São Paulo, terça-feira, 08 de janeiro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

O sonho da bonança produz inércia


Otimismo para 2008 é grande, mas governo parece incapaz de antecipar problemas, da politiquinha à infra-estrutura

INDIFERENTES, OU quase isso, à corrida de obstáculos de 2008, financistas, empresários e, claro, o governo continuam a acreditar num ano econômico ainda muito bom -quer dizer, bom se considerado o crescimento de 2,5% anual no último quarto de século. Sim, parecem razoáveis os bons prognósticos, pois o embalo de 2007 deve contaminar positivamente pelo menos o primeiro semestre deste ano.
O excelente resultado do investimento industrial, divulgado ontem, reforçou o otimismo. Há investimentos anunciados e já iniciados em aumento da capacidade produtiva de matérias-primas "chinesas" (grãos, aço, ferro e outros produtos básicos) que seriam sustados apenas em caso de queda de um meteorito em Xangai. O BNDES tem pedidos na fila. A indústria começa janeiro com estoques baixos. Os reajustes salariais do trimestre final do ano foram bons. As contas externas estão em muito boa ordem e, apesar dos esforços do governo, as contas fiscais ainda estão em nível aceitável -embora tendendo a piorar, os estragos apareceriam mais adiante.
Mesmo com juros básicos estacionados desde setembro, até onde é possível calcular nunca tivemos juros reais entre 7% e 8%, indecência, mas taxa que parece "natural" e convidativa num país tão esquisito como o Brasil. As estimativas do mercado são meio estranhas, prevendo queda da Selic (nas pesquisas feitas pelo Banco Central), mas cobrando um alta de pelo menos um ponto nos juros de fato da praça -ainda assim, não é nada catastrófico.
Há previsões setoriais de crescimento menor na indústria, o que ora tem mais jeito de pausa para respirar do que arrefecimento. Mesmo o BC, pessimista por dever de ofício, prevê o PIB em alta de 4,5%.
Começamos 2001 assim também, após o bom ano de 2000, com PIB em alta de 4,3%. 2001 acabou com a economia em alta de 1,3%, quase zero de aumento da renda (PIB) per capita. Houve uma sucessão de desastres: apagão, colapso argentino, reflexos da bolha da internet estourada em 2000 e o 11 de Setembro.
Não há promessa de colapsos de tamanha monta para 2008. O único vulcão fumegante são os EUA, mas seria preciso haver uma quebra espetacular nas finanças americanas para que a economia deles afundasse na lava vermelha. Mas não há consenso algum sobre nada disso.
Ainda assim, resta uma sensação de perigo, menos devida ao ambiente global e mais em relação ao governo Lula, ao seu aparente descolamento da realidade presente e sua indiferença quanto a providências para o futuro. No varejo, a sucessão de burradas no Congresso é o sinal mais comezinho da incapacidade do governo de aquilatar dificuldades adiante. O descaso em relação à questão fiscal e quanto a mudanças institucionais indica que o governo sonhava em 2007 ajeitar a máquina para gastar, para se lambuzar como um menino que ganhou uma caixa de doces. É raro ver antecipação de problemas, de conflitos no Congresso a mudanças estruturais na economia. Mas, para falar do curto prazo, o investimento é insuficiente para a infra-estrutura econômica e social -está a brotar uma crise de energia.
Fica sempre a impressão de que o país precisa de catástrofes para acordar, e ainda assim lentamente.

vinit@uol.com.br


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