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BENJAMIN STEINBRUCH
Rembrandt e o crédito
Assim como a Holanda do século 17, o Brasil do século 21 precisa do crédito farto para tocar seu crescimento
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JOHN KENNETH Galbraith, em
"A Era da Incerteza", conta
que, no início do século 17, em
razão de sua excelente posição geográfica, Amsterdã tornou-se um dos
grandes portos da Europa. A frenética atividade comercial que ali se desenvolveu fez com que o dinheiro da
época, em moedas de prata e ouro,
circulasse em abundância nessa cidade holandesa.
Havia diferentes moedas, cunhadas em várias partes da Europa, a
ponto de, em 1606, o Parlamento
holandês publicar um manual de
cambistas, com uma relação de 846
moedas de prata e ouro, muitas delas deficientes em peso e pureza. Os
abusos eram tamanhos que ninguém podia estar seguro sobre o real
valor da moeda que recebia.
Os comerciantes de Amsterdã decidiram então criar um banco municipal, cuja principal função seria verificar a qualidade do dinheiro recebido. Os comerciantes levavam ao
banco as suas moedas, verdadeiras
ou falsas, o banco as pesava e só o peso do metal puro era creditado em
suas contas bancárias. Esses depósitos, portanto, eram absolutamente
seguros, e os comerciantes podiam
até transferir dinheiro de uma conta
para outra sem risco de transacionar
com moedas adulteradas.
Logo, então, o banco descobriu
que aqueles depósitos volumosos
não precisavam ficar ali parados,
amontoados. Podiam ser emprestados. E, por essa operação, o banco
cobraria juros. Quem tomasse o empréstimo receberia o crédito em sua
conta e poderia usar os recursos. Da
mesma forma, o dono do depósito
permaneceria com o dinheiro disponível.
Estava descoberta a alavanca do
crédito, à qual se atribui parte da
enorme prosperidade econômica e
cultural de Amsterdã no século 17.
Durante mais de cem anos, ali floresceram a pintura e a música e a cidade foi considerada o centro mundial das artes. Até Rembrandt, que
morava em Leiden, mudou-se para
Amsterdã.
Fechemos o livro de Galbraith e
saltemos de Amsterdã para Brasília.
Na semana passada, ao tomar posse
para o seu segundo mandato, o presidente Lula evitou tocar em metas.
Nem mesmo citou seu conhecido
desejo de fazer a economia crescer
5% ao ano. Mas deixou escapar um
número importante. Ele disse que
pretende elevar a relação crédito/
PIB para 50% até 2010.
Foi uma declaração relevante,
embora pouco destacada pelo noticiário. Afinal, a escassez de crédito
-e as elevadas taxas de juros, naturalmente- é, sem dúvida, a principal trava da economia no país.
A intenção de Lula, portanto, é
bem-vinda, embora pudesse ser um
pouco mais ousada. Mesmo que a
meta seja cumprida, o Brasil ficará
ainda longe dos níveis atingidos por
outros países emergentes em matéria de crédito.
Na média internacional, o crédito
representa cerca de 100% do PIB.
Na China, em 2005, foi de 114%, o
que significa empréstimos de US$
2,5 trilhões por ano. Aqui no Brasil, a
relação crédito/PIB atinge 33%
atualmente. A injeção de empréstimos na economia deve ter atingido
US$ 270 bilhões em 2006. Se a meta
de Lula for cumprida, haverá um volume adicional equivalente a US$
140 bilhões por ano.
Argumenta-se que a expansão do
crédito poderá incentivar a volta da
inflação. Mas um olhar para passado
recente desautoriza esse argumento. De 2002 a 2006, a relação crédito/PIB subiu de 24% para 33%, principalmente em conseqüência
da vigorosa expansão dos empréstimos consignados às pessoas físicas.
Apesar disso, a inflação manteve-se
em queda, com indiscutível ajuda do
câmbio.
A injeção de recursos é instrumento óbvio de desenvolvimento.
Explica o crescimento dos emergentes asiáticos, desde o Japão até a
China, e de inúmeros países europeus. No pós-guerra, de 1947 a 1950,
o Plano Marshall despejou US$ 13
bilhões na Europa -em valores de
hoje, isso eqüivale a US$ 130 bilhões-, o que explica a prosperidade vivida pelos países europeus ocidentais durante as décadas de 1960 e
1970. A maior parte desses recursos
foi entregue a fundo perdido, uma
opção que infelizmente não temos
hoje.
Assim como a Holanda do século
17, o Brasil do século 21 precisa da
alavanca do crédito farto e barato
para tocar seu crescimento econômico. Entesourados nos cofres públicos, tanto quanto as moedas de
Amsterdã, os recursos não promovem desenvolvimento algum.
BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do
conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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