São Paulo, sábado, 08 de junho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

Armínio e a lógica do BC

Na Folha de ontem o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, procura rebater as acusações de que a crise com títulos públicos dos últimos dias foi de responsabilidade do BC.
Segundo ele, não procederia a informação de que o BC colocou mais LFTs do que o mercado demandava, visto que houve resgate líquido de papel no período. Nem se pode atribuir o prejuízo dos fundos ao novo sistema de "marcação a mercado" (pelo qual os fundos contabilizam os papéis em suas cotas de acordo com o preço de mercado, e não pela rentabilidade diária), já que o preço das LFTs caiu antes da entrada em vigor do novo sistema (que era praticado por apenas parte dos fundos).
Também não julga incorreto o alongamento do perfil da dívida, já que é objetivo virtuoso de política monetária esse procedimento. Finalmente, afirma que a troca de títulos cambiais por "swaps" de câmbio não aumentou a exposição do BC ao risco cambial.
É possível justificar todas as medidas isoladamente, mas, aparentemente, ainda não caiu a ficha do BC sobre o que a soma desses fatos provocou.
A LFT é o papel por excelência dos investidores conservadores, pequenos poupadores que aplicam em fundos de renda fixa e fundos DI. Sua remuneração corresponde à variação diária do overnight. Além disso, por ser papel de risco soberano (isto é, garantido pelo governo) e com remuneração atrelada ao over, deveria ser vendido ao par, isto é, pelo seu valor de face. Custa 100, os fundos compram por 100 e diariamente repassam para o investidor a variação do overnight.
No caso de outros papéis, como as LTNs, costuma haver oscilação no valor de face, porque são papéis prefixados ou com taxas diferentes das do overnight. Como a maioria desses papéis é "rolada" diariamente no overnight, quando sente que o papel pode render menos, ou as taxas de juros podem aumentar, os investidores (fundos, bancos, corretoras) exigem um desconto para comprar o papel. Por isso são mais utilizadas por fundos especulativos, que operam com a oscilação do seu preço.
Neste ano houve resgate líquido de LFTs, mas o BC colocou papéis de prazos longos em quantidade maior do que o mercado comportava, de R$ 13 bilhões a R$ 15 bilhões. O mercado começou a recusar o papel devido às incertezas sobre a política econômica do novo governo -e aí Armínio está coberto de razão. O problema foi a maneira como o BC enfrentou esse problema.
Depois do 11 de setembro o BC vendeu US$ 10 bilhões em papéis cambiais no mercado, para acalmar as empresas que queriam proteção contra a alta do dólar. Em janeiro, rolou uma parte com cambiais longos, mas o mercado exigiu preços muito altos.
Para contornar essa exigência, o BC passou a oferecer "swap" (uma operação pela qual ele garante ao comprador a variação do dólar ocorrida no período) amarrado com LFTs. Compra um, tem que comprar outro. Ocorre que, na hora de fazer as contas, os bancos aceitaram comprar LFT com prejuízo porque compensaria com os lucros que teriam no "swap".
Só que esse preço pago pela LFT casada contaminou imediatamente todo o estoque de LFTs do mercado, em um momento no qual o mercado já estava começando a se desfazer dos papéis de prazos mais longos. Para resolver um problema de pouco mais de US$ 5 bilhões, o BC contaminou um estoque de LFTs de R$ 290 bilhões.
Quando os preços da LFT foram afetados por essa operação, o BC obrigou todos os fundos a mudar a fórmula de cálculo das suas cotas, para evitar que alguns espertos tivessem lucro em cima da queda das LFTs -já que a queda no valor da cota hoje será compensada por uma maior rentabilidade amanhã.
O que resultou foi esse enorme nervosismo no mercado. O que especialistas recomendam é que o BC passe a comprar as LFTs pelo valor de face, até que se reduza a corrida contra os fundos. Depois, que aumente o compulsório para enxugar o dinheiro de novo da economia. Com isso, acalmará o mercado e devolverá à LFT a reputação arranhada.

E-mail - lnassif@uol.com.br



Texto Anterior: Telefonia: Chamadas dentro de regiões metropolitanas continuam como locais
Próximo Texto: Zona Franca: CPI pede a quebra de sigilo de sócios da CCE e da DM
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.