São Paulo, quarta-feira, 08 de maio de 2002

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LUÍS NASSIF

Caixa eleitoral e hipocrisia

Há tempos o jogo político brasileiro passou a ter um componente desestabilizador terrível, não devido às posições políticas dos partidos favoritos, mas à mistura explosiva de interesses de grupos rivais utilizando a mídia por meio de dossiês variados, e da falta de regras mais claras na questão das contribuições de campanha.
Contribuem para essa história a falta de fiscalização mais intensa das contribuições e a leniência dos diversos partidos em aceitar contribuições de caixa dois de empresas.
O caixa dois interessa ao empresário por várias razões. A mais evidente é não se expor, em caso de derrota do beneficiário. A mais relevante é ficar no anonimato para facilitar as barganhas posteriores. Há dois tipos de barganha em jogo: a do empresário com contratos com quem é governo e a do empresário que ambiciona o contrato depois da eleição do seu candidato. A revelação do seu nome inviabilizaria a barganha. A classe política aceitou esse jogo de maneira ampla. Ficar fora dele significaria abrir mão da parte mais substanciosa das contribuições de campanha.
Na campanha passada, um empresário organizou reunião de seu setor com a pessoa escolhida para arrecadar os recursos para determinado candidato. Começou a reunião, a pessoa diz que seu partido só aceitaria contribuições oficiais. Saiu de mãos abanando e teve que aceitar as regras do jogo.
E aí se entra em um terreno pantanoso. Como não existe contabilização desses recursos, o partido fica duplamente exposto: comete uma ilegalidade e fica nas mãos dos arrecadadores e/ ou chantagistas.
Dia desses, um empresário do setor de telecomunicações, sob compromisso de "off" absoluto, exemplificava: "O sujeito vem, pede R$ 45 para o partido, repassa R$ 5 e embolsa R$ 40. E quem vai reclamar para quem?".
A situação é absolutamente hipócrita porque todos os partidos com chance de vitória recorrem a esse expediente ilegal, a mídia sabe, as notícias circulam, mas só são utilizadas como ferramentas de disputa de poder dos políticos para fuzilar os adversários, da mídia para competir no mercado ou mostrar poder. E o país, como fica nessa?
Cria-se uma situação institucionalmente insustentável, na qual o país inteiro fica refém dessa promiscuidade. Roseana Sarney foi fuzilada com a mão na cumbuca. Agora se tenta fuzilar José Serra por episódios de 1998, quando sua última campanha eleitoral foi em 1996. Mas pouco importa: o que é relevante é a disputa pelo poder.
Na hora em que se quiser, também se fuzilará Lula. É só utilizar, no momento apropriado, com a ênfase adequada, as licitações de lixo da prefeitura de São Paulo, ou a atuação de Roberto Teixeira. Todos os fatos estão aí, como estavam no ar desde 1998 os fatos que envolviam Ricardo Sérgio.
Não se tente isentar o governo de culpa. Desde os primeiros rumores, Ricardo Sérgio deveria ter sido demitido da diretoria do Banco do Brasil. O próprio processo de privatização, ainda que sob a capa legítima de estimular a disputa e permitir melhorar o preço das estatais, abriu espaço para um personalismo incompatível com a coisa pública, além de sujeitar o governo à ação de chantagistas.
Mas não se tente encontrar virtudes públicas nas denúncias. Tudo faz parte do jogo.

Analistas e bancos
Na coluna de ontem, sobre a manipulação de análises pelos bancos de investimento, incorri em generalizações. Evidentemente há inúmeros analistas sérios no mercado, atuando tecnicamente, inclusive na avaliação da piora dos fundamentos da economia brasileira, cuja atuação acaba sendo comprometida por picaretas.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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