São Paulo, sábado, 08 de março de 2008

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CÉSAR BENJAMIN

Além da economia

Mantidas as atuais taxas de crescimento, o PIB da China ultrapassará o dos EUA em pouco mais de uma década

A CHINA, um grande país periférico, caminha com rapidez para ocupar posição central no sistema internacional. É um fato raro. Desde que o expansionismo europeu começou a formar o moderno sistema-mundo, há cerca de 50 anos, só duas nações não-européias -Japão e EUA- conseguiram alterar qualitativamente sua posição, passando da periferia ao centro, no século 19. A estabilidade na hierarquia internacional é notável. Resistiu a todos os projetos de desenvolvimento implantados na periferia.
O deslocamento permanente da fronteira tecnológica tem sido um dos motivos pelos quais as posições relativas pouco se alteram. Os países centrais reafirmam as suas posições de comando justamente porque são capazes de recriá-las, liderando os processos de inovação. Como mostra a história do Brasil no século 20, os países retardatários não conseguem, simultaneamente, apoderar-se da base técnica que já está madura e acompanhar, em tempo real, a criação da base futura. Mesmo quando se desenvolvem, a defasagem em relação à vanguarda se recria dinamicamente.
Combinando estratégias múltiplas, a China parece constituir uma exceção. Hoje, por sua pujança, o complexo formado pelas economias do leste da Ásia e pelos EUA move o mundo, e o futuro de todos depende da forma como essa relação evoluirá.
Há interesses complementares. Nenhum dos dois pólos pode funcionar sem o outro. Os gigantescos déficits norte-americanos, tornados possíveis por um padrão monetário anômalo, são essenciais para impulsionar a industrialização chinesa. Mas o desempenho das empresas multinacionais e a centralidade do dólar como moeda mundial -essenciais para as bases econômicas do poder americano- passaram a depender, em grande parte, da China.
Ao mesmo tempo, está em curso uma gigantesca disputa. Mantidas as atuais taxas de crescimento, o PIB da China ultrapassará o dos EUA em pouco mais de uma década, o que provocará mudanças geopolíticas de grande alcance. Os investimentos militares chineses poderão se equiparar aos investimentos americanos.
Ao reestruturar sua Marinha, para torná-la capaz de projetar força, e ao mostrar ao mundo as suas armas anti-satélites -duas áreas cruciais para a atual superioridade dos EUA-, a China deixou claro que não reconhece limite ao desenvolvimento de sua capacidade militar. É cuidadosa na arena internacional, mas não hesita em fortalecer o seu poder nacional.
Sob esse ponto de vista, as tensões tendem a aumentar, ainda mais quando se leva em conta que ambas as economias (além de quase todas as outras economias relevantes, como Alemanha, Japão e Índia) são fortemente deficitárias em recursos energéticos, que precisam ser buscados fora dos respectivos territórios nacionais.
Os EUA terão que fazer uma difícil escolha, rapidamente: ou tentarão deter o crescimento chinês, por motivos geopolíticos, ou conviverão com ele, por motivos econômicos. A China, por sua vez, não tem opção. O crescimento rápido é o fiador da estabilidade em uma nação, com mais de 1 bilhão de pessoas, que já se lançou na grande transformação de criar uma sociedade industrial, um caminho doloroso e complexo, que não admite retorno.
Da solução desse enigma dependerá a face do mundo na próxima década. Quando derrotaram a União Soviética, os EUA decidiram que agiriam preventivamente para não permitir que nenhum outro Estado obtivesse paridade estratégica com eles. Se forem fiéis à doutrina, um grande confronto se aproxima, situado além da economia. Esse é o espectro que está por trás de boa parte das tensões no mundo atual.


CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.

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