São Paulo, sábado, 09 de março de 2002

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COLAPSO DA ARGENTINA

Quedas de vendas próximas de 50% e dívidas fazem empresas desistir de alocar mais dinheiro

Indústria descarta investimentos no ano

JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Fortemente endividado, com vendas em segmentos essenciais acusando quedas próximas a 50%, o setor produtivo da Argentina descarta qualquer possibilidade de investimento este ano.
De acordo com levantamento do próprio Ministério da Economia, a taxa de investimento no país, no ano passado, ficou abaixo de 14,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Pelos dados oficiais, até o terceiro trimestre de 2001, o PIB argentino somava US$ 243 bilhões. O resultado anual será divulgado apenas neste mês, mas as estimativas de consultorias privadas apontam que ficará ao redor de US$ 255 bilhões. Confirmada essa última cifra, significará um recuo de 8,5% em termos nominais em relação a 2000.
Para este ano, a previsão é ainda mais sombria: com o fim do regime do câmbio fixo, a queda do PIB, de acordo com a consultoria Delphos Investment, será de 10% em termos reais, em pesos.
Em 1998, ainda no auge da atividade econômica no país, o total de investimentos em todos os setores (incluído o financeiro) somou US$ 68 bilhões, equivalente a 23% do PIB (US$ 298 bilhões, naquele ano). Ou seja, 8,5 pontos percentuais acima do do ano passado. Em 2002, a taxa deverá ficar abaixo de 13%. ""Quando essa taxa é menor de 16%, significa que se está deteriorando o capital previamente investido", diz o economista Jorge Vasconcelos, da Fundação Mediterrânea.
A lista de empresas que suspenderam os planos na Argentina inclui dos grandes conglomerados locais -esses, sobreviventes da desenfreada onda de privatizações, fusões e aquisições deflagrada na era Menem (1989-1999)- a subsidiárias de estrangeiras.
A Pecom, uma das empresas do grupo Pérez Companc (energia e petróleo), congelou investimentos de US$ 500 milhões previstos para este ano. A direção afirma que só poderia manter eventuais investimentos se ""renovasse os créditos". Dos grandes grupos argentinos, o Pecom é o que tem as maiores dívidas em dólares no sistema financeiro local -são US$ 350 milhões. Não à toa, por pressão do ministro da Produção, Ignacio de Mendiguren, seu parceiro na Economia, Jorge Remes Lenicov, teve que engolir a pesificação de todas as dívidas em 1 por 1, quando o previsto era que haveria um teto de US$ 100 mil.
Maior fabricante argentina de alimentos, a Arcor suspendeu, por 15 dias no mês passado, as atividades em 2 de suas 26 unidades no país, devido ao baixo volume de vendas. Nos últimos oito anos, havia investido US$ 900 milhões em expansão na Argentina, além de Brasil (onde mantém duas fábricas), Chile, México e EUA. Em dezembro e janeiro, as vendas na Argentina recuaram 20%. Os números de fevereiro também não devem ser alentadores. Em 2001, teve faturamento global de US$ 1,7 bilhão. Este ano, antes de anunciado o fim do câmbio fixo e a desvalorização do peso, previa vendas entre US$ 1,5 bilhão e US$ 1,7 bilhão. Agora, refaz cálculos.
Com o mercado argentino retraído, a Arcor volta-se para o exterior. Em 2001, do faturamento total, entre 27% e 30% saíram de suas fábricas fora da Argentina. Em três anos, pretende aumentar esse percentual para 50%. ""Não há uma empresa na Argentina que não tenha sido afetada por todo esse cenário", diz Jorge Lawson, porta-voz da Arcor.
Outro conglomerado local, o Socma, faturou no ano passado US$ 1,5 bilhão em solo argentino. Seis anos antes, os ingressos somavam US$ 6 bilhões. Em dezembro, o grupo abriu negociações para estender o vencimento de dívidas de US$ 220 milhões. O fundador, Franco Macri, admitiu transferir a sede para o Brasil, onde, entre outras empresas, controla o Frigorífico Chapecó.
Criado em 1991, o fundo de investimento Exxel Group chegou a ter faturamento de US$ 3,68 bilhões em 2000, com participações em empresas como a Havana (fabricante de alfajores) e gerenciamento do clube Vitória, no Brasil. Em 2001, acuado pela depressão econômica, retirou participação em oito companhias. Fechou o ano com faturamento de US$ 1,038 bilhão e 12.350 empregados -contra 35.600 do ano anterior.
Consultado pela Folha, o Exxel, por meio de sua assessoria, informou que ""no contexto atual vai ajustar sua estrutura e investimento aos níveis de consumo à espera de um cenário mais claro". Entre os estrangeiros, a reticência não é menor. A rede de supermercados chilena Jumbo decidiu paralisar investimento de US$ 100 milhões na construção de supermercados e hipermercados devido à ""incerteza econômica". Em uma década, as cerca de 120 empresas de origem chilena que atuam na Argentina investiram US$ 13,1 bilhões no país.
Entre os espanhóis, a atitude é a mesma. A Telefónica anunciou nesta semana que Brasil e México serão suas prioridades. E a petrolífera Repsol, que adquiriu a YPF argentina ainda nos anos 90, confirmou que reduzirá investimentos no país -além de renegociar dívidas de US$ 240 bilhões.



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