São Paulo, quarta-feira, 09 de janeiro de 2008

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

O incrível contorcionista econômico

Não é verdade que o crescimento ocorreu apesar da taxa de juros; ele resultou da taxa de juros

QUANTO VALE uma ação? Deixando de lado a resposta cínica ("vale o que alguém estiver disposto a pagar por ela"), considere o seguinte. Uma alternativa de investimento à ação é um título público que paga certa taxa de juros ao longo de dado período. Caso a ação e o título público sejam igualmente arriscados, a única justificativa para alguém comprar tal ação seria esperar que seu retorno, dado pelo fluxo de lucros a que tem direito, equivalesse, no mínimo, àquele que se pode obter do título público.
A ação é, porém, mais arriscada que o título público. Enquanto este paga um fluxo conhecido de juros e ao final da sua vida (espera-se) retorna o capital ao investidor, os fluxos de lucro de uma ação são incertos e, em geral, a ação não é resgatada pelo seu emissor original. Para obter seu capital de volta, o investidor precisa vendê-la no mercado, processo também sujeito a riscos. Sendo assim, é natural que o retorno da ação, ainda que balizado pela taxa de juros, tenha que ser superior a esta. Dessa forma, o preço da ação é aquele que, dada a expectativa de lucros futuros, gera um retorno equivalente à taxa de juros mais o prêmio de risco.
Vale notar que o raciocínio descrito acima também explica a decisão de investimento de uma empresa. Um projeto só será realizado caso seu retorno equivalha à taxa de juros devidamente corrigida pelo risco. Tal semelhança, aliás, sugere que as decisões de compra de ações e investimento empresarial estejam intimamente ligadas, como realmente estão. Uma empresa contemplando um programa de expansão escolhe entre comprar outra empresa ou criar ela própria a capacidade adicional por meio de investimento. Assim, quando os preços das ações sobem, o investimento se torna a alternativa mais interessante e vice-versa.
Caso algum leitor tenha sobrevivido aos parágrafos iniciais, deve estar se perguntando onde quero chegar. A resposta é simples. Não faltou quem, no início de 2007, augurasse um ano de crescimento medíocre, com direito a pragas bíblicas e o sucateamento da indústria nacional devidos às taxas de juros. Agora, com o forte crescimento do PIB e do investimento, os mesmos que se enganaram tentam justificar seu erro perpetrando novas formas de contorcionismo econômico.
Uma delas sugere que o setor privado teria "contornado" a taxa de juros doméstica pela emissão de ações ou debêntures e assim obtido o capital mais barato para financiar sua expansão. No entanto, não é difícil concluir que tal explicação não faz nenhum sentido, pois, à luz do exposto acima, o custo do capital está irremediavelmente atrelado à taxa de juros, isto é, a tese não é consistente com o bê-á-bá da teoria financeira.
De fato serve apenas para tentar ocultar o erro das cassandras desenvolvimentistas, mas não evita uma conclusão simples: no Brasil, taxas de juros que levariam outros países a depressões épicas são consistentes com um ritmo acelerado de expansão da demanda doméstica, o que justifica a cautela com que o BC conduziu o processo de redução da taxa de juros. Em outras palavras, não é verdade que o crescimento ocorreu apesar da taxa de juros; ele resultou da taxa de juros. Ignorar esse fenômeno pode ser cômodo, mas, como vimos, só produz má análise econômica.

 

PS: Havia prometido, desde meu último artigo, pegar mais leve com os desenvolvimentistas, mas -a exemplo de outros- a obrigação só valia para 2007...

ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, é economista-chefe para América Latina do Banco Real, doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/
alexandre.schwartsman@hotmail.com


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