São Paulo, quinta-feira, 09 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Renovação da política externa brasileira

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Na área da política externa, a mediocridade essencial do governo Fernando Henrique Cardoso revelou-se de forma nítida e insofismável. Celso Lafer, em particular, foi uma das mais vaporosas figuras a ocupar a cadeira de Rio Branco. Deu notáveis contribuições ao anedotário diplomático brasileiro.
Neste, como na maioria dos setores do governo, a renovação é indispensável. O Itamaraty adquiriu especial importância, particularmente em matéria econômica. As negociações comerciais que temos pela frente (Alca, OMC, acordo Mercosul-União Européia, entre outras) são de grande complexidade e têm implicações perigosas. Envolvem não apenas questões de comércio exterior, mas "aspectos normativos sobre praticamente todos os campos da atividade econômica", como lembrou Celso Amorim, em seu discurso de posse como ministro das Relações Exteriores -discurso que merece, aliás, atenta leitura (ver o site do Itamaraty, www.mre.gov.br).
Assim, é positivo que o presidente tenha resolvido nomear para os cargos de ministro e secretário-geral (ou vice-ministro) diplomatas experimentados e com sólido conhecimento das questões econômicas: os embaixadores Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães.
As negociações multilaterais no âmbito da OMC e, sobretudo, as negociações da Alca têm um alcance que muitos ainda desconhecem. Se concretizadas nos termos desejados pelos países desenvolvidos, levarão a um tremendo esvaziamento da política econômica nacional. Países em desenvolvimento como o Brasil perderão acesso a todo um conjunto de instrumentos de política comercial, industrial e tecnológica que os países hoje desenvolvidos utilizaram largamente ao longo do seu processo de desenvolvimento (ver, a esse respeito, o artigo do embaixador Rubens Ricupero, publicado no mais recente número da revista "Estudos Avançados", do Instituto de Estudos Avançados da USP).
Na mais importante dessas negociações, a Alca, estão em jogo questões como investimentos estrangeiros, propriedade intelectual, compras governamentais, serviços, defesa da concorrência, entre outras. Em todas elas, os EUA buscam compromissos mais ambiciosos do que os consagrados na OMC. Se o Brasil se conformar com essa agenda, a idéia de um projeto nacional de desenvolvimento poderá ser arquivada ou relegada à condição de mero recurso retórico, próprio para iludir incautos em época de eleição.
O presidente da República e o ministro das Relações Exteriores deixaram bem clara a sua preocupação com esse problema. No discurso de posse, Lula afirmou considerar "essencial" que, nas negociações comerciais, o Brasil preserve "os espaços de flexibilidade para nossas políticas de desenvolvimento nos campos social e regional, de meio ambiente, agrícola, industrial e tecnológico". Disse que o seu governo estará atento para que essas negociações "não criem restrições inaceitáveis ao direito soberano do povo brasileiro de decidir sobre o seu modelo de desenvolvimento".
A assimetria tem sido a marca das negociações comerciais. De um lado, os países desenvolvidos pretendem avançar nos temas do seu interesse e nos setores em que são competitivos. Querem que os países em desenvolvimento abram ainda mais os seus mercados e renunciem à sua autonomia em diversas áreas cruciais. De outro, relutam em fazer concessões nos assuntos de nosso interesse e pretendem continuar protegendo os seus setores "sensíveis", isto é, pouco competitivos internacionalmente. No que diz respeito à Alca, os EUA não deram até agora, nas áreas prioritárias para o Brasil, uma demonstração de flexibilidade, como observou Celso Amorim em entrevista a "O Globo" (22 de dezembro de 2002, pág. 15).
O ex-ministro Celso Lafer costumava alimentar a ridícula fantasia de que a Alca não era motivo para grandes preocupações. Se concluíssemos, no final das negociações, que o resultado não nos era favorável, o Brasil poderia simplesmente não assinar o acordo, pontificava.
Nesse particular, a avaliação do ministro Amorim é mais adequada. Declarou que fará balanços das negociações da Alca enquanto estão em andamento, e não apenas na sua fase conclusiva. "É um erro pensar que se pode negociar, negociar e, quando chegar ao final, dizer se é bom ou não. No final, se você ficar isolado, se a sua opção for aprovar ou ficar de fora, você acabará forçado virtualmente a aceitar" (entrevista a "O Estado de S.Paulo", 5 de janeiro de 2003, pág. A8).
O leitor poderá pensar que tudo isso é um pouco acaciano. Talvez seja. Mas a verdade é que, no governo passado, o pobre Conselheiro Acácio costumava sofrer agressões inomináveis.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É ..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

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