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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
O incrível contorcionista econômico
Não é verdade que
o crescimento ocorreu
apesar da taxa de juros;
ele resultou da taxa de juros
QUANTO VALE uma ação? Deixando de lado a resposta cínica ("vale o que alguém estiver
disposto a pagar por ela"), considere
o seguinte. Uma alternativa de investimento à ação é um título público que paga certa taxa de juros ao
longo de dado período. Caso a ação e
o título público sejam igualmente
arriscados, a única justificativa para
alguém comprar tal ação seria esperar que seu retorno, dado pelo fluxo
de lucros a que tem direito, equivalesse, no mínimo, àquele que se pode
obter do título público.
A ação é, porém, mais arriscada
que o título público. Enquanto este
paga um fluxo conhecido de juros e
ao final da sua vida (espera-se) retorna o capital ao investidor, os fluxos
de lucro de uma ação são incertos e,
em geral, a ação não é resgatada pelo
seu emissor original. Para obter seu
capital de volta, o investidor precisa
vendê-la no mercado, processo também sujeito a riscos. Sendo assim, é
natural que o retorno da ação, ainda
que balizado pela taxa de juros, tenha que ser superior a esta. Dessa
forma, o preço da ação é aquele que,
dada a expectativa de lucros futuros,
gera um retorno equivalente à taxa
de juros mais o prêmio de risco.
Vale notar que o raciocínio descrito acima também explica a decisão de investimento de uma empresa. Um projeto só será realizado caso seu retorno equivalha à taxa de juros devidamente corrigida
pelo risco. Tal semelhança, aliás,
sugere que as decisões de compra
de ações e investimento empresarial estejam intimamente ligadas,
como realmente estão. Uma empresa contemplando um programa
de expansão escolhe entre comprar outra empresa ou criar ela
própria a capacidade adicional por
meio de investimento. Assim,
quando os preços das ações sobem,
o investimento se torna a alternativa mais interessante e vice-versa.
Caso algum leitor tenha sobrevivido aos parágrafos iniciais, deve
estar se perguntando onde quero
chegar. A resposta é simples.
Não faltou quem, no início de
2007, augurasse um ano de crescimento medíocre, com direito a
pragas bíblicas e o sucateamento
da indústria nacional devidos às
taxas de juros. Agora, com o forte
crescimento do PIB e do investimento, os mesmos que se enganaram tentam justificar seu erro
perpetrando novas formas de contorcionismo econômico.
Uma delas sugere que o setor privado teria "contornado" a taxa de
juros doméstica pela emissão de
ações ou debêntures e assim obtido
o capital mais barato para financiar
sua expansão. No entanto, não é difícil concluir que tal explicação não
faz nenhum sentido, pois, à luz do
exposto acima, o custo do capital
está irremediavelmente atrelado à
taxa de juros, isto é, a tese não é
consistente com o bê-á-bá da teoria
financeira.
De fato serve apenas para tentar
ocultar o erro das cassandras desenvolvimentistas, mas não evita
uma conclusão simples: no Brasil,
taxas de juros que levariam outros
países a depressões épicas são consistentes com um ritmo acelerado
de expansão da demanda doméstica, o que justifica a cautela com que
o BC conduziu o processo de redução da taxa de juros. Em outras palavras, não é verdade que o crescimento ocorreu apesar da taxa de
juros; ele resultou da taxa de juros.
Ignorar esse fenômeno pode ser
cômodo, mas, como vimos, só produz má análise econômica.
PS: Havia prometido, desde meu
último artigo, pegar mais leve com
os desenvolvimentistas, mas -a
exemplo de outros- a obrigação só
valia para 2007...
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, é economista-chefe
para América Latina do Banco Real, doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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