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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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Para Berzoini, bancos brasileiros têm comportamento cartelizado

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini, 43, afirmou, em entrevista à Folha, que "um banco público pode, na atual condição da economia, praticar taxas menores que os demais bancos, sacrificando parte da margem de lucro".
 

Folha - Por que o governo decidiu fomentar as cooperativas de crédito?
Ricardo Berzoini -
Durante o debate sobre o programa de governo, na discussão sobre o "spread" bancário, levamos a preocupação de criar alternativas de crédito ao sistema financeiro de grande escala, que tem um comportamento quase cartelizado. [As alternativas] seriam os exemplos bem sucedidos da Europa, dos EUA e do Canadá de cooperativas de crédito mútuo.

Folha - A concorrência das cooperativas pode forçar as grandes instituições financeiras a reduzir o "spread"?
Berzoini -
É um dos instrumentos que ajudam. É evidente que há outros. A própria política de crédito dos bancos oficiais pode ser um instrumento eficiente para ajudar a direcionar o mercado.

Folha - Quais bancos?
Berzoini -
Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Uma política de crédito que seja eficaz do ponto de vista do resultado dessas empresas e ainda sim cobrando juros menores do que se pratica no mercado como um todo. Isso é possível, é viável e, principalmente, se for direcionado para nichos específicos, como no financiamento do capital de giro das micro e pequenas empresas ou no financiamento para determinadas áreas de consumo.

Folha - O senhor foi bancário, funcionário do Banco do Brasil. É possível o BB reduzir hoje o "spread" sem prejudicar a rentabilidade do banco, sem prejudicar o acionista minoritário?
Berzoini -
O Brasil tem hoje duas fontes de "funding" [recursos] a custos bem mais baratos do que o da taxa básica da economia, a Selic. Uma é o FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] e a outra é o FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço]. Nesses dois sistemas nós temos recursos que podem ser aplicados de maneira prudencial, porém bastante menos onerosa.
No caso do FGTS, direcionando especialmente para habitação, tanto para construção e compra quanto para reformas, e para saneamento básico. No caso do FAT, uma série de aplicações que podem ser ampliadas no financiamento a micro e pequenas empresas numa política de manutenção e geração de empregos.

Folha - Mas independentemente dos recursos do FAT e do FGTS, o BB poderia reduzir o "spread"?
Berzoini -
Um banco público pode, na atual condição da economia, praticar taxas menores que os demais bancos, sacrificando parte da margem de lucro, mas ainda bem acima do padrão internacional, e ganhando na escala, atraindo novos correntistas e operações de crédito. Ou seja, expandindo sua oferta de crédito.

Folha - O banco perderia um pouco por operação, mas ganharia numa base maior?
Berzoini -
Perde em relação a uma situação extorsiva, que é o atual "spread". Ou seja, perde em relação à situação brasileira, mas, em relação à situação internacional, [a margem] continua muito acima e tem o potencial de induzir a redução da taxa de juros do mercado por meio de maior disputa de clientes.

Folha - Mas é possível reduzir o "spread" mesmo para as operações cujos recursos não venham do FAT e do FGTS?
Berzoini -
Mesmo sem utilizar esses recursos já dá para reduzir o "spread". Na realidade, esses recursos têm sido utilizados para operações de crédito específicas. Infelizmente, hoje o FGTS, por decorrência até de decisões anteriores a este governo, tem mais de R$ 30 bilhões em LFTs [Letras Financeiras do Tesouro]. Portanto, é um fundo que tem características sociais, mas que na prática acaba sendo utilizado para rolagem da dívida interna.

Folha - Se o governo usar os bancos públicos como instrumento de política de crédito, é possível forçar as instituições privadas a cobrar juros menores?
Berzoini -
Você consegue no mínimo criar parâmetros de crédito muito mais adequados.

Folha - O BB é um banco de capital misto, com ações em Bolsa. A redução do "spread" não prejudicaria o acionista minoritário?
Berzoini -
Quem compra ações do Banco do Brasil sabe que está levando um grande bônus, que é a segurança de um banco público. Digamos que o seu risco é muito menor do que o de quem compra ações de um outro banco.
Portanto, junto com esse bônus ele pode ter eventualmente uma rentabilidade menor, sem nenhum prejuízo. Não faz sentido um patrimônio público ficar subordinado a metas de rentabilidade desvinculada de um objetivo social.

Folha - É possível o Banco do Brasil ter maior foco na área social?
Berzoini -
Todos os bancos oficiais podem ter. O Banco do Brasil, a CEF podem ter um papel fundamental na expansão da oferta de crédito e na melhoria das taxas cobradas por todo o mercado. É uma questão de adaptar, digamos, a mentalidade estratégica do banco para o papel que se justifique de uma instituição pública. Ou seja, promover o crédito a taxas adequadas para quem vai tomar esse crédito.

Folha - Nos últimos dois meses, a inadimplência das pessoas físicas caiu, os juros básicos da economia não foram alterados e as alíquotas do compulsório permaneceram as mesmas. Mesmo assim os bancos aumentaram o "spread". O que justifica isso?
Berzoini -
Acho que os bancos na verdade estão avançando cada vez mais sobre as operações de crédito no sentido de ganhar mais dinheiro. A baixa oferta de crédito propicia um mercado bastante restrito e que acaba sendo um fator de formação de juros altos.



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