São Paulo, quinta-feira, 08 de agosto de 2002

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LUÍS NASSIF

A hora das políticas conservadoras

Nos últimos dias houve um movimento frenético em várias frentes ante a constatação da gravidade da situação cambial brasileira. No âmbito do governo, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) já estava se preparando para utilizar de US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões das reservas cambiais do Banco Central para o financiamento das exportações. A aposta era que esse valor permitisse destravar as linhas de financiamento bancário para o comércio exterior. Mas era uma aposta apenas, e com margem de risco alta, dado o nível das reservas disponíveis.
Em outras frentes, houve reuniões sigilosas de membros das equipes dos diversos presidenciáveis com autoridades do atual governo e também com empresários, visando a saída conjunta para a situação. Do lado do PT, o interlocutor preferencial foi o presidente nacional do partido, José Dirceu.
Apesar de não haver concordância pública em relação ao acordo com o FMI, os vários candidatos emitiram sinais positivos, que permitiram chegar ao bom acordo com o FMI.
O acordo foi vantajoso para as circunstâncias, mas é um primeiro passo. Não exige metas maiores de superávit, deixa recursos à disposição do próximo presidente, que poderá ou não renovar o acordo -evidentemente renovará.
Os US$ 24 bilhões previstos para 2003 batem com as previsões de necessidade de financiamento externo. Portanto, asseguram um ano de tranqüilidade.
É possível que, em um primeiro momento, o acordo destrave as linhas de comércio exterior. Mas nada garante que o mercado internacional retomará o fluxo de investimentos para o país após o acordo.
Se os últimos anos deixaram lições, a mais séria delas é que o país tem de atuar preventivamente. Não poderá mais moldar sua política econômica confiando na concretização do cenário ideal. A política econômica tem de ser conservadora. E ser conservadora significa preparar o país para o pior cenário possível. Se não ocorrer o pior cenário, melhor.
O que deflagrou a especulação com dólar nos últimos meses não foi uma corrida contra o real. Foi a falta de liquidez internacional que levou as empresas brasileiras a adquirirem dólares por não poder renovar seus compromissos, e, quem tinha possibilidade, a remeter dólares para fora.
A crise foi parcialmente contida, primeiro pela presteza do Tesouro norte-americano ao emprestar US$ 1,5 bilhão ao Uruguai e conter o receio de um novo "corralito". Agora, pelo apoio do FMI ao país.
No entanto, a aversão internacional ao risco continua muito forte. Nesta semana, por exemplo, o Itaú não conseguiu renovar uma linha de US$ 45 milhões. Na semana passada, a Votorantim não conseguiu renovar US$ 3 milhões. A Ford norte-americana lançou bônus de dois anos a 7% ao ano contra 2% dos títulos do Tesouro norte-americano. As avaliações sobre as Bolsas norte-americanas continuam preocupantes, e poucos acreditam que o mercado internacional vá se normalizar nos próximos três anos. Portanto, a falta de dinheiro prosseguirá por bom tempo.
Posto isso, o BC tem duas alternativas com o dinheiro recebido e a receber. A primeira é apostar na normalização do mercado e prosseguir no movimento de irrigá-lo com cotas diárias de dólar. De um lado, passa a impressão de normalidade. Mas, se o quadro não for de normalidade, corre-se o risco de esgotar as reservas e ter, como resultado, apenas a dívida com o FMI.
A segunda alternativa é, de alguma forma, usar essas reservas para administrar os pontos cruciais da crise: as linhas de financiamento às exportações e a oferta de dólares para empresas que não conseguirem rolar e quitar compromissos externos.
Está certo que esse tipo de política vai contra a visão de mercado do BC. Mas não se pode correr o risco de acalmar o mercado agora e vê-lo explodir no primeiro mês do próximo governo.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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