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"Crise do luxo" põe à prova a grife Versace
Com prejuízo, fechamento de lojas e demissões, empresa simboliza retração das marcas caras; agora tenta se reestruturar
Grife terá o desafio de
conservar aura de glamour e,
ao mesmo tempo, atrair
novos consumidores com
itens a preços mais acessíveis
GUY TREBAY
DO "NEW YORK TIMES"
"Sou uma sobrevivente",
afirmou a estilista Donatella
Versace em tom pragmático
durante passagem relâmpago
por Nova York, da qual a impressão que ficou é que pouca
coisa mudou no mundo dos
ocupacionalmente fabulosos.
Quer estivesse presidindo
um evento de gala em benefício
do Museu Whitney de Arte
Americana, da qual é benfeitora, sendo fotografada pelos tabloides com Lindsay Lohan,
quer homenageada num almoço com celebridades, Versace
conservou a aura que é sua
marca registrada, caracterizada pelo glamour do tipo caro.
Mas sua compostura era uma
máscara, como é o logotipo de
Medusa de sua empresa. Dois
dias depois de ela ter deixado
Nova York, a Gianni Versace, a
empresa familiar que preside,
anunciou corte de 26% de sua
força de trabalho global -algo
que pode chegar a 350 empregos. A empresa projetou perdas
de US$ 45 milhões em 2009 e
não previu lucros antes de 2011.
Não foi primeiro sinal de que
a Versace está sofrendo o efeito
da rejeição aos produtos de luxo por parte de consumidores
em todo o mundo. No início de
outubro, a empresa anunciou o
fechamento de suas três lojas
no Japão, uma saída abrupta do
mercado antes lucrativo no
qual ingressou em 1981, nos
tempos de glória da grife.
"Nos negócios não é possível
ficar simplesmente sonhando
com a recuperação da economia, coisa que ninguém no
mundo está afirmando com
certeza que vai acontecer", disse o novo executivo-chefe da
Versace, Gian Giacomo Ferraris. "Uma pessoa responsável
tem que enfrentar a realidade e
agir de acordo com ela. Mas a
Versace também precisa voltar
a ser definidora de tendências
em termos criativos."
A declaração pareceu suscitar tantas perguntas quanto visou desviar: como se criam tendências em um setor cuja própria existência glamourosa está
sob cerco cerrado? Existe futuro para "maisons" de moda relativamente pequenas, de propriedade restrita, como a Versace, em um setor dominado
por multinacionais como
LVMH (dona da Louis Vuitton,
entre outras), cujo lucro é garantido pelo portfólio que inclui a Cognac e a Champagne?
Embora dados recentes sinalizem que os consumidores
americanos possam estar pouco a pouco readquirindo o gosto pelo luxo, o mercado mundial desse tipo de artigo declinou 10% desde 2007, segundo a
consultoria Bain & Company.
A recessão afetou gravemente as "maisons" independentes
como a Versace, que tem o desafio adicional de reaver território conquistado por estilistas
que roubaram parte de seu
mercado. Sob muitos aspectos,
Dolce & Gabbana, Roberto Cavalli e outros construíram suas
grifes a partir de adaptações da
fórmula da Versace de sensualidade explícita, surpresas no
tapete vermelho e uma estratégia de recrutar celebridades para atuar como garotas-propaganda glamourosas.
Porém, observou Ron
Frasch, presidente de marketing da Saks Fifth Avenue, existem "muito poucas grifes no
mundo que possuem esse tipo
de reconhecimento de nome e
fidelidade dos clientes".
O grau de êxito com que a
Versace poderá passar pela crise atual não diz respeito apenas
a quão bem vai funcionar sua
restruturação mas também a
até que ponto seus produtos
são balanceados "desde o ponto
de vista do preço", disse Frasch.
Como a concorrência, a Versace terá que realizar um truque difícil: conservar a aura de
luxo e, ao mesmo tempo, atrair
consumidores novos com artigos a preços mais acessíveis. "A
Versace sempre atendeu a uma
gama de consumidores muito
mais ampla do que as pessoas
imaginam", disse Frasch.
Esse fato se deve em grande
medida aos esforços de uma estilista que talvez seja mais conhecida por seus vícios e pelas
cirurgias plásticas pelas quais
já passou que pela influência
criativa que ela exerce sobre a
grife lançada por seu irmão em
meados dos anos 1970. Quando
Gianni Versace foi morto há 12
anos por um assassino diante
de sua mansão, Donatella foi
elevada de uma hora para outra
a uma posição que, afirma,
nunca desejou. Tendo trabalhado ao lado de seu irmão por
anos, atuando como musa inspiradora e consultora, Donatella disse que sempre se sentia
mais feliz em segundo plano.
Com relação à morte de seu
irmão e à sua própria transição
para estilista e rosto público da
grife, Versace comentou: "Não
foi fácil acreditar em mim mesma ou no futuro. Todo mundo
procurava em mim uma salvadora. Fui obrigada a ter essa
imagem de mulher poderosa e
forte, que eu não sou."
A afirmação não condiz inteiramente com a determinação
inabalável que levou à saída, em
junho, de Giancarlo Di Risio, o
executivo-chefe a quem foi
atribuído o crédito de ter feito
uma faxina na casa para Donatella. Di Risio levou a empresa
de volta à rentabilidade após
anos de indecisão, decorrentes,
pelo menos em parte, dos muito, e divulgados, problemas de
Donatella com drogas.
Consta que os dois entraram
em conflito em torno da redução de custos, mas, quatro meses após a chegada de Gian Giacomo Ferraris como executivo-chefe, Donatella aprovou a decisão dele de fechar lojas, consolidar a manufatura, terceirizar operações e demitir centenas de profissionais.
"Em minha vida eu não tive
outra escolha senão me tornar
uma pessoa forte", disse Donatella. "Tive que fazê-lo, primeiro para Gianni e depois para
meus filhos.""Morrer e renascer, morrer e renascer", afirmou ela, acendendo um fósforo. "É a história da minha vida."
Tradução de CLARA ALLAIN
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