São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2004

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LUÍS NASSIF

Bravata perigosa

É uma bravata infantil e perigosa essa retaliação contra turistas norte-americanos. Há no país clara falta de percepção sobre o que seja interesse nacional. Há uma longa caminhada nas relações Estados Unidos-Brasil. Tem-se pela frente a Alca, as questões em torno da OMC (Organização Mundial do Comércio) e outras relevantes. Por que se vai gastar pólvora com essa questão menor?
Dia desses o "Jornal da Cultura" mostrou como são feitas as identificações lá e aqui. Nos EUA, por sistemas eletrônicos de identificação digital, permitindo amplo manuseio de bancos de dados, e não levando nem sequer dois minutos para identificar o viajante.
No caso brasileiro, é um ridículo atroz de fotografar turistas com o número do passaporte escrito em um cartaz, como se fossem bandidos fichados. E para quê? Se não há nenhuma justificativa de segurança nacional, se esse papelório gerado vai para o lixo, não vai gerar controle nenhum, pois a Polícia Federal não tem sistema eletrônico de rastreamento de digitais, como não convencer a opinião pública norte-americana e o governo Bush de que não se trata de mera retaliação?
O país gasta uma grana preta para se mostrar "confiável", salvando inclusive grupos norte-americanos aventureiros que entraram na privatização, para gastar esse saldo em bobagens contra cidadãos que vêm gastar seu dinheiro aqui?
Onde está o ministro do Turismo, o da Justiça, o das Relações Exteriores, o da Casa Civil, fazendo vista grossa a essa patacoada? Se a liminar manda fotografar os americanos, à PF caberia no mínimo responder ao juiz que a decisão pode ser cumprida a partir do seu aparelhamento.
Mas cumprir desse jeito, tomando como fetiche a decisão do juiz, agride o direito e o bom senso, porque vai contra o interesse do Estado que representa a sociedade. É isso o que está surpreendendo e deixando perplexos os diplomatas do Departamento de Estado e a embaixada em Brasília. A inércia do Itamaraty e do Ministério da Justiça está criando em Washington a sensação de que o governo é conivente e apóia a medida.
A medida vai causar prejuízos e retaliações mais do que se pode imaginar, porque o conceito de proteção ao cidadão comum quando no exterior é um totem da cultura política dos EUA, e qualquer americano que se sinta humilhado ou ultrajado no exterior escreve ao seu senador ou deputado e ai se inicia um processo de pressão sobre a administração que é difícil parar e deixa cicatrizes por anos.
Depois da nota de ontem do Departamento de Estado, a próxima vai ser a recomendação para que os cidadãos americanos não venham mais ao Brasil, na mesma linha do que eles fazem com países com epidemias e terremotos.
Os prejuízos para as relações bilaterais, e não só para o turismo, serão irreparáveis. Um assunto minúsculo desse vai azedar assuntos sérios, já chegou ao secretário de Estado, Colin Powell, que vai fazer uma reclamação formal ao Itamaraty e logo vai chegar à Secretaria do Tesouro, que será obrigada a retaliar em algum lugar. Um ridículo para ninguém botar defeito, por nada e para nada.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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