São Paulo, sábado, 08 de setembro de 2007

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Escassez de trabalhadores qualificados eleva os salários na China

Andy Wong - 28.ago.07/Associated Press
Modelo participa de painel em usina de energia em Pequim


KEITH BRADSHER
DO "NEW YORK TIMES",
EM SHENZHEN, CHINA


Na fábrica de bicicletas Dahon, em Shenzhen, os dedos de Zhang Jingming se movem ágil e metodicamente apanhando selins de bicicleta, envolvendo-os em papel-cartão e afixando-os à estrutura em um movimento fluido.
Zhang trabalha 45 horas por semana e seu salário equivale a US$ 263 mensais. Até fevereiro, ele ganhava só US$ 197. Parte de seu aumento deriva do ganho de eficiência que conseguiu. "Quando comecei, eu não era tão rápido", diz. Mas boa parte reflete um aumento que ele recebeu no preço por peça, de US$ 0,0132 para US$ 0,0145 por selim. A diferença pode parecer pequena, mas representa uma grande mudança.
Os salários chineses estão em alta. Não há números confiáveis sobre os salários médios; os dados econômicos do governo são notórios pela baixa confiabilidade. Mas proprietários de fábricas e especialistas que acompanham o mercado de trabalho dizem que as empresas vêm enfrentando dificuldades para encontrar trabalhadores capacitados, e que se tornou necessário pagar melhor aos que encontram. E salários mais altos na China provavelmente conduzirão a preços mais altos nos shoppings, nos supermercados e até nos postos de gasolina, nos Estados Unidos.
As empresas chinesas já estão começando a repassar parte da alta em seus custos aos clientes internacionais. Os preços dos produtos chineses nos EUA, depois de anos de queda gradual, subiram 1,3% de fevereiro para cá. O aumento de julho foi o maior já registrado: 0,4% ante junho. As empresas e fabricantes terceirizados chineses também estão repassando o custo da alta no valor do yuan, que ganhou 8,8% ante o dólar nos dois últimos anos.
Por décadas, muitos economistas especializados em questões de trabalho sustentavam que a imensa população da China ofereceria uma fonte quase inesgotável de trabalhadores. Haveria sempre tanta gente procurando emprego a cada dado momento, propunha essa linha de raciocínio, que os salários do país ficariam permanentemente estagnados pouco acima dos níveis de subsistência. Ainda há quatro anos, alguns especialistas estimavam que a maioria dos 150 milhões de trabalhadores rurais subempregados terminaria se dirigindo às cidades.
Mas, em lugar disso, em 2003 começou a surgir escassez periódica de mão-de-obra nas fábricas localizadas no delta do rio Pérola, no sudeste da China. Agora, esse problema se difundiu a fábricas localizadas em diversas regiões costeiras chinesas, de acordo com especialistas. Nas últimas semanas, Mary Gallagher, especialista da Universidade do Michigan em questões trabalhistas chinesas, visitou cinco fábricas de artigos esportivos perto de Xangai e Guangzhou. Ela descobriu que todas enfrentavam dificuldades para contratar e reter funcionários. Uma delas havia fechado uma de suas duas linhas de produção principais, porque não dispunha de operários para costurar camisas e outras peças de roupa. Em entrevistas, executivos de fábricas localizadas em todo o país se queixam de serem forçados a oferecer aumentos de dois dígitos a fim de localizar e reter trabalhadores jovens de todos os níveis de capacitação. Há três ou quatro anos, disse Zhong Yi, vice-gerente geral de uma fábrica de casacos de couro em Hangzhou, no centro-leste da China, salários mensais de 800 a 1,1 mil yuan (US$ 105 a US$ 145) eram "bons". "Agora, o mínimo é 1,5 mil yuan (US$ 198)", afirma.
Funcionários chineses se apressam em afirmar que não existe escassez geral de mão-de-obra; o problema, em lugar disso, é a escassez de trabalhadores jovens dispostos a aceitar os baixos salários que prevaleciam nos anos 90.
"Agora, elas [fábricas] estão aceitando trabalhadores na casa dos 30 anos", disse Jonathan Unger, diretor do Centro da China Contemporânea na Universidade Nacional Australiana, em Canberra, "mas idade mais alta faz com que as fábricas creiam que os trabalhadores não conseguirão encarar as condições, as jornadas diárias de 11 horas de trabalho", além da necessidade de trabalhar em finais de semana e do tédio da vida em dormitórios controlados pelas fábricas.
