São Paulo, quarta-feira, 08 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Medo acentua instabilidade, diz Scheinkman

DA REPORTAGEM LOCAL

O economista José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade Princeton e estudioso da irracionalidade nos mercados financeiros, explica que a volatilidade não surge do nada: o medo faz com que os investidores exagerem nas suas reações às mudanças de perspectivas na economia. Segundo ele, o Brasil não está imune à crise financeira mundial, mas deve sofrer menos do que sofreria há alguns anos, graças aos avanços da economia, e o governo deveria aproveitar a oportunidade para prosseguir nas reformas. Leia a seguir a entrevista que Scheinkman concedeu à Folha, por telefone, do seu escritório em Nova Jersey. (DENYSE GODOY)

 

FOLHA - Por que a aprovação do pacote de salvamento de US$ 700 bilhões pelo governo dos EUA não surtiu efeito em acalmar os mercados?
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
- Eu nunca fiquei muito animado com esse projeto [apresentado pelo secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, e modificado no Congresso]. O problema principal dos bancos americanos é capitalização -eles perderam muito dinheiro com o mercado imobiliário. Então, a estratégia mais certa seria capitalizar os bancos, o que pode ser feito por meio do mercado mesmo, ou, se não for possível dessa maneira, que seja por meio do governo, com a nacionalização das instituições. Uma outra parte da solução é a renegociação das hipotecas com os mutuários.

FOLHA - Como o senhor avalia a ação das autoridades européias?
SCHEINKMAN
- A Europa tem vantagens e desvantagens em relação aos EUA. A vantagem é que esse tema da intervenção estatal nos bancos é menos ideológica. A desvantagem, em primeiro lugar, é que na Europa não existe um sistema único que permita a intervenção, cada país tem a sua regulação. Assim, o processo precisa ser decidido individualmente por cada nação ou em conjunto. Nas crises, consegue-se fazer mudanças institucionais, então, pode ser que na Europa se crie uma entidade para lidar com a situação.

FOLHA - No caso do Brasil, houve falha, do governo, em perceber logo que a crise teria conseqüências mais sérias do que se imaginava?
SCHEINKMAN
- Havia divergências entre os analistas. Não quer dizer que o país não esteja muito mais bem preparado para enfrentar uma crise do que estava antes. A partir do Plano Real, houve uma melhora enorme da economia brasileira, com a estabilidade monetária, a responsabilidade fiscal, os fundamentos. Isso não significa, também, que o país esteja imune. Se o mundo entrar em uma recessão, como muita gente está prevendo, o país vai crescer menos.

FOLHA - E o que o governo deveria fazer para que os danos sejam os menores possíveis?
SCHEINKMAN
- Voltar a prestar atenção nos fundamentos. O crescimento do gasto público, por exemplo, deveria cessar e até ser revertido. Além disso, obviamente, todos nós gostaríamos que o Brasil tivesse um sistema tributário mais racional, que encorajasse a formalidade. Uma reforma tributária necessita de acordo com o Legislativo, que é mais complicado, mas gostaria de ver o governo tentar. O que não pode acontecer é levar o país a um ponto em que a gente tenha que desistir de conquistas importantes, como o controle da inflação.

FOLHA - Se os fundamentos da economia brasileira continuam consistentes, o que explica essas oscilações tão bruscas no mercado financeiro?
SCHEINKMAN
- Uma parte do movimento é devido aos investidores americanos e europeus que tiveram grandes perdas em outros países e precisam resgatar o seu dinheiro. Depois vêm previsões menores para o crescimento da economia, as pessoas ficam menos dispostas a fazer investimentos de risco. A Bolsa brasileira tem um componente forte de commodities, e há uma pressão sobre isso. Ou seja, a irracionalidade não começa do nada, ela junta os fundamentos e mecânicas -como os saques feitos por estrangeiros- com o medo.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.