendas aos EUA no total das exportações brasileiras ficou em 15,8% nos primeiros oito meses do ano, comparado a 18% em igual período de 2006.
"Eu não me lembro de ter visto um percentual tão baixo. Historicamente, as exportações do Brasil para os Estados Unidos representavam entre 19% e 24% do total", observa o embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e ex-secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento). Os EUA são o principal e o mais "nobre" mercado para as exportações brasileiras, com alta participação de produtos manufaturados, como aviões, autopeças e aço.
A aceleração da queda do dólar nas últimas semanas também passou a preocupar os europeus, que temem o efeito do movimento sobre suas exportações e, em conseqüência, seu ritmo de crescimento. No dia 20 de setembro, o euro superou a cotação de US$ 1,40 pela primeira vez desde seu lançamento, em 1999. Na sexta-feira, a moeda fechou em US$ 1,414.
O assunto estará no centro da reunião que ministros europeus realizam amanhã em preparação ao encontro das sete nações mais industrializadas do mundo, o G7, na próxima semana, em Washington.
A perda de valor do dólar é o reflexo dos desequilíbrios da economia dos Estados Unidos, que registra um déficit recorde de 8% do PIB em suas transações com o restante do mundo. Isso significa que os norte-americanos precisam emprestar ou atrair quase US$ 1 trilhão dos demais países para fechar suas contas ao fim de um ano.
O caminho mais óbvio para corrigir o desequilíbrio é a desvalorização da moeda, que torna os produtos de exportação americanos mais baratos, e as importações, mais caras. A lógica é que o movimento leve à redução do déficit comercial e ajude a equilibrar as contas com o restante do mundo.
A desvalorização do dólar foi acentuada em setembro pela decisão do Federal Reserve, o Banco Central americano, de cortar a taxa de juros em 0,5 ponto percentual, para 4,75%. "Um dos atrativos para os investidores aplicarem em uma moeda é a taxa de juros", ressaltou Paulo Gala, professor de macroeconomia da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Com o corte de setembro, a taxa de juros nos Estados Unidos ficou apenas 0,75 ponto percentual acima dos 4% da zona do euro. Em artigo publicado no "Financial Times" de quinta-feira, David Woo, do Barclays Capital, afirmou que as transações dos últimos anos indicam que os juros norte-americanos têm de estar no mínimo entre 1 e 1,5 ponto percentual acima da taxa européia para que os investidores mantenham posições em dólares.
Diante das perspectivas negativas para a economia americana, Gala avalia que os juros não subirão ou poderão até cair mais, o que sustentaria a tendência de baixa do dólar.
Ricupero acredita que os EUA manterão os juros baixos para evitar uma recessão, o que trará conseqüências negativas aos demais países, com a queda do dólar e a ameaça de inflação. "Os americanos têm uma capacidade extraordinária de saírem de crises e fazer com que os outros paguem por elas."


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