São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009

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"Crise do luxo" põe à prova a grife Versace

Com prejuízo, fechamento de lojas e demissões, empresa simboliza retração das marcas caras; agora tenta se reestruturar

Grife terá o desafio de conservar aura de glamour e, ao mesmo tempo, atrair novos consumidores com itens a preços mais acessíveis

GUY TREBAY
DO "NEW YORK TIMES"

"Sou uma sobrevivente", afirmou a estilista Donatella Versace em tom pragmático durante passagem relâmpago por Nova York, da qual a impressão que ficou é que pouca coisa mudou no mundo dos ocupacionalmente fabulosos.
Quer estivesse presidindo um evento de gala em benefício do Museu Whitney de Arte Americana, da qual é benfeitora, sendo fotografada pelos tabloides com Lindsay Lohan, quer homenageada num almoço com celebridades, Versace conservou a aura que é sua marca registrada, caracterizada pelo glamour do tipo caro.
Mas sua compostura era uma máscara, como é o logotipo de Medusa de sua empresa. Dois dias depois de ela ter deixado Nova York, a Gianni Versace, a empresa familiar que preside, anunciou corte de 26% de sua força de trabalho global -algo que pode chegar a 350 empregos. A empresa projetou perdas de US$ 45 milhões em 2009 e não previu lucros antes de 2011.
Não foi primeiro sinal de que a Versace está sofrendo o efeito da rejeição aos produtos de luxo por parte de consumidores em todo o mundo. No início de outubro, a empresa anunciou o fechamento de suas três lojas no Japão, uma saída abrupta do mercado antes lucrativo no qual ingressou em 1981, nos tempos de glória da grife.
"Nos negócios não é possível ficar simplesmente sonhando com a recuperação da economia, coisa que ninguém no mundo está afirmando com certeza que vai acontecer", disse o novo executivo-chefe da Versace, Gian Giacomo Ferraris. "Uma pessoa responsável tem que enfrentar a realidade e agir de acordo com ela. Mas a Versace também precisa voltar a ser definidora de tendências em termos criativos."
A declaração pareceu suscitar tantas perguntas quanto visou desviar: como se criam tendências em um setor cuja própria existência glamourosa está sob cerco cerrado? Existe futuro para "maisons" de moda relativamente pequenas, de propriedade restrita, como a Versace, em um setor dominado por multinacionais como LVMH (dona da Louis Vuitton, entre outras), cujo lucro é garantido pelo portfólio que inclui a Cognac e a Champagne?
Embora dados recentes sinalizem que os consumidores americanos possam estar pouco a pouco readquirindo o gosto pelo luxo, o mercado mundial desse tipo de artigo declinou 10% desde 2007, segundo a consultoria Bain & Company.
A recessão afetou gravemente as "maisons" independentes como a Versace, que tem o desafio adicional de reaver território conquistado por estilistas que roubaram parte de seu mercado. Sob muitos aspectos, Dolce & Gabbana, Roberto Cavalli e outros construíram suas grifes a partir de adaptações da fórmula da Versace de sensualidade explícita, surpresas no tapete vermelho e uma estratégia de recrutar celebridades para atuar como garotas-propaganda glamourosas.
Porém, observou Ron Frasch, presidente de marketing da Saks Fifth Avenue, existem "muito poucas grifes no mundo que possuem esse tipo de reconhecimento de nome e fidelidade dos clientes".
O grau de êxito com que a Versace poderá passar pela crise atual não diz respeito apenas a quão bem vai funcionar sua restruturação mas também a até que ponto seus produtos são balanceados "desde o ponto de vista do preço", disse Frasch.
Como a concorrência, a Versace terá que realizar um truque difícil: conservar a aura de luxo e, ao mesmo tempo, atrair consumidores novos com artigos a preços mais acessíveis. "A Versace sempre atendeu a uma gama de consumidores muito mais ampla do que as pessoas imaginam", disse Frasch.
Esse fato se deve em grande medida aos esforços de uma estilista que talvez seja mais conhecida por seus vícios e pelas cirurgias plásticas pelas quais já passou que pela influência criativa que ela exerce sobre a grife lançada por seu irmão em meados dos anos 1970. Quando Gianni Versace foi morto há 12 anos por um assassino diante de sua mansão, Donatella foi elevada de uma hora para outra a uma posição que, afirma, nunca desejou. Tendo trabalhado ao lado de seu irmão por anos, atuando como musa inspiradora e consultora, Donatella disse que sempre se sentia mais feliz em segundo plano.
Com relação à morte de seu irmão e à sua própria transição para estilista e rosto público da grife, Versace comentou: "Não foi fácil acreditar em mim mesma ou no futuro. Todo mundo procurava em mim uma salvadora. Fui obrigada a ter essa imagem de mulher poderosa e forte, que eu não sou."
A afirmação não condiz inteiramente com a determinação inabalável que levou à saída, em junho, de Giancarlo Di Risio, o executivo-chefe a quem foi atribuído o crédito de ter feito uma faxina na casa para Donatella. Di Risio levou a empresa de volta à rentabilidade após anos de indecisão, decorrentes, pelo menos em parte, dos muito, e divulgados, problemas de Donatella com drogas.
Consta que os dois entraram em conflito em torno da redução de custos, mas, quatro meses após a chegada de Gian Giacomo Ferraris como executivo-chefe, Donatella aprovou a decisão dele de fechar lojas, consolidar a manufatura, terceirizar operações e demitir centenas de profissionais.
"Em minha vida eu não tive outra escolha senão me tornar uma pessoa forte", disse Donatella. "Tive que fazê-lo, primeiro para Gianni e depois para meus filhos.""Morrer e renascer, morrer e renascer", afirmou ela, acendendo um fósforo. "É a história da minha vida."


Tradução de CLARA ALLAIN

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