São Paulo, segunda-feira, 08 de setembro de 2008

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CVM critica rumo dos debates do pré-sal

Para presidente da Comissão, país precisa aprender a discutir questões delicadas que mexem com os preços do mercado

Maria Helena Santana diz que não se deve discutir publicamente informações sobre as quais ainda não há um desfecho definido

TONI SCIARRETTA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO

A presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), Maria Helena Santana, 49, afirma que o país ainda tem muito a aprender sobre a necessidade de não discutir publicamente informações sobre as quais não há um desfecho definido. A polêmica surgiu com o debate sobre o petróleo na camada do pré-sal. Declarações de autoridades afetaram os papéis da Petrobras. A empresa tem até 1 milhão de acionistas e cotistas de fundos, que receberam informações desencontradas sobre a eventual criação de uma estatal. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

FOLHA - As ações da Petrobras têm flutuado bastante com os comentários de políticos, ministros e do presidente. Até que ponto estatais devem ter uma regulação diferente? O investidor pode ser prejudicado por essas declarações?
MARIA HELENA SANTANA - A estatal é diferente. Ela tem um artigo na lei que autoriza o controlador da empresa -o Estado- a geri-la de acordo com o interesse público. A primeira coisa que o investidor tem de saber é que ela é um bicho diferente. Uma empresa de saneamento básico nunca vai ser a mais lucrativa da Bolsa. Ela vai ter sempre metas de universalização do atendimento. Vai ter de se viabilizar como empresa mesmo tendo que dar conta de um papel dessa ordem. Vai ter de tentar ser eficiente, prestar contas, se vier buscar a poupança do público e se tornar de capital aberto. O investidor precisa saber disso até para não ser surpreendido e entender mal o papel da companhia. Independentemente disso, como sociedade, nós todos temos muito que avançar no sentido de entender a importância das regras do mercado de capitais, a importância de não discutir publicamente questões sobre as quais a empresa não tenha se manifestado, não trazer para o mercado informações que confundam o investidor, que atrapalhem a formação de preço, que indiquem em uma direção em que nada está garantido que aquilo venha a se confirmar.

FOLHA - Isso vale para o governo?
SANTANA - Claro. Não é só o governo, é algo que ainda não está presente nas preocupações nem dos gestores públicos nem das pessoas. Acho que estamos nos familiarizando com isso. O mercado está sendo cada vez mais importante. Nosso papel é trabalhar e tratar a empresa estatal como qualquer outra. As empresas são chamadas a se manifestar diante de manchetes, boatos, oscilações de preços da mesma forma que as empresas privadas.

FOLHA - E governantes também podem ser responsabilizados?
SANTANA - Eles não podem ser chamados pela CVM.

FOLHA - E outro órgão regulador? O presidente da ANP, Haroldo Lima, poderia ser chamado?
SANTANA - Ele não pode ser cobrado pela CVM porque não é administrador de companhia aberta, não é controlador nem participante do mercado.

FOLHA - Quais são as dificuldades para detectar irregularidades?
SANTANA - Faz falta a rapidez para quebrar um sigilo bancário no meio de uma investigação. Seguir o caminho do dinheiro é importante como evidência. Se a gente conseguir que tramite bem no Congresso o pedido de compartilhamento de informações com o BC, vai ser muito melhor [o trabalho].

FOLHA - A estrutura da CVM hoje é suficiente para fiscalizar o mercado?
SANTANA - Nós temos 450 servidores. Estamos com concurso aprovado para repor funcionários que saíram ou se aposentaram, o equivalente a mais 30 vagas. No ano que vem, nós temos uma proposta de aumento de 165 vagas. A CVM não recebe funcionários novos desde 2004. Além do crescimento do mercado, temos uma leva de pessoas importantes que vão se aposentar.

FOLHA - Tem quarentena?
SANTANA - Só para presidente. Para os diretores, não. É uma coisa que poderia ser corrigida, porque não é justo. Todos os diretores [que saem] ficam em casa por quatro meses para preservar a sua imagem sem ganhar nada.

FOLHA - A CVM ficou sabendo da Operação Satiagraha pelos jornais. Houve saia justa com a PF?
SANTANA - Não teve saia justa, só uma percepção de que todo mundo teria a ganhar com a parceria. Seria bom que, quando tivesse uma companhia aberta envolvida e diante da avaliação do impacto no mercado, a gente pudesse discutir isso e preservado o sigilo da operação. Estamos discutindo isso com a própria PF.

FOLHA - Como a senhora avalia a atual crise na Bolsa?
SANTANA - A sensação de muitos investidores é que perderam dinheiro -embora o prejuízo só se realize quando você vende. Vindo numa balada muito forte, como não se via há alguns anos, ajuda não só a afrouxar a disciplina, mas também a deixar de ver algumas fragilidades importantes.

FOLHA - A Bolsa brasileira viveu uma bolha em 2007?
SANTANA - Se a situação lá fora não tivesse se agravado, muito provavelmente isso não teria se alterado. Compravam motivados pela perspectiva de chegar o grau de investimento, como chegou. Tinha tudo para continuar, se não tivesse sido impactado por uma crise importada.

FOLHA - Como a senhora avalia o interesse crescente pelo mercado acionário e os vários lançamentos de livros de finanças pessoais?
SANTANA - Acho superpositivo. Com esse processo, a gente vai construir uma cultura. Não será do dia para a noite que a gente vai ter, por parte das pessoas físicas que querem se informar, condições de ser seletivo em relação ao que é auto-ajuda ou clichê, daquilo que é informação que faz diferença na tomada de decisão. Francamente, com os preços mais deprimidos, é um momento bem mais interessante para o investidor olhar para o mercado do que aquele em que já está em todas as manchetes. É o famoso "apito de chamar pato".

FOLHA - Quer dizer que, quando a gente noticia, já era...
SANTANA - Quando os caras estão falando muito, já foi.

FOLHA - Como a senhora avalia a tentativa de regular jornalistas?
SANTANA - A CVM não propôs qualquer regulação para jornalistas. Fizemos uma proposta de regulação da atividade de analista, dando um tratamento privilegiado aos jornalistas que exercessem a atividade. O conteúdo não foi considerado necessário por nenhum setor. Os analistas argumentaram que não há justificativa. E os jornalistas não viram vantagens no tratamento diferenciado.


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