São Paulo, terça-feira, 09 de janeiro de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

Rembrandt e o crédito


Assim como a Holanda do século 17, o Brasil do século 21 precisa do crédito farto para tocar seu crescimento

JOHN KENNETH Galbraith, em "A Era da Incerteza", conta que, no início do século 17, em razão de sua excelente posição geográfica, Amsterdã tornou-se um dos grandes portos da Europa. A frenética atividade comercial que ali se desenvolveu fez com que o dinheiro da época, em moedas de prata e ouro, circulasse em abundância nessa cidade holandesa.
Havia diferentes moedas, cunhadas em várias partes da Europa, a ponto de, em 1606, o Parlamento holandês publicar um manual de cambistas, com uma relação de 846 moedas de prata e ouro, muitas delas deficientes em peso e pureza. Os abusos eram tamanhos que ninguém podia estar seguro sobre o real valor da moeda que recebia.
Os comerciantes de Amsterdã decidiram então criar um banco municipal, cuja principal função seria verificar a qualidade do dinheiro recebido. Os comerciantes levavam ao banco as suas moedas, verdadeiras ou falsas, o banco as pesava e só o peso do metal puro era creditado em suas contas bancárias. Esses depósitos, portanto, eram absolutamente seguros, e os comerciantes podiam até transferir dinheiro de uma conta para outra sem risco de transacionar com moedas adulteradas.
Logo, então, o banco descobriu que aqueles depósitos volumosos não precisavam ficar ali parados, amontoados. Podiam ser emprestados. E, por essa operação, o banco cobraria juros. Quem tomasse o empréstimo receberia o crédito em sua conta e poderia usar os recursos. Da mesma forma, o dono do depósito permaneceria com o dinheiro disponível.
Estava descoberta a alavanca do crédito, à qual se atribui parte da enorme prosperidade econômica e cultural de Amsterdã no século 17. Durante mais de cem anos, ali floresceram a pintura e a música e a cidade foi considerada o centro mundial das artes. Até Rembrandt, que morava em Leiden, mudou-se para Amsterdã.
Fechemos o livro de Galbraith e saltemos de Amsterdã para Brasília. Na semana passada, ao tomar posse para o seu segundo mandato, o presidente Lula evitou tocar em metas. Nem mesmo citou seu conhecido desejo de fazer a economia crescer 5% ao ano. Mas deixou escapar um número importante. Ele disse que pretende elevar a relação crédito/ PIB para 50% até 2010.
Foi uma declaração relevante, embora pouco destacada pelo noticiário. Afinal, a escassez de crédito -e as elevadas taxas de juros, naturalmente- é, sem dúvida, a principal trava da economia no país.
A intenção de Lula, portanto, é bem-vinda, embora pudesse ser um pouco mais ousada. Mesmo que a meta seja cumprida, o Brasil ficará ainda longe dos níveis atingidos por outros países emergentes em matéria de crédito.
Na média internacional, o crédito representa cerca de 100% do PIB.
Na China, em 2005, foi de 114%, o que significa empréstimos de US$ 2,5 trilhões por ano. Aqui no Brasil, a relação crédito/PIB atinge 33% atualmente. A injeção de empréstimos na economia deve ter atingido US$ 270 bilhões em 2006. Se a meta de Lula for cumprida, haverá um volume adicional equivalente a US$ 140 bilhões por ano.
Argumenta-se que a expansão do crédito poderá incentivar a volta da inflação. Mas um olhar para passado recente desautoriza esse argumento. De 2002 a 2006, a relação crédito/PIB subiu de 24% para 33%, principalmente em conseqüência da vigorosa expansão dos empréstimos consignados às pessoas físicas.
Apesar disso, a inflação manteve-se em queda, com indiscutível ajuda do câmbio.
A injeção de recursos é instrumento óbvio de desenvolvimento. Explica o crescimento dos emergentes asiáticos, desde o Japão até a China, e de inúmeros países europeus. No pós-guerra, de 1947 a 1950, o Plano Marshall despejou US$ 13 bilhões na Europa -em valores de hoje, isso eqüivale a US$ 130 bilhões-, o que explica a prosperidade vivida pelos países europeus ocidentais durante as décadas de 1960 e 1970. A maior parte desses recursos foi entregue a fundo perdido, uma opção que infelizmente não temos hoje.
Assim como a Holanda do século 17, o Brasil do século 21 precisa da alavanca do crédito farto e barato para tocar seu crescimento econômico. Entesourados nos cofres públicos, tanto quanto as moedas de Amsterdã, os recursos não promovem desenvolvimento algum.


BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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