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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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ENTREVISTA

Presidente do banco estatal nega divergências com Furlan e afirma que ninguém vai "me mandar calar a boca"

Lessa diz que BNDES resgatará bandeira do desenvolvimento

CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO

O presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Carlos Lessa, 67, disse, em entrevista à Folha, que está resgatando a bandeira do desenvolvimento, deixada de lado há 20 anos. "O que você recupera é a bandeira do passado, a bandeira do desenvolvimento. Nisso sou uma pessoal absolutamente antiquada. A bandeira do desenvolvimento está no chão e eu estou querendo pegá-la."
Lessa disse que o Brasil não pode "continuar como uma folha seca ao sabor da desordem financeira mundial", mas evitou se aprofundar sobre a situação macroeconômica do país. "Deixei o meu chapéu de macroeconomista em casa", disse, para em seguida justificar a atual política contracionista do governo como um esforço de recuperação da "terra arrasada" que teria sido encontrada.
Ele negou veementemente que tenha divergências com o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, a quem o BNDES está diretamente subordinado, e com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho. Lessa atribuiu aos jornalistas os comentários sobre as supostas divergências. "Não posso fazer nada, não posso fazer nada."
Ele disse que tenta atrair para o Brasil uma fábrica de turbinas a jato, como forma de aumentar a nacionalização dos aviões da Embraer. Afirmou que o BNDES apoiará "pesadamente" a indústria do petróleo, em toda sua cadeia, por considerar que o Brasil está na vanguarda tecnológica do setor.
Leia nesta página e na próxima os principais trechos da entrevista concedida à Folha.
 
Folha - No começo da sua gestão o sr. recebeu muitas críticas sobre o ritmo das atividades do banco. Dizia-se que ele estava paralisado. Passados quase cinco meses, o sr. diria que a gestão engrenou?
Carlos Lessa -
Acho que a reorganização interna do banco está inteiramente concluída, o que não quer dizer que não seja necessário um ou outro pequeno ajuste. A agilidade do banco cresceu de maneira expressiva. O que me preocupa é a queda das consultas [dos clientes, em busca de empréstimos]. Ela expressa uma avaliação geral que os empresários estão fazendo com respeito ao futuro. A queda de consultas sugere, no mínimo, que eles estão com dúvidas.

Folha - Por que sua gestão desperta tanta polêmica?
Lessa -
A pergunta não deve ser feita a mim. Deve ser feita às pessoas que querem polemizar.

Folha - Qual o motivo pelo qual o sr. imagina que elas querem polemizar?
Lessa -
Tenho excelentes relações com o ministro Furlan. Realmente, não o conhecia quando fui convidado para o BNDES. Alguém me perguntou se o conhecia e eu disse que não, ingenuamente. Criou-se uma idéia de que teria havido, com a minha chegada, um grande atrito meu com o ministro. Posso dizer com a maior tranquilidade: eu e o ministro trabalhamos juntos sem nenhum problema.

Folha - O sr. falou com o ministro nos últimos dias?
Lessa -
Hoje tentei falar. Mas ele estava em Nova York e não consegui. Mas tenho excelentes relações com o ministro. Aliás, se você for procurar as declarações dele nos últimos meses vai ver que todas são de apoio ao BNDES.

Folha - Ele não costuma estar presente aos eventos no banco.
Lessa -
Por uma razão muito simples. O ministro faz uma coisa muito importante para o país: ele impulsiona as operações de exportação. Isso é uma agenda muito difícil. Na verdade, o ministro faz uma espécie de diplomacia comercial, em grande estilo! Passa a metade do tempo voando. Às vezes quero falar com ele e ele não está no Brasil.

Folha - O sr. discute normalmente as decisões do banco com o ministro?
Lessa -
O BNDES tem que ter agilidade, tem uma burocracia de alta qualidade, processos externos extremamente estruturados. O que discuto com o ministro são grandes linhas, grandes problemas.

Folha - Por exemplo, o plano estratégico?
Lessa -
O plano estratégico reflete, fundamentalmente, diretivas fixadas pela Presidência da República e que recolheram preocupações, inclusive do ministro. Estou falando do caso do ministro Furlan. Mas também se falou de um eventual conflito meu com o ministro Palocci. Nunca fiz uma declaração sobre política macroeconômica. Deixei o meu chapéu de macroeconomista em casa.

Folha - Mas as diretrizes do BNDES, de um certo modo, têm relação com a macroeconomia.
Lessa -
Não. A macroeconomia para o BNDES é uma espécie de grande moldura na qual nos movemos.

Folha - Mas o pensamento econômico do Ministério da Fazenda...
Lessa -
Acabei de falar com o ministro Palocci, há menos de meia hora. Ele disse que agora no exterior, ele estava em Genebra, os jornalistas brasileiros foram perguntar o que achava do BNDES. Ele disse que respondeu: "Sou favorável ao desenvolvimento".

Folha - Essa questão do desenvolvimento versus...
Lessa -
Versus o quê? Versus o quê?

Folha - Versus a política contracionista do Ministério da Fazenda...
Lessa -
Isso você está dizendo. Eu não estou falando isso.

Folha - Não estou dizendo que o sr. tem falado nisso. Estou perguntando se o sr. vê conflito nisso. Entre o desenvolvimentismo do seu pensamento e o pensamento da Fazenda, pelo menos por enquanto, contracionista, mais ao gosto do governo passado.
Lessa -
Acho que o ministro Palocci herdou uma situação de terra arrasada. Uma situação inteiramente desequilibrada, por erros brutais de política econômica da administração anterior. Herdou, além disso, um quadro de alarme, de inquietação quanto aos destinos financeiros do Brasil. E ele foi o gestor para colocar tranquilidade no cenário. Nunca vi o ministro falando a favor de contração.

Folha - Qual a diferença entre o desenvolvimentismo de agora e o tão criticado, hoje, desenvolvimentismo do passado?
Lessa -
Criticado por quem, cara-pálida? Por quem, cara-pálida? Você desculpe eu fazer a pergunta dessa maneira, porque acho curioso isso. Por quem, pelos neoliberais? Pelos pós-modernos? É uma coisa interessante. Procuraram conflito meu com o ministro Furlan, procuraram com o ministro Palocci. Disseram que o ministro Dirceu [José Dirceu, da Casa Civil] me deu um cala-boca.
Que não sei quem me puxou a orelha. Estou com a orelha intacta, ninguém me mandou calar a boca, coisa dificílima. A última pessoa que fez isso foi minha falecida mãe. Ninguém me manda calar a boca, não há hipótese.

Folha - Gostaria que, independentemente das críticas, o sr. fizesse essa distinção.
Lessa -
Não existe nenhuma, sabe por quê? O IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] é um índice que mede a qualidade de vida de uma sociedade. É feito, basicamente, a partir de indicadores disponíveis.
Por exemplo: esperança de vida ao nascer, mortalidade infantil, taxas de escolaridade, algum indicador de violência... Então, você compõe e classifica. E descobre o quê? Que o IDH brasileiro está ruim. Está mesmo. Desde a época da escravidão. Não tem novidade.
Você apenas está medindo com novos instrumentos. Agora, houve um momento no Brasil, aí pelos anos 30, que se chegou à conclusão de que, se o país permanecesse como um cafezal, seria impossível superar os problemas vindos do passado.
Fez-se um imenso esforço e durante 50 anos a economia brasileira cresceu 7% ao ano. Cresceu sob a ditadura do Estado Novo, na reconstrução do pós-guerra, sob os generais...



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