São Paulo, domingo, 08 de março de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Indústria encalha no bazar global


Baixa no comércio mundial contribuiu para provocar novo desastre na indústria brasileira, o pior em décadas


PARTE DA INDÚSTRIA brasileira se afoga no naufrágio do comércio mundial, o qual deve encolher pela primeira vez em cerca de 30 anos. Talvez isso explique a dissonância entre o consumo ainda crescente nos supermercados e o horrível resultado da produção industrial de janeiro, divulgado na sexta-feira pelo IBGE. Dissonância em termos, pois o consumo de bens duráveis e mais caros, como carros, também desabou. Dissonância parcial e temporária, enfim, pois a destruição de bons empregos na indústria exportadora aos poucos contaminará o resto da economia.
Tal dissonância, por sua vez, talvez explique por que as mídias "em tempo real" e televisionadas dessem na tarde de sexta-feira a impressão de etéreo alheamento da realidade.
Contavam que a "indústria deu sinais de reação", que "cresceu em janeiro" e outros indícios de flutuação mental na estratosfera. Mas os desastrosos resultados da indústria em dezembro e, pior, em janeiro, são inéditos nas quase duas décadas da série atual de registros -no mínimo. A produção industrial caiu 17,2% em janeiro (ante janeiro de 2008).
No primeiro bimestre deste ano, o valor total das exportações brasileiras caiu 22% em relação ao bimestre inicial de 2008. Mas o valor das exportações de produtos manufaturados, os bens industrializados, caiu mais: 30,5%. No caso de produtos básicos (ferro, petróleo, carnes, café, soja etc.), a queda ficou em 4,8%.
As exportações mais importantes e mais prejudicadas da indústria foram as de aço, veículos, autopeças, aviões, máquinas e etanol. Não há paralelismo ou correspondência exatos, mas entre os setores industriais que mais padeceram em janeiro estão justamente os da indústria dita metal-mecânica (embora a indústria de material eletrônico e de telecomunicações tenha encolhido 46%; a química, 30%). Entre os menos afetados estão aqueles que podem se apoiar mais no mercado doméstico: bebidas, farmacêuticos, fumo, alimentos, têxteis, higiene e limpeza, por exemplo.
Esse contraste não se deve apenas ao "efeito exportação", provavelmente. Nas crises há também uma espécie de "transferência de despesas" em bens mais caros, duráveis (carros, TVs), para não-duráveis -grosso modo, o que compramos nos supermercados, farmácias e lojas de roupas e calçados. Recorde-se também, é claro, que o choque de crédito e confiança devastou em primeiro lugar o mercado de veículos, o que ricocheteou em outros setores.
Mas a cada rodada de apodrecimento da economia dos países ricos importamos novos tocos de lenha para a fogueira da nossa crise, o que realimenta a queima de empregos. O desemprego e a decorrente baixa de salários espalham a crise pelos setores até agora mais poupados.
Em janeiro, o comércio dos superexportadores asiáticos afundou (se comparado a janeiro de 2008). Taiwan exportou 45% menos. Cingapura, -40%. Japão, -34%. China, -17,5%. Índia, -16%. Há indícios de que o comércio exterior dos EUA em fevereiro encolheu tanto quanto em janeiro. Na China, pode ter encolhido mais. Por aí a nossa encrenca não se resolve tão cedo.
Um talho de um ponto na Selic, na semana que vem, ficou mesquinho. O Banco Central terá de se mexer.

vinit@uol.com.br


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