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OPINIÃO ECONÔMICA
Farmácia populista
GESNER OLIVEIRA
O programa "Farmácia Popular" deve ser lançado pelo
governo nos próximos dias, depois de um período de gestação de
16 meses. Pode ser uma boa idéia
de marketing, mas é uma péssima
proposta de política pública.
Segundo as informações disponíveis -os detalhes do programa
têm sido mantidos a sete chaves-, o projeto será implementado pelo governo federal em parceria com os governos estaduais,
municipais e organizações não-governamentais com a finalidade
de montar uma rede de "farmácias populares" que forneçam um
conjunto específico de medicamentos a preços mais baixos. Em
uma fase inicial, seriam instalados pontos-de-venda nas cidades
de Goiânia, Rio de Janeiro, São
Paulo e Salvador.
Quem poderia ser contra a idéia
de vender remédio barato? Quem
não se sensibilizou com as cenas
do programa na televisão do PT
durante a campanha presidencial
em 2002, que mostravam o drama de uma mãe trabalhadora
sem dinheiro para comprar medicamentos para sua filha doente?
O problema do acesso ao medicamento em um país com tanta pobreza como o Brasil existe e é grave, mas o "Farmácia Popular"
não é a solução.
Aliás, para a maioria dos problemas sociais, não é necessário
inventar uma nova fórmula,
muito menos um novo logotipo. É
preciso corrigir e aprofundar o
que já existe, conforme enfatizou
corretamente o jornalista Gilberto Dimenstein em palestra realizada ontem sobre políticas de emprego, mas que vale para o conjunto das políticas públicas.
O "Farmácia Popular" representa flagrante violação ao princípio constitucional de acesso integral, universal e gratuito aos
serviços de saúde por meio do SUS
(Sistema Único de Saúde). Aquilo
que o SUS deve distribuir de graça
será agora desviado e cobrado pelo "Farmácia Popular".
O SUS já contempla a assistência farmacêutica mediante mecanismos específicos para a farmácia básica, os medicamentos de
alto custo e os programas estratégicos (diabete, Aids e hipertensão). É evidente que há muito a
ser feito para corrigir e melhorar
o sistema. Quem já acordou de
madrugada e enfrentou horas de
fila para conseguir um medicamento sabe bem o que é isso.
Mas por que não melhorar o
que já existe? Não faz o menor
sentido criar outro programa de
distribuição de medicamentos,
desperdiçando recursos escassos.
Isso contraria a própria lógica da
utilização do poder de compra do
Estado para obter remédios mais
baratos e poder repassar os ganhos para o consumidor. Programas dessa natureza pressupõem a
centralização, e não a dispersão
de esforços.
Além disso, os laboratórios oficiais que deverão fornecer ao
"Farmácia Popular" recebem
isenções para garantir um custo
reduzido, visando o fornecimento
a quem não tem condições de pagar e, portanto, depende do SUS.
Mas agora esses produtos serão
vendidos à população pelo "Farmácia Popular".
As distorções não param por aí.
Além de desviar recursos que deveriam ser canalizados para o
SUS, o Estado vai incorrer nos
custos de comercialização. Isso
justamente no setor de farmácias,
que é sabidamente marcado por
um excesso de pontos-de-venda.
Mediante o desvirtuamento de
subsídios que deveriam servir à
distribuição gratuita de medicamentos, o "Farmácia Popular"
constituirá, na prática, uma concorrência desleal no mercado de
drogarias.
Se o objetivo é aumentar a concorrência na venda de medicamentos, a opção dos genéricos já
existe e é mais eficiente. O desenvolvimento de um segmento de
genéricos aumenta a competição
e reduz os preços. No Brasil, os
preços dos genéricos são pelo menos 35% inferiores aos medicamentos de marca. Atualmente os
genéricos representam cerca de
10% do mercado. Nos EUA essa
participação chega a quase 40%.
A expansão dos genéricos no
Brasil não precisa de subsídio ou
da invenção de um novo programa. Mas certamente é necessário
oferecer informação e orientação
aos consumidores e às categorias
profissionais envolvidas, sobretudo aos médicos e farmacêuticos.
No entanto o genérico parece ter
se transformado em assunto proibido no governo federal pela sua
associação com o governo anterior.
Os problemas nacionais são demasiadamente graves para que
uma administração se dê ao luxo
de abandonar experiências bem-sucedidas. Por isso mesmo é inaceitável que a perspectiva da política pública seja substituída por
uma peça publicitária.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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