|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA ARMÍNIO FRAGA
Juro menor é solução melhor para o câmbio
Redução do gasto do governo e, "quando der", do crédito público, permitiria queda da Selic e atenuaria a alta do real, diz ex-presidente do Banco Central
VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA
Armínio Fraga não costuma
"fechar questão" sobre opções
de política econômica ou, como
diz vez e outra, ser "religioso"
sobre vários tópicos espinhosos. "Não abriria mão de intervir [no câmbio] em condições
extremas", diz à Folha. Mas teria preferido um curso de políticas alternativo ao adotado pela administração Lula. Até para
alcançar o objetivo hoje perseguido pelo governo, de evitar
excesso de valorização do real,
a contenção da despesa do governo seria mais eficaz, diz.
Considera "positivo" o efeito
do aumento do crédito dos
bancos públicos na mitigação
da crise, mas observa que isso
tem custos, como o de "sobrecarregar a política monetária"
ou, "a longo prazo, de concentrar o setor [de crédito] nas
mãos do governo".
Em entrevista ao jornal "Valor", Fraga defendeu a "reestatização do Estado", tendo em
vista "postura agressiva" do governo, de defesa da intervenção
do Estado na economia. Logo
depois da entrevista, o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso publicou artigo em
que fazia críticas semelhantes.
Fraga e FHC dizem que se tratou apenas de coincidência.
Fraga presidiu o Banco Central de 1999 a 2002. É sócio da
Gávea Investimentos, que administra US$ 5,5 bilhões, e preside o conselho de administração da BM&FBovespa.
Fraga comenta ainda a entrada do BNDES no capital da
Magnesita, que fabrica refratários para fornos siderúrgicos,
uma das maiores do mundo. O
aumento de capital serviu para
amortizar cerca de US$ 175 milhões da dívida da empresa
(20% do total), que renegociou
neste ano sua dívida com bancos. A Gávea, assim como a GP
Investimentos, maior gestora
de "private equity" do Brasil, é
acionista da Magnesita.
FOLHA - O sr., o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ou outros
têm mantido conversas regulares
sobre os problemas do país, da oposição? Neste ano, no iFHC, o sr. disse
que pensava em "voltar" (isto é, debater questões públicas de modo
mais sistemático)...
ARMÍNIO FRAGA - Converso com
muita gente sobre nosso país,
naturalmente. Mas não faço
parte de nenhuma iniciativa regular ou organizada. Tive boas
experiências no governo e tenho essa veia quixótica de querer melhorar as coisas. Mas estou muito satisfeito e comprometido com minha vida profissional e não tenho planos que
não a Gávea e a Bolsa. Talvez
voltar a dar aulas.
FOLHA - O sr. acha que falta oposição (e não só oposição partidária)?
FRAGA - Não acho, embora reconheça que de uns tempos para cá a oposição tem tido alguma dificuldade de apresentar
uma linha clara de resposta e
crítica ao governo. Mas temos,
sim, oposições, que, imagino,
na hora certa vão entrar na disputa eleitoral. Acho que a hora
é de trabalho, não de campanha.
FOLHA - No governo FHC, a participação de fundos de pensão, do
BNDES, do Banco do Brasil, foi importante para dar viabilidade às privatizações ou a empresas privatizadas (como no caso de alguns fracassos em ferrovias e de energia elétrica). Qual a diferença no relacionamento entre estatais com empresas
privadas nos governo Lula e FHC?
FRAGA - Não tenho reflexão
madura sobre o tema. O governo anterior, o de FHC, tinha
um claro viés de ser ativo, com
foco no social. Mas talvez acreditasse bem menos em governo
empresário e politizador dos
negócios. Talvez por ter estado
temporalmente mais perto de
muitos fiascos históricos
-houve problemas nas estatais
mais variadas e em muitos outros programas. Os problemas
dos bancos públicos no passado
são bem conhecidos: quase
sempre foram politizados e
quase todos quebraram. A memória é curta...
FOLHA - Mesmo levando em conta
que o sr. defende medidas mais estruturais de aumento de produtividade, redução de gasto público etc.,
o que o sr. achou do IOF?
FRAGA - O IOF sobre renda fixa
é relativamente bem melhor do
que o da Bolsa, que expulsa a liquidez do Brasil e pune as empresas menores. Ambos tratam
do sintoma, não da doença, que
requer as medidas mencionadas na sua própria pergunta.
Mercados funcionam bem com
investidores com horizontes
distintos, casa um com sua função. A Bolsa cumpre seu papel
de levantar capital para investimento e geração de emprego
porque dá preço e liquidez a ativos fixos. Qualquer movimento
na direção chinesa de controles
e intervenção em massa requer
os outros ingredientes que se
vê por lá: poupança muito alta,
contas públicas em ordem, juros baixos (como resultados
das anteriores). Não dá para
adotar só uma parte.
FOLHA - Mas é preciso algum freio
temporário para o câmbio ou para
fluxos que podem causar bolhas?
Qual seria a medida mais eficiente?