A recusa dos proprietários de fábricas quanto a contratar operários de mais de 35 ou 40 anos começa a colidir com a realidade demográfica da China, que adotou há muito tempo uma política que só permite um filho a cada família. O número de trabalhadores entre os 20 e os 24 anos de idade já está em queda, porque muitas pessoas dessa faixa etária optam pelo ensino superior, em lugar de ingressar na força de trabalho assim que concluem o segundo grau. A Organização Internacional do Trabalho estima que o número de trabalhadores nessa faixa etária deva continuar caindo ligeiramente até pelo menos 2020.
Uma recente pesquisa do governo chinês envolvendo 2.749 aldeias em 17 províncias e regiões autônomas constatou que, em 74% das aldeias, não restavam trabalhadores capazes de migrar a lugares distantes, de acordo com a agência oficial de notícias Xinhua. Um relatório separado, da Academia Chinesa de Ciências Sociais, alerta sobre escassez iminente de mão-de-obra até mesmo nas zonas rurais, a partir de 2009.
Apesar da falta de trabalhadores em idade desejável, a China dificilmente pode ser considerada um paraíso operário. Os salários nas fábricas continuam muito baixos sob os padrões ocidentais: cerca de US$ 1 por hora para os trabalhadores mais bem pagos da região costeira, ante cerca de US$ 0,50 no começo da década. O pagamento parece especialmente baixo quando convertido para dólares, em parte porque as autoridades chinesas intervêm no mercado de câmbio para segurar o valor do yuan e manter competitivas as exportações do país. O custo de vida é baixo em termos de dólares: as porções em um restaurante equipado com ar condicionado a três quarteirões da fábrica da Dahon começam em US$ 0,50 por um grande prato de arroz frito.
Além disso, a regulamentação do trabalho é frouxa na China, como o demonstra claramente a descoberta, alguns meses atrás, de que olarias instaladas no norte do país haviam seqüestrado centenas de crianças e de adultos que sofrem de deficiências mentais, forçando-os a trabalhar em condições brutais e por salários reduzidos ou zero. E os salários estão estagnados na porção central do mercado de trabalho a que abarca trabalhadores que se consideram educados demais para os postos de ingresso em uma fábrica de roupas, mas não dispõem da capacitação ou experiência necessárias a obter posto melhor em outro lugar. "É fácil encontrar emprego com um salário não muito alto", disse Chen Zheng, 24, operário em uma fábrica de automóveis em Ningbo e diplomado no segundo grau. "Mas, se você procura salário maior, não é fácil."
É improvável que as mudanças nos preços chineses afetem imediatamente os indicadores mais amplos de inflação nos EUA, ainda que efeitos de longo prazo sejam prováveis, de acordo com Ben Bernanke, presidente do Fed (o banco central americano). Bernanke sugeriu que as mudanças de preços teriam efeito mínimo porque o total de produtos importados da China era pequeno em comparação à dimensão total da economia norte-americana.
Uma questão maior e mais difícil de responder é até que ponto as importações chinesas baratas forçaram os fabricantes americanos a manter seus preços baixos. E essa restrição a altas de preços se sustentará se os produtos chineses se tornarem mais caros? Por exemplo, montadoras de automóveis norte-americanas, japonesas e européias estão pressionando seus fornecedores de autopeças por cortes de preços ao forçá-los a concorrer com fabricantes chineses de baixo custo.
A alta geral da renda na China também afetará indiretamente a inflação nos EUA. A renda mais alta dos chineses contribuirá para gerar demanda ainda mais alta por automóveis, condicionadores de ar e outros produtos que consomem energia. A China já se tornou o segundo maior importador de petróleo do mundo, depois dos EUA. Mais demanda ajudará a elevar os preços mundiais do petróleo e a inflação.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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