São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009

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ENTREVISTA ARMÍNIO FRAGA

Juro menor é solução melhor para o câmbio

Redução do gasto do governo e, "quando der", do crédito público, permitiria queda da Selic e atenuaria a alta do real, diz ex-presidente do Banco Central

VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA

Armínio Fraga não costuma "fechar questão" sobre opções de política econômica ou, como diz vez e outra, ser "religioso" sobre vários tópicos espinhosos. "Não abriria mão de intervir [no câmbio] em condições extremas", diz à Folha. Mas teria preferido um curso de políticas alternativo ao adotado pela administração Lula. Até para alcançar o objetivo hoje perseguido pelo governo, de evitar excesso de valorização do real, a contenção da despesa do governo seria mais eficaz, diz.
Considera "positivo" o efeito do aumento do crédito dos bancos públicos na mitigação da crise, mas observa que isso tem custos, como o de "sobrecarregar a política monetária" ou, "a longo prazo, de concentrar o setor [de crédito] nas mãos do governo".
Em entrevista ao jornal "Valor", Fraga defendeu a "reestatização do Estado", tendo em vista "postura agressiva" do governo, de defesa da intervenção do Estado na economia. Logo depois da entrevista, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicou artigo em que fazia críticas semelhantes. Fraga e FHC dizem que se tratou apenas de coincidência.
Fraga presidiu o Banco Central de 1999 a 2002. É sócio da Gávea Investimentos, que administra US$ 5,5 bilhões, e preside o conselho de administração da BM&FBovespa.
Fraga comenta ainda a entrada do BNDES no capital da Magnesita, que fabrica refratários para fornos siderúrgicos, uma das maiores do mundo. O aumento de capital serviu para amortizar cerca de US$ 175 milhões da dívida da empresa (20% do total), que renegociou neste ano sua dívida com bancos. A Gávea, assim como a GP Investimentos, maior gestora de "private equity" do Brasil, é acionista da Magnesita.

 

FOLHA - O sr., o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ou outros têm mantido conversas regulares sobre os problemas do país, da oposição? Neste ano, no iFHC, o sr. disse que pensava em "voltar" (isto é, debater questões públicas de modo mais sistemático)...
ARMÍNIO FRAGA -
Converso com muita gente sobre nosso país, naturalmente. Mas não faço parte de nenhuma iniciativa regular ou organizada. Tive boas experiências no governo e tenho essa veia quixótica de querer melhorar as coisas. Mas estou muito satisfeito e comprometido com minha vida profissional e não tenho planos que não a Gávea e a Bolsa. Talvez voltar a dar aulas.

FOLHA - O sr. acha que falta oposição (e não só oposição partidária)?
FRAGA -
Não acho, embora reconheça que de uns tempos para cá a oposição tem tido alguma dificuldade de apresentar uma linha clara de resposta e crítica ao governo. Mas temos, sim, oposições, que, imagino, na hora certa vão entrar na disputa eleitoral. Acho que a hora é de trabalho, não de campanha.

FOLHA - No governo FHC, a participação de fundos de pensão, do BNDES, do Banco do Brasil, foi importante para dar viabilidade às privatizações ou a empresas privatizadas (como no caso de alguns fracassos em ferrovias e de energia elétrica). Qual a diferença no relacionamento entre estatais com empresas privadas nos governo Lula e FHC?
FRAGA -
Não tenho reflexão madura sobre o tema. O governo anterior, o de FHC, tinha um claro viés de ser ativo, com foco no social. Mas talvez acreditasse bem menos em governo empresário e politizador dos negócios. Talvez por ter estado temporalmente mais perto de muitos fiascos históricos -houve problemas nas estatais mais variadas e em muitos outros programas. Os problemas dos bancos públicos no passado são bem conhecidos: quase sempre foram politizados e quase todos quebraram. A memória é curta...

FOLHA - Mesmo levando em conta que o sr. defende medidas mais estruturais de aumento de produtividade, redução de gasto público etc., o que o sr. achou do IOF?
FRAGA -
O IOF sobre renda fixa é relativamente bem melhor do que o da Bolsa, que expulsa a liquidez do Brasil e pune as empresas menores. Ambos tratam do sintoma, não da doença, que requer as medidas mencionadas na sua própria pergunta. Mercados funcionam bem com investidores com horizontes distintos, casa um com sua função. A Bolsa cumpre seu papel de levantar capital para investimento e geração de emprego porque dá preço e liquidez a ativos fixos. Qualquer movimento na direção chinesa de controles e intervenção em massa requer os outros ingredientes que se vê por lá: poupança muito alta, contas públicas em ordem, juros baixos (como resultados das anteriores). Não dá para adotar só uma parte.

