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CÉSAR BENJAMIN
Além da economia
Mantidas as atuais taxas de
crescimento, o PIB da China
ultrapassará o dos EUA em
pouco mais de uma década
A CHINA, um grande país periférico, caminha com rapidez para ocupar posição central no
sistema internacional. É um fato raro. Desde que o expansionismo europeu começou a formar o moderno
sistema-mundo, há cerca de 50 anos,
só duas nações não-européias -Japão e EUA- conseguiram alterar
qualitativamente sua posição, passando da periferia ao centro, no século 19. A estabilidade na hierarquia
internacional é notável. Resistiu a
todos os projetos de desenvolvimento implantados na periferia.
O deslocamento permanente da
fronteira tecnológica tem sido um
dos motivos pelos quais as posições
relativas pouco se alteram. Os países
centrais reafirmam as suas posições
de comando justamente porque são
capazes de recriá-las, liderando os
processos de inovação. Como mostra a história do Brasil no século 20,
os países retardatários não conseguem, simultaneamente, apoderar-se da base técnica que já está madura
e acompanhar, em tempo real, a criação da base futura. Mesmo quando
se desenvolvem, a defasagem em relação à vanguarda se recria dinamicamente.
Combinando estratégias múltiplas, a China parece constituir uma
exceção. Hoje, por sua pujança, o
complexo formado pelas economias
do leste da Ásia e pelos EUA move o
mundo, e o futuro de todos depende
da forma como essa relação evoluirá.
Há interesses complementares. Nenhum dos dois pólos pode funcionar
sem o outro. Os gigantescos déficits
norte-americanos, tornados possíveis por um padrão monetário anômalo, são essenciais para impulsionar a industrialização chinesa. Mas o
desempenho das empresas multinacionais e a centralidade do dólar como moeda mundial -essenciais para as bases econômicas do poder
americano- passaram a depender,
em grande parte, da China.
Ao mesmo tempo, está em curso
uma gigantesca disputa. Mantidas as
atuais taxas de crescimento, o PIB da
China ultrapassará o dos EUA em
pouco mais de uma década, o que
provocará mudanças geopolíticas de
grande alcance. Os investimentos
militares chineses poderão se equiparar aos investimentos americanos.
Ao reestruturar sua Marinha, para
torná-la capaz de projetar força, e ao
mostrar ao mundo as suas armas anti-satélites -duas áreas cruciais para
a atual superioridade dos EUA-, a
China deixou claro que não reconhece limite ao desenvolvimento de sua
capacidade militar. É cuidadosa na
arena internacional, mas não hesita
em fortalecer o seu poder nacional.
Sob esse ponto de vista, as tensões
tendem a aumentar, ainda mais
quando se leva em conta que ambas
as economias (além de quase todas
as outras economias relevantes, como Alemanha, Japão e Índia) são
fortemente deficitárias em recursos
energéticos, que precisam ser buscados fora dos respectivos territórios
nacionais.
Os EUA terão que fazer uma difícil
escolha, rapidamente: ou tentarão
deter o crescimento chinês, por motivos geopolíticos, ou conviverão
com ele, por motivos econômicos. A
China, por sua vez, não tem opção. O
crescimento rápido é o fiador da estabilidade em uma nação, com mais
de 1 bilhão de pessoas, que já se lançou na grande transformação de
criar uma sociedade industrial, um
caminho doloroso e complexo, que
não admite retorno.
Da solução desse enigma dependerá a face do mundo na próxima
década. Quando derrotaram a União
Soviética, os EUA decidiram que
agiriam preventivamente para não
permitir que nenhum outro Estado
obtivesse paridade estratégica com
eles. Se forem fiéis à doutrina, um
grande confronto se aproxima, situado além da economia. Esse é o espectro que está por trás de boa parte
das tensões no mundo atual.
CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e
doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto,
2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
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