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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Mamãe, eu quero

Outro dia meu historiador oficial, Hugo Pontes, que está reescrevendo a história de Poços de Caldas, me mandou cópia do "Diário de Poços", com a relação dos shows de uma temporada qualquer dos anos 40. Com destaque, estava lá a orquestra de Vicente Paiva.
Como muitos dos grandes compositores dos anos 30 a 50, Vicente de Paiva tornou-se o anônimo compositor de músicas imortais. Uma delas se tornou das músicas brasileiras mais conhecidas de todos os tempos, aqui e lá fora, o "Mamãe, Eu Quero", parceria com Jararaca, gravada por Carmen Miranda. Outra é das mais belas composições da história, que mereceu gravações irretocáveis de Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso e, mais recentemente, de Gal Costa, o "Olhos Verdes" ("vem, de uma remota batucada / uma cadência bem marcada...").
Vicente Paiva nasceu em São Paulo, em 1908, mas começou a carreira em 1926, em Santos, como pianista. Como quase todos os grandes músicos da época, seguiu para o Rio de Janeiro para fazer carreira na indústria radiofônica local. Começou de cara tocando na orquestra de Simon Bountman, famosa na época. Em 1928, estreou como cantor, gravando "Beijar Não É Pecado" (Oscar Cardona) e "Mulher" (Pascoal Barros).
Depois, entre 1934 e 1945, foi diretor musical do Cassino da Urca no Rio, o que explica a sua convivência com Poços, já que o proprietário, Joaquim Rolla, também tinha cassino por lá. Dali até o final dos anos 50, a orquestra de Vicente Paiva tornou-se das mais populares do país.
"Mamãe, Eu Quero" foi composta em 1937. No coro, estava o ainda desconhecido Cyro Monteiro, mais Almirante e Odete Amaral. Dois anos depois, a parceria resultou em outro sucesso, o "Vamos, Maria, Vamos", gravada por Jararaca.
Jararaca era dessas figuras históricas e folclóricas da música brasileira. Fez parte do conjunto "Turunas Pernambucanos", montou dupla caipira consagrada com Ratinho (autor do choro "Saxofone, Por Que Choras") e foi parceiro de compositores semi-eruditos, como Henrique Voegeler.
Nos anos 40, Vicente Paiva inicia uma fieira de sucessos gravados por Carmen Miranda. Torna-se parceiro de um dos grandes letristas brasileiros de todos os tempos, Luiz Peixoto. Com ele, compõe "Voltei pro Morro", gravado por Carmen Miranda e mais de dez outras músicas. No ano seguinte, com o mesmo parceiro, compôs o "Disseram que Eu Voltei Americanizada", a vingança de Carmen Miranda contra seus detratores, na linha do mais puro samba-choro.
Ao lado de Assis Valente, J. Cascata, Leonel Azevedo, Antonio Almeida, Sá Roris (seu parceiro), Vicente passa a integrar um grande time da música brasileira no período, os compositores que vão abastecer os conjuntos vocais da época com sambas-choro, sambas sincopados, sambas-exaltação e marchinhas.
Também teve intensa participação nos teatros de revista dos anos 40 e 50. Era o chamado compositor musical, o sujeito que ia montando a parte das composições, ao lado do produtor, do diretor e do coreógrafo.
De 1945 a 1952, foi regente de orquestra da Companhia de Revistas de Walter Pinto, outro grande produtor com ligação direta com Poços. Lá, Walter Pinto explorava o Gibimba, considerado na época o maior cabaré do Brasil. Aliás, sua ligação com o teatro de revista se dava em todos os níveis, até na escolha dos parceiros, como Luiz Peixoto e Chianca de Garcia, um português de nascimento, jornalista, músico e com ligações com o cinema e figura de destaque no teatro de revista.
No início dos anos 50, Vicente Paiva estava no auge de seu talento. O samba-canção "Ave Maria" ("Ave Maria / dos seus andores / olhai por nós / os pecadores"), com Jayme Redondo, outro compositor paulista extremamente versátil, que enveredou pela interpretação e pelo cinema, e a mais bela de todas, o "Olhos Verdes", ambas gravadas por Dalva de Oliveira no Trio de Ouro.
Morreu em 18 de fevereiro de 1964.


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