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OPINIÃO ECONÔMICA
Renovação da política externa brasileira
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Na área da política externa,
a mediocridade essencial do
governo Fernando Henrique Cardoso revelou-se de forma nítida e
insofismável. Celso Lafer, em particular, foi uma das mais vaporosas figuras a ocupar a cadeira de
Rio Branco. Deu notáveis contribuições ao anedotário diplomático brasileiro.
Neste, como na maioria dos setores do governo, a renovação é
indispensável. O Itamaraty adquiriu especial importância, particularmente em matéria econômica. As negociações comerciais
que temos pela frente (Alca,
OMC, acordo Mercosul-União
Européia, entre outras) são de
grande complexidade e têm implicações perigosas. Envolvem
não apenas questões de comércio
exterior, mas "aspectos normativos sobre praticamente todos os
campos da atividade econômica",
como lembrou Celso Amorim, em
seu discurso de posse como ministro das Relações Exteriores -discurso que merece, aliás, atenta
leitura (ver o site do Itamaraty,
www.mre.gov.br).
Assim, é positivo que o presidente tenha resolvido nomear para os cargos de ministro e secretário-geral (ou vice-ministro) diplomatas experimentados e com sólido conhecimento das questões
econômicas: os embaixadores
Celso Amorim e Samuel Pinheiro
Guimarães.
As negociações multilaterais no
âmbito da OMC e, sobretudo, as
negociações da Alca têm um alcance que muitos ainda desconhecem. Se concretizadas nos termos desejados pelos países desenvolvidos, levarão a um tremendo
esvaziamento da política econômica nacional. Países em desenvolvimento como o Brasil perderão acesso a todo um conjunto de
instrumentos de política comercial, industrial e tecnológica que
os países hoje desenvolvidos utilizaram largamente ao longo do
seu processo de desenvolvimento
(ver, a esse respeito, o artigo do
embaixador Rubens Ricupero,
publicado no mais recente número da revista "Estudos Avançados", do Instituto de Estudos
Avançados da USP).
Na mais importante dessas negociações, a Alca, estão em jogo
questões como investimentos estrangeiros, propriedade intelectual, compras governamentais,
serviços, defesa da concorrência,
entre outras. Em todas elas, os
EUA buscam compromissos mais
ambiciosos do que os consagrados
na OMC. Se o Brasil se conformar
com essa agenda, a idéia de um
projeto nacional de desenvolvimento poderá ser arquivada ou
relegada à condição de mero recurso retórico, próprio para iludir
incautos em época de eleição.
O presidente da República e o
ministro das Relações Exteriores
deixaram bem clara a sua preocupação com esse problema. No
discurso de posse, Lula afirmou
considerar "essencial" que, nas
negociações comerciais, o Brasil
preserve "os espaços de flexibilidade para nossas políticas de desenvolvimento nos campos social
e regional, de meio ambiente,
agrícola, industrial e tecnológico". Disse que o seu governo estará atento para que essas negociações "não criem restrições inaceitáveis ao direito soberano do povo brasileiro de decidir sobre o seu
modelo de desenvolvimento".
A assimetria tem sido a marca
das negociações comerciais. De
um lado, os países desenvolvidos
pretendem avançar nos temas do
seu interesse e nos setores em que
são competitivos. Querem que os
países em desenvolvimento
abram ainda mais os seus mercados e renunciem à sua autonomia
em diversas áreas cruciais. De outro, relutam em fazer concessões
nos assuntos de nosso interesse e
pretendem continuar protegendo
os seus setores "sensíveis", isto é,
pouco competitivos internacionalmente. No que diz respeito à
Alca, os EUA não deram até agora, nas áreas prioritárias para o
Brasil, uma demonstração de flexibilidade, como observou Celso
Amorim em entrevista a "O Globo" (22 de dezembro de 2002, pág.
15).
O ex-ministro Celso Lafer costumava alimentar a ridícula fantasia de que a Alca não era motivo
para grandes preocupações. Se
concluíssemos, no final das negociações, que o resultado não nos
era favorável, o Brasil poderia
simplesmente não assinar o acordo, pontificava.
Nesse particular, a avaliação do
ministro Amorim é mais adequada. Declarou que fará balanços
das negociações da Alca enquanto estão em andamento, e não
apenas na sua fase conclusiva. "É
um erro pensar que se pode negociar, negociar e, quando chegar
ao final, dizer se é bom ou não.
No final, se você ficar isolado, se a
sua opção for aprovar ou ficar de
fora, você acabará forçado virtualmente a aceitar" (entrevista a
"O Estado de S.Paulo", 5 de janeiro de 2003, pág. A8).
O leitor poderá pensar que tudo
isso é um pouco acaciano. Talvez
seja. Mas a verdade é que, no governo passado, o pobre Conselheiro Acácio costumava sofrer agressões inomináveis.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É ..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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