São Paulo, quarta-feira, 08 de outubro de 2008

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ARTIGO

É hora de um resgate abrangente no mercado

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

COMO JOHN Maynard Keynes teria supostamente dito, "quando os fatos mudam, eu mudo de idéia.
O que o senhor faz?". Mudei de idéia, à medida que o pânico se espalha. Investidores e instituições de crédito deixaram de confiar em todo mundo e agora confiam em ninguém. O medo que propele o colapso atual nos mercados financeiro é tão exagerado quanto a cobiça que propelia o comportamento oposto não muito tempo atrás.
Mas pânico injustificado também causa devastação. Devemos detê-lo -não na semana que vem, mas agora mesmo.
O momento para abordagens improvisadas, de instituição a instituição e de país a país, já passou. Demorei algum tempo -talvez tempo demais- para perceber as dimensões do perigo. Talvez tenham sido erros do Tesouro dos Estados Unidos -em particular a decisão de permitir a quebra do Lehman Brothers- que tenham deflagrado o pânico atual. Assim, o que deveria ser feito? Em resumo, "tudo". As economias afetadas respondem por mais de metade da produção mundial.
Isso torna a crise atual a mais significativa desde os anos 30.
Primeiro, é preciso enfrentar o pânico. Essa necessidade já convenceu alguns governos a oferecer garantias totais ou parciais a passivos. Essas garantias distorcem a competição. Mas, quando concedidas, não se pode retirá-las até que a crise tenha passado. Por isso, os países europeus deveriam oferecer agora uma garantia por prazo limitado (digamos, seis meses) para o grosso dos passivos de instituições com papel sistêmico importante. Nos Estados Unidos, porém, dado o imenso número de bancos, uma garantia como essa não é nem viável nem necessária.
Uma garantia por prazo limite encorajaria as instituições financeiras a concederem empréstimos umas às outras. Caso isso não aconteça, os bancos centrais precisarão emprestar sem limites, mesmo que não existam garantias, às instituições sistemicamente importantes a ponto de tornar impensável uma quebra.
Com medidas como essas, o fluxo de crédito deve ser reativado. Mas os governos não podem permitir que os bancos apostem livremente com recursos oriundos dos cofres públicos. No período de garantia, os governos precisam fiscalizar severamente as instituições que decidiram proteger.
A segunda prioridade é a recapitalização. A grande lição das crises da história recente -como demonstra um capítulo excelente na mais recente "Perspectiva Econômica Mundial" do FMI (Fundo Monetário Internacional)- é que "as autoridades econômicas devem forçar o reconhecimento de prejuízos o mais cedo possível e tomar medidas que garantam capitalização adequada às instituições financeiras".

Recapitalização
Recapitalização é essencial para que as instituições tenham boa classificação de crédito quando as garantias expirarem. Os governos deveriam insistir em uma capitalização que permita que novos prejuízos venham a ser contabilizados. Deveriam em seguida ou subscrever uma emissão de direitos acionários ou adquirir ações preferenciais. Os governos têm de esperar lucros com esses investimentos quando as instituições se recuperarem.
Uma recapitalização como essa serve de alternativa à conversão forçada de títulos de dívida em ações. Considero que essa idéia tenha atrativos, mas hoje é seguro que ela geraria ainda mais histeria, a menos que fosse possível apresentá-la de maneira confiável como uma medida extraordinária que não seria repetida. Alguns de vocês podem ter percebido que minhas idéias têm por objetivo evitar que encolham os balanços de peças centrais do sistema financeiro. Mas é inevitável que o setor se encolha um pouco, especialmente no Reino Unido e nos Estados Unidos. Devemos permitir que isso aconteça no chamado "setor bancário paralelo".
O que nos conduz a uma terceira questão: o que fazer quanto aos maus ativos? Ocasionalmente faz sentido tirar esses ativos das mãos dos bancos. É isso que o novo Tarp (Programa de Alívio a Ativos Problemáticos dos EUA) propõe fazer.
Porque maus ativos norte-americanos estão bem distribuídos pelo mundo, o programa do país envolve criar um mercado para esses ativos -e talvez elevar seus preços a um patamar de equilíbrio mais alto-, o que beneficiaria muitos outros sistemas bancários.

Outros mercados
No entanto, em outros mercados a quantidade de maus ativos gerados localmente parece pequena. Assim, esquemas semelhantes não seriam necessários. De modo semelhante, caso os bancos disponham de capitalização adequada, preocupações quanto a contabilizar ativos pelo valor de mercado importam menos, porque os balanços podem arcar com a contabilização de prejuízos necessários. Mas seria sensato declarar explicitamente que as autoridades regulatórias não se concentrarão apenas nas avaliações atuais para determinar os requisitos de capital.
A maior questão quanto a essas propostas é determinar se os governos têm condições de bancá-las. Alguns economistas argumentam que existem bancos que são não só grandes demais para falir como grandes demais para salvar. Eles defendem essa hipótese comparando os passivos bancários brutos ao PIB (Produto Interno Bruto) do país-sede da instituição.
Mas o que importa é a relação entre a pior hipótese possível de recapitalização e o PIB. E infelizmente ela pode ser elevada.
Considerem o Reino Unido, onde os ativos combinados dos cinco grandes bancos equivalem a quatro vezes o PIB. Uma recapitalização equivalente a 1% de seus ativos custaria ao governo uma elevação de dívidas equivalente a 4% do PIB; uma recapitalização de 5% envolveria dívidas equivalentes a 20% do PIB. Se o sistema bancário de qualquer país começar a sofrer perdas dessa escala, converter títulos de dívida em capital poderá se tornar uma solução inescapável. Essa talvez venha a ser a única saída para a Islândia, agora.

Desafio
Alguns argumentam que os países-membros da zona do euro têm um desafio especial: individualmente, afinal, eles não têm acesso a um banco central.
Os saltos recentes, e notáveis, nos "spreads" entre as taxas dos títulos alemães e italianos, para um pico de pouco menos de 90 pontos básicos, sugerem que os mercados podem concordar com essa avaliação. A inflação não deixa de ser também uma forma de inadimplência.
Mas, se a recapitalização de número substancial de bancos da zona do euro se tornar necessária, alguns países-membros podem se provar incapazes de injetar o dinheiro necessário. Haveria risco para os demais caso aquele governo optasse por não agir ou por forçar a conversão de títulos de dívida em capital. Ações como essa poderiam causar pânico em toda parte. A coordenação sobre como proceder é essencial, caso desejemos um sistema bancário saudável na zona do euro.
O pânico também terá grande impacto sobre as economias.
Os bancos centrais, mas não o Federal Reserve, deveriam cortar suas taxas de juros. Na semana passada, eu imaginava que um corte de 0,5 ponto percentual faria sentido no Reino Unido. Caso integrasse o comitê de política monetária hoje, defenderia corte de um ponto.
Os ministros das Finanças e os dirigentes de bancos centrais do G7 (Grupo dos 7) -principais países de alta renda- em breve se reunirão em Washington. Teremos as pessoas certas todas reunidas. É preciso que viajem com uma única tarefa em mente: restaurar a confiança. A história julgará seu sucesso. Eles podem vir a ser conhecidos como responsáveis por uma nova Grande Depressão. É um destino que precisam decidir como evitar, pelo bem de todos nós.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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