FRAGA - Mencionei o IOF sobre capitais de renda fixa de
curto prazo. Mas o ideal seria
segurar gastos do governo e o
crédito público assim que der,
de modo que seja possível derrubar os juros. Gostaria de enfatizar esse ponto: em vez de
elevar o gasto, seria melhor deixar mais espaço para a política
monetária reduzir a taxa de juros. Isso teria o efeito inverso
da atual, mas o desejado sobre a
taxa de câmbio, qual seja, de
evitar mais apreciação.
FOLHA - O governo está terminando. Não há perspectiva de reformas
ou mudança maior de política econômica -talvez um ajuste fiscal.
Dadas essas condições, o que o sr.
faria em relação a câmbio?
FRAGA - Não abriria mão de intervir em condições extremas,
mas iria mais na direção de medidas que permitissem a queda
dos juros, nossa maior distorção. Estamos caminhando na
direção oposta, e a percepção
atual de bonança pode mudar
rapidamente.
FOLHA - O sr. acredita que pode haver (ou há) uma alta excessiva do
real, de preços de ativos brasileiros,
como na Bovespa, uma bolha? O
que fazer com o risco se inclinando
para o da inflação de ativos? Nada?
FRAGA - Mercados oscilam, é
normal. O valor da nossa Bolsa
está a 12 vezes o lucro esperado
das empresas para 2010. Não
está barato, mas não é bolha. Se
virar bolha, pode pipocar, claro.
Tudo isso reflete a nossa situação, que é relativamente boa, e
a abundante liquidez global.
Não há muito o que fazer, mas
pelo menos as empresas podem
se capitalizar e investir mais.
Para o câmbio, iria na linha
mencionada acima.
FOLHA - O sr. acha adequada alguma intervenção "micro" nos negócios de juros e câmbio, na BM&F. Isto é, medidas com o objetivo de reduzir o poder de fogo das instituições financeiras. Funciona? Evita supervalorizações ou superdesvalorizações da moeda, excesso de volatilidade? Quais os prós e os contras?
FRAGA - O governo pode intervir como achar melhor. Cada situação requer uma resposta.
Mas o fato é que, quando o risco
país é percebido como baixo, a
intervenção perde boa parte da
eficácia (já que a oferta de capitais externos fica muito elástica). Independentemente da situação, sou a favor, há muito
tempo, de medidas prudenciais
que evitem muita alavancagem
e descasamento de moeda e de
prazo no mercado. Tudo isso
que mencionei ajuda na questão cambial e em tudo mais.
Bem melhor do que medidas
que afetem o sintoma sem atacar as causas. A BM&F, cujo
conselho de administração hoje presido, tem uma política
bem conservadora de margens
e garantias, não vejo problemas
lá. Mas acho, sim, que o governo tem de ficar de olho em todo
o mercado, inclusive em nós,
para se certificar de que não há
riscos em excesso tanto em nível de cada empresa como de
natureza sistêmica. Acredito
que o Banco Central faz isso.
FOLHA - O BNDES auxiliou empresas prejudicadas na crise. Bancos públicos compraram carteiras de bancos privados menores, dando-lhes liquidez em momentos difíceis de
2008. Qual o balanço que o sr. faz
dessas medidas?
FRAGA - O assunto é importante, merece estudo também.
Acompanho o BNDES desde
meu período na presidência do
Banco Central e posso afirmar
que seus quadros técnicos são
excelentes. O fator anticíclico
advindo da presença do setor
público no setor bancário é positivo, mas tem seus custos: sobrecarrega a política monetária, aumenta o risco fiscal e tende, a longo prazo, a concentrar
o setor nas mãos do governo,
um desastre que nós e outros
países conhecemos bem (por
exemplo, Estados Unidos e
China). Passada a crise, cabe
voltar a um padrão de empréstimos mais normal, para não
pressionar os juros e também
para não inibir o desenvolvimento do mercado de capitais.
FOLHA - A Magnesita, também
abalada pela crise e pelas dificuldades com uma dívida, teve apoio do
BNDES. Uma empresa como a Magnesita, com acionistas com grande
acesso ao mercado de capitais e de
crédito, precisava do BNDES? Ou era
a opção mais barata à disposição?
FRAGA - A Magnesita apostou
no crescimento, se endividou,
mas não demais, e se apertou
um pouco quando veio a megacrise. Acho que o BNDES fez
um bom negócio. Nossos sócios
e meus colegas têm todo o direito de trabalhar com o
BNDES. Para nós, não se trata
de uma questão de governo,
apenas de uma decisão privada
legítima e transparente. É assim: o governo define as regras
e o setor privado age de acordo.
FOLHA - A preferência da Magnesita e de outras empresas de acesso a
mercados semelhante, pelo BNDES,
indica que o custo da crise poderia
ser muito maior para as empresas
brasileiras? Falo de custo de capital.
FRAGA - Por definição, o custo
para as empresas teria sido
maior. O custo para a sociedade
como um todo, a curto prazo
provavelmente também. No
longo prazo, para a sociedade
como um todo, a conta não é
óbvia para mim.
Texto Anterior: Vinicius Torres Freire: Aritmética da Emília e da dívida Próximo Texto: Frases Índice
|