São Paulo, segunda-feira, 08 de setembro de 2008

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Ação é necessária, mas não resolve crise

Nas últimas semanas houve mais desvalorização de instituições, resgates de fundos de hedge e venda forçada de ativos

Perspectiva econômica se deteriora; incerteza maior dificulta estabilização do setor financeiro e pode inibir gastos do consumidor
KRISHNA GUHA
DO "FINANCIAL TIMES"

A dramática intervenção nas gigantes Fannie Mae e Freddie Mac tem dois objetivos importantes: reduzir as taxas e juros no setor habitacional e aliviar a tensão dos mercados financeiros ao deixar claro que os papéis emitidos por elas são seguros já que o governo americano não permitirá que nenhuma das duas quebre.
Para atingir esses objetivos, o governo deu três disparos de ajuda. Primeiro, proverá injeções de capital de até US$ 100 bilhões para cada empresa para garantir que mantenham saldo positivo e continuem a honrar suas dívidas. Segundo, começará a comprar papéis atrelados a hipotecas lançados pelas duas empresas, começando com uma compra de US$ 5 bilhões, enquanto permite que elas elevem seus ativos em mais de US$ 100 bilhões. Terceiro, proverá apoio de liquidez sem limites, dentro do novo modelo criado pelo Federal Reserve (BC dos EUA) para bancos de investimento. Enquanto isso, as duas serão colocadas sob o controle do órgão regulador.
O plano é mais abrangente e específico do que a versão inicial anunciada pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson, em julho, que não conseguiu acalmar os mercados. É também mais ambicioso: busca não apenas estabilizar a situação como ajudar a invertê-la.
"É algo grande em muitos aspectos", diz Mohamed El-Erian, principal executivo da Pimco, a maior administradora de títulos do mundo. "É uma tentativa vigorosa e abrangente do governo americano de estabilizar os mercados financeiros e habitacionais, ao se envolver diretamente com sua contabilidade e prover liquidez e apoio financeiro para conter mais distúrbios relacionados às GSEs [empresas com apoio do governo, na sigla em inglês, como Fannie e Freddie]."
A compra direta pelo governo de novos títulos de hipotecas de Fannie e Freddie, aliada ao maior apoio financeiro para as duas, deverá reduzir os "spreads" pagos pelos papéis que emitem, reduzindo o custo das hipotecas. Paulson deixou claro também que as autoridades buscarão reduzir as taxas cobradas pelas duas nas hipotecas que garantem.
As intervenções transformam as duas empresas em condutores mais puros do apoio do governo ao mercado habitacional e facilita o aumento desse apoio no futuro.
Maior clareza no futuro de Fannie e Freddie e no destino de seus papéis deve remover uma grande fonte de instabilidade nos mercados financeiros e no dólar.
Embora uma solução para Fannie e Freddie fosse condição necessária para estabilizar os mercados e melhorar as perspectivas da economia, ela não é suficiente.
A febre da crise de crédito piorou nas últimas semanas, com mais desvalorização de instituições financeiras, resgates de fundos de hedge, aumento da aversão ao risco e sinais de vendas forçadas de ativos.
A dinâmica central da crise do crédito -fraqueza do setor financeiro causando fraqueza econômica que, por sua vez, volta a agravar a fraqueza do setor financeiro- se intensificou novamente. Só parte disso está ligada a Fannie e Freddie.
Com as instituições novamente tentando minimizar sua exposição ao risco, mostrando pouco apetite para elevar suas participações em empresas mesmo com ações tão baratas, o aperto no crédito pode piorar nos próximos meses.
Enquanto isso, as perspectivas macroeconômicas se deterioraram. Essa incerteza maior dificulta a estabilização do setor financeiro. E os riscos não estão apenas nesse setor.
O consumidor americano pode estar finalmente cedendo diante do aperto no crédito, dos preços cadentes de ações e casas, do crescente desemprego e dos preços das commodities ainda caros. Os gastos do consumidor caíram em julho, as vendas do varejo estão fracas e o desemprego subiu a 6,1%.
Isso aumenta o perigo de uma recessão mais convencional, que golpearia com novas perdas um sistema financeiro já abalado. Além disso, outras economias desenvolvidas parecem ter piorado muito, com o Reino Unido, a zona do euro e o Japão sob o risco de ao menos uma leve recessão. Uma ação agressiva do governo dos EUA no mercado de hipotecas via seu engajamento com Fannie e Freddie pode ajudar a mitigar a ameaça de quedas catastróficas no preço das casas.
Mas se pressões econômicas maiores seguirem ganhando força, o governo americano pode, em algum ponto, ter de considerar uma intervenção muito maior: potencialmente, socializar uma parte maior das perdas e ajudar a recapitalizar partes maiores do setor privado.


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