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ANÁLISE
Mais provável é que a Grécia abandone o euro
Só maior ousadia dos líderes europeus evitará que país deixe de usar a moeda
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
Será que a Grécia será o próximo Lehman Brothers? Não.
O país não é grande ou interconectado o bastante para causar
congelamento semelhante ao
de 2008 nos mercados. O que
quer que tenha causado a breve
oscilação de mil pontos no Dow
Jones certamente não tinha
justificativa nos acontecimentos reais na Europa.
E os analistas que alegam que
estamos vendo o início de uma
corrida contra todos os títulos
de dívida pública tampouco devem ser levados a sério.
Essas são as boas notícias. A
má é que os problemas da Grécia são maiores do que os líderes europeus estão dispostos a
reconhecer, mesmo agora -e
se aplicam, em grau menor, a
outros países europeus.
Muitos esperam que a tragédia grega termine em moratória. Estou cada vez mais convencido de que estão sendo otimistas e que a moratória será
acompanhada ou seguida pelo
abandono do euro.
De certa forma, estamos vendo a crônica de uma crise anunciada. Quando foi assinado o
Tratado de Maastricht, que colocou a Europa no caminho para o euro, lembro-me de brincar que o local escolhido para a
cerimônia deveria ser outra cidade holandesa. O tratado deveria ter sido assinado em Arnhem, local da infame "ponte
longe demais" da Segunda
Guerra Mundial, onde um plano militar aliado muito ambicioso terminou em desastre.
O problema, tão evidente em
termos prospectivos quanto o é
agora, está no fato de que faltam à Europa alguns dos atributos essenciais a uma zona
cambial bem-sucedida. Acima
de tudo, um governo central.
Considere a comparação
muitas vezes oferecida entre a
Grécia e a Califórnia. Os dois
enfrentam problemas fiscais e
ambos têm longo histórico de
irresponsabilidade fiscal. E o
impasse político na Califórnia é
até pior que o grego -afinal,
apesar de todas as manifestações, o Legislativo grego aprovou medidas de austeridade.
Mas os problemas fiscais da
Califórnia não importam tanto
quanto os da Grécia, mesmo
para os moradores do Estado.
Por quê? Porque boa parte do
dinheiro gasto na Califórnia
vem de Washington, e não de
Sacramento (a capital estadual). As verbas estaduais podem ser cortadas, mas os desembolsos do plano federal de
saúde, os cheques de aposentadoria da Previdência e os pagamentos federais às fabricantes
de material bélico continuam.
O que isso significa, entre outras coisas, é que os problemas
orçamentários da Califórnia
não impedirão o Estado de participar da recuperação econômica nacional mais ampla. Os
cortes orçamentários na Grécia, por outro lado, terão forte
efeito depressivo sobre uma
economia já deprimida.
Assim, será que uma reestruturação de dívida -termo polido para calote parcial- é a resposta? Isso não ajudaria tanto
quanto muitos imaginam, porque pagamentos de juros respondem por apenas uma parte
do deficit orçamentário grego.
Mesmo que suspenda completamente o serviço de sua dívida,
o governo grego não liberaria
dinheiro suficiente para evitar
cortes orçamentários ferozes.
A única coisa que poderia reduzir a dor da Grécia seria uma
recuperação econômica, que
geraria mais arrecadação, diminuiria a necessidade de cortes
de gastos e criaria empregos. Se
a Grécia tivesse moeda própria,
poderia tentar promover uma
recuperação assim via desvalorização cambial, o que elevaria
a competitividade das exportações. Mas o país usa o euro.
Assim, como tudo isso acabará? Em termos lógicos, vejo três
caminhos para que a Grécia
mantenha o euro.
Primeiro, os trabalhadores
gregos precisam se redimir por
meio de sofrimento, aceitando
grandes cortes de salários que
tornem a Grécia competitiva o
bastante para promover crescimento no emprego.
Segundo, o BCE (Banco Central Europeu) poderia adotar
uma política mais expansiva,
via compra de largo volume de
títulos de dívida pública e da
aceitação da inflação resultante
(que pode até ser bem-vinda).
Isso tornaria mais fáceis os
ajustes na Grécia e nos demais
países problemáticos do euro.
Ou, terceiro, Berlim poderia
desempenhar quanto a Atenas
o papel que Washington desempenha sobre Sacramento
-ou seja, os governos europeus
mais fortes em termos fiscais
poderiam oferecer assistência
aos vizinhos mais fracos.
O problema, claro, é que nenhuma dessas alternativas parece viável politicamente.
O que resta parece impensável: que a Grécia abandone o
euro. Mas, quando todas as demais saídas foram descartadas,
é só isso que sobra.
Argentina
Caso aconteça, a situação
transcorrerá mais ou menos
como em 2001 na Argentina,
cuja moeda tinha o dólar como
âncora supostamente permanente e inflexível. Abandonar
esse sistema era considerado
impensável pelos mesmos motivos por que deixar o euro parece impossível: até sugerir a
possibilidade causaria corridas
paralisantes aos bancos.
Mas as corridas aconteceram, de qualquer forma, e o governo argentino impôs restrições de emergência aos saques.
Isso deixou a porta aberta à
desvalorização, e a Argentina
atravessou aquela porta.
Se algo parecido acontecer
na Grécia, causará ondas de
choque em toda a Europa e possivelmente deflagrará crises
em outros países. Mas, a menos
que os líderes europeus estejam dispostos a agir com muito
maior ousadia do que demonstraram até agora, é nessa direção que caminhamos.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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