São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2004

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AMAZÔNIA

Concessão em projeto de lei do governo deve aumentar área de exploração certificada e impulsionar indústria da madeira

"Aluguel" de floresta une madeireiras e ONGs

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Operador de motosserra finaliza derrubada de angelim-vermelho (Dinizia excelsa) de 18 m de altura e 3,5 m de base no Pará


CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL AO PARÁ

O empresário Francisco Severino Filho já sentiu na pele o problema que o caos fundiário da Amazônia representa para os negócios. Sua empresa, a Madenorte, teve um projeto de manejo florestal suspenso pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) devido à falta de um título de terra aceitável para uma área de 140 mil hectares de floresta comprada na região do rio Xingu, no Pará. Um investimento de R$ 5,8 milhões foi perdido.
Em Rondônia, o paulista Fábio Albuquerque passou quase quatro anos procurando uma área de floresta com titulação legal na qual sua empresa, a Ecolog, pudesse executar extração madeireira de baixo impacto. Acabou encontrando uma propriedade de 30 mil hectares, que recebeu neste ano certificação pelo FSC (Conselho de Manejo Florestal), o "selo verde" que garante ao consumidor que a madeira foi extraída de forma não-predatória.
"Se no passado já foi difícil encontrar uma área, hoje é impossível. Se essa lei não passar, temo pela Amazônia", diz.
A lei à qual Albuquerque se refere é um projeto do Ministério do Meio Ambiente que deve ir ao Congresso nos próximos dias. Ele regulamenta a gestão de florestas públicas, e seu principal mecanismo é a concessão de áreas para a exploração florestal.
A idéia do projeto, que conta com o apoio de ONGs ambientalistas como Greenpeace e Amigos da Terra (mas com a rejeição veemente de figuras como o geógrafo Aziz Ab'Sáber), é delimitar áreas públicas que possam ser exploradas em ciclos de 20 ou 30 anos por empresas madeireiras, por exemplo. O prazo longo é uma necessidade do manejo de baixo impacto, no qual a floresta explorada ganha tempo para se regenerar.
O governo espera que o "aluguel" possa salvar o setor madeireiro, que só na Amazônia gera US$ 2,5 bilhões por ano, mas que chafurda numa crise de legalidade, e ao mesmo tempo ajude a manter de pé 10% da selva -o total de florestas a serem concedidas, que pode chegar a 50 milhões de hectares- gerando renda.

Estrangulamento
"Queremos dizer duas coisas com esse projeto: que as florestas públicas permanecem florestas e permanecem públicas", disse à Folha o diretor do Programa Nacional de Florestas do ministério, Tasso Azevedo.
Segundo Azevedo, as concessões florestais são a única forma de garantir que as madeireiras operem de forma legal na região amazônica, onde a maior parte dos títulos de terra vem de grilagem e 42% da madeira é proveniente de extração clandestina.
"O projeto é urgente porque você está sentado numa bomba-relógio. O setor está estrangulado, ou gera desemprego ou vai para a ilegalidade", afirma Azevedo.
Essa urgência ficou ainda maior em 2003, depois que o Ibama e o Ministério Público decidiram suspender vários planos de manejo florestal que, como o da Madenorte, estavam em terras de propriedade duvidosa. Houve protestos, estradas foram fechadas, e escritórios do Ibama, invadidos.
"As empresas estão vivendo um momento de auto-estima muito baixa", disse Wagner Kronbauer, presidente da Uniflor (União das Indústrias Florestais do Estado do Pará), maior entidade do setor na região. "Hoje, é impossível para a maioria delas saber se vai trabalhar daqui a dois anos", afirmou.

Certificação
As concessões também devem aumentar a quantidade de madeira certificada pelo FSC no mercado. Hoje, as florestas com selo verde são menos de 5% do total. "Com concessões e com o zoneamento ecológico-econômico, dá para chegar a 50% de madeira certificada", afirma Kronbauer.
A certificação está sendo buscada pelos madeireiros como forma de garantir mercado externo para madeira tropical. Países como o Reino Unido e a Holanda, hoje, têm demanda reprimida por madeira com o FSC.
"Se as empresas aumentarem a capacidade de oferta, a demanda vai aumentar", afirma o engenheiro florestal Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) e uma das principais autoridades do país em economia da madeira na região.
"A Europa vai querer daqui a alguns anos que toda a madeira seja legal. Aos olhos da lei brasileira, madeira de desmatamento é legal. Mas, além de legal, o mercado [externo] pode também exigir que seja não-predatória."
Segundo dados do Imazon, seriam necessários 45 milhões de hectares para suprir 40% da demanda por madeira sustentável, uma área que só pode ser obtida por concessão de terra pública.
A certificação pelo FSC tem um bônus para as empresas: o sobrepreço pago, de 25% em média.
Segundo Veríssimo, as exigências do governo para os planos de manejo florestal que disputariam as concessões públicas são tão grandes que uma empresa apta a entrar numa concorrência do governo estará naturalmente a um passo da certificação.
Entre essas exigências está a realização de inventários florestais -o mapeamento de todas as árvores da floresta, uma a uma-, a derrubada planejada e o diâmetro mínimo de corte e a realização de auditorias periódicas na empresa certificada, que avaliam tanto indicadores ambientais (a fauna da floresta, por exemplo) como sociais (as condições de trabalho).
No quadro atual, quem quer se certificar não consegue por falta de área. Só o Imaflora, principal agência certificadora brasileira, já teve oito pedidos negados em razão de problemas fundiários.
As empresas já certificadas, por seu lado, querem ganhar mercado e não conseguem por falta de florestas disponíveis.
Um exemplo é a Juruá Florestal, do Pará, que precisa de 150 mil hectares a mais para manter sua produção atual -a área que a empresa explora, em concessão privada, não é suficiente para 30 anos- e de mais 100 mil para investir. "Com concessões, eu posso dobrar o meu faturamento", afirma Idacir Peracchi, dono da Juruá. "No ano que vem, se não conseguirmos novas áreas, vamos ter de cortar 200 funcionários."


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