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Após crise, G20 quer mais poderes
Reunião que começa hoje em São Paulo prepara temas para cúpula em Washington, em uma semana
Ministros e chefes de BCs tentam acertar agenda para reformar finanças globais; emergentes querem papel maior depois da crise
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Pelo menos do ponto de vista
do Brasil, a reunião do G20 que
vai de hoje a domingo em São
Paulo é a primeira iniciativa para consolidar o grupo como
parte importante da nova governança financeira global que
se supõe que nascerá da crise
econômica em andamento.
Não é uma pretensão vazia: o
fato de o presidente americano,
George Walker Bush, ter convocado a primeira cúpula global para discutir a crise (realiza-se dia 15 em Washington) no
formato G20 é uma indicação
importante, ainda mais que, até
aqui, o grupo só reunia seus ministros de Finanças e presidentes dos bancos centrais. A sua
primeira cúpula será a de Wa-
shington. O Brasil é o atual presidente do grupo.
Além do mais, o G20 tem
composição geográfica e representatividade suficientes para
juntar-se às diferentes instâncias formais e informais que gerenciam as finanças do planeta.
Dele fazem parte (veja quadro ao lado) desde os países do
G7, geralmente considerados a
diretoria do mundo, aos grandes emergentes, como Brasil,
China, Índia, África do Sul, México, e até países menores mas
regionalmente influentes, como a Argentina.
Mas não se trata de o G20
substituir as instâncias multilaterais. "Há um conjunto de
instituições que já têm seis décadas. Não faz sentido descartá-las. O que se pode é reformá-las", diz, solicitando o anonimato, um dos principais negociadores do encontro de São
Paulo.
Refere-se, como é óbvio, ao
Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial, criados
em 1944, justamente para a gerência financeira do planeta,
mas que, na crise deste ano, não
foram protagonistas principais.
Convém acrescentar a OMC
(Organização Mundial do Comércio), criada, com esse nome, bem mais recentemente.
A questão seguinte é saber
que reforma do FMI se pretende fazer. Do ponto de vista do
Brasil e dos países emergentes,
trata-se de mudar o peso de cada país no Fundo, hoje uma instituição claramente controlada
pelos Estados Unidos.
Já houve, em abril, um pequeno passo, pelo qual se transferiram dos ricos para os emergentes algo em torno de 2,5
pontos percentuais do poder de
voto no Fundo. Nada, no entanto, que altere substancialmente
a correlação de forças.
O problema é que mudar o
peso de cada país no Fundo não
basta para mudar o peso do
próprio FMI na gestão de crises.
Tanto é assim que o diretor-gerente do Fundo, o francês
Dominique Strauss-Khan, já
avisou que leva à reunião de
Washington "um plano de nova
governança global", que gira
em torno de cinco eixos: criar
uma nova linha de crédito que
"permita aliviar os problemas
de liquidez de curto prazo"; aumentar os recursos do FMI;
"extrair lições das políticas econômicas que levaram a estas
bolhas repetidas"; supervisionar a implantação das novas regulações financeiras que elaboraram o FMI e o Fórum de Estabilidade Financeira, que
agrupa os grandes bancos centrais; "e ajudar a redefinir um
sistema mundial mais coerente".
O governo holandês dá até
nome a esse eventual sistema:
tratar-se-ia de transformar o
FMI em uma "Organização de
Estabilidade Financeira Global", diz seu primeiro-ministro,
Jan Peter Balkenede.
Essa é, a rigor, também a
agenda da reunião de São Paulo, embora não se espere que
ela produza uma posição conjunta para ser levada aos chefes
de Estado que, uma semana depois, se encontram em Wa
shington.
Nem seria razoável esperar
porque, como diz um dos organizadores, "ministros de Finanças e presidentes de bancos
centrais estiveram, até agora,
mais ocupados em atuar como
bombeiros do que em pensar o
futuro".
De fato, a crise é muito recente e a convocação da cúpula de
Washington, também -foi decidida há três semanas.
De todo modo, todos os participantes das duas reuniões deixam claro que se trata de reformar instituições do capitalismo, mas não de pôr algo novo
em seu lugar.
Claro que se fala muito em
reforçar o papel do Estado, mas
não como empresário nem
mesmo como gerente das finanças. O que se pretende é que
seja um regulador -papel que
lhe é clássico- mais eficiente.
Primeiro, porque há um certo consenso de que a auto-regulação dos mercados mostrou-se
no mínimo insuficiente. Segundo, porque as regras que pareciam suficientes, contidas por
exemplo, nos chamados acordos de Basiléia 2, que prevêem
mecanismos cautelares para
evitar riscos sistêmicos no
mundo financeiro, foram contornadas, como a crise mostrou. Contornadas seja por produtos novos e de alta complexidade, seja pelo que se batizou
de "shadow financial system",
um sistema financeiro paralelo,
por isso mesmo fora do alcance
da regulação.
É essa sombra que a reunião
de São Paulo e, depois, a de
Washington pretendem eliminar -para salvar o capitalismo,
não para substituí-lo.
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