FOLHA - Mas é preciso algum freio temporário para o câmbio ou para fluxos que podem causar bolhas? Qual seria a medida mais eficiente?
FRAGA -
Mencionei o IOF sobre capitais de renda fixa de curto prazo. Mas o ideal seria segurar gastos do governo e o crédito público assim que der, de modo que seja possível derrubar os juros. Gostaria de enfatizar esse ponto: em vez de elevar o gasto, seria melhor deixar mais espaço para a política monetária reduzir a taxa de juros. Isso teria o efeito inverso da atual, mas o desejado sobre a taxa de câmbio, qual seja, de evitar mais apreciação.

FOLHA - O governo está terminando. Não há perspectiva de reformas ou mudança maior de política econômica -talvez um ajuste fiscal. Dadas essas condições, o que o sr. faria em relação a câmbio?
FRAGA -
Não abriria mão de intervir em condições extremas, mas iria mais na direção de medidas que permitissem a queda dos juros, nossa maior distorção. Estamos caminhando na direção oposta, e a percepção atual de bonança pode mudar rapidamente.

FOLHA - O sr. acredita que pode haver (ou há) uma alta excessiva do real, de preços de ativos brasileiros, como na Bovespa, uma bolha? O que fazer com o risco se inclinando para o da inflação de ativos? Nada?
FRAGA -
Mercados oscilam, é normal. O valor da nossa Bolsa está a 12 vezes o lucro esperado das empresas para 2010. Não está barato, mas não é bolha. Se virar bolha, pode pipocar, claro. Tudo isso reflete a nossa situação, que é relativamente boa, e a abundante liquidez global. Não há muito o que fazer, mas pelo menos as empresas podem se capitalizar e investir mais. Para o câmbio, iria na linha mencionada acima.

FOLHA - O sr. acha adequada alguma intervenção "micro" nos negócios de juros e câmbio, na BM&F. Isto é, medidas com o objetivo de reduzir o poder de fogo das instituições financeiras. Funciona? Evita supervalorizações ou superdesvalorizações da moeda, excesso de volatilidade? Quais os prós e os contras?
FRAGA -
O governo pode intervir como achar melhor. Cada situação requer uma resposta. Mas o fato é que, quando o risco país é percebido como baixo, a intervenção perde boa parte da eficácia (já que a oferta de capitais externos fica muito elástica). Independentemente da situação, sou a favor, há muito tempo, de medidas prudenciais que evitem muita alavancagem e descasamento de moeda e de prazo no mercado. Tudo isso que mencionei ajuda na questão cambial e em tudo mais. Bem melhor do que medidas que afetem o sintoma sem atacar as causas. A BM&F, cujo conselho de administração hoje presido, tem uma política bem conservadora de margens e garantias, não vejo problemas lá. Mas acho, sim, que o governo tem de ficar de olho em todo o mercado, inclusive em nós, para se certificar de que não há riscos em excesso tanto em nível de cada empresa como de natureza sistêmica. Acredito que o Banco Central faz isso.

FOLHA - O BNDES auxiliou empresas prejudicadas na crise. Bancos públicos compraram carteiras de bancos privados menores, dando-lhes liquidez em momentos difíceis de 2008. Qual o balanço que o sr. faz dessas medidas?
FRAGA -
O assunto é importante, merece estudo também. Acompanho o BNDES desde meu período na presidência do Banco Central e posso afirmar que seus quadros técnicos são excelentes. O fator anticíclico advindo da presença do setor público no setor bancário é positivo, mas tem seus custos: sobrecarrega a política monetária, aumenta o risco fiscal e tende, a longo prazo, a concentrar o setor nas mãos do governo, um desastre que nós e outros países conhecemos bem (por exemplo, Estados Unidos e China). Passada a crise, cabe voltar a um padrão de empréstimos mais normal, para não pressionar os juros e também para não inibir o desenvolvimento do mercado de capitais.

FOLHA - A Magnesita, também abalada pela crise e pelas dificuldades com uma dívida, teve apoio do BNDES. Uma empresa como a Magnesita, com acionistas com grande acesso ao mercado de capitais e de crédito, precisava do BNDES? Ou era a opção mais barata à disposição?
FRAGA -
A Magnesita apostou no crescimento, se endividou, mas não demais, e se apertou um pouco quando veio a megacrise. Acho que o BNDES fez um bom negócio. Nossos sócios e meus colegas têm todo o direito de trabalhar com o BNDES. Para nós, não se trata de uma questão de governo, apenas de uma decisão privada legítima e transparente. É assim: o governo define as regras e o setor privado age de acordo.

FOLHA - A preferência da Magnesita e de outras empresas de acesso a mercados semelhante, pelo BNDES, indica que o custo da crise poderia ser muito maior para as empresas brasileiras? Falo de custo de capital.
FRAGA -
Por definição, o custo para as empresas teria sido maior. O custo para a sociedade como um todo, a curto prazo provavelmente também. No longo prazo, para a sociedade como um todo, a conta não é óbvia para mim.

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