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ARTIGO
Aço mostra que Bush não se importa com princípios que defende
PAUL KRUGMAN
Ainda alguns dias atrás,
havia partidários de George
W. Bush esperando que ele exibisse sua força resistindo às demandas de proteção tarifária da indústria siderúrgica. Em lugar disso,
ele cedeu, com uma abjeção que
surpreendeu até mesmo aqueles
que o criticam.
É um sério contraste com Bill
Clinton, que -como Bush- declarou sua crença nos benefícios
do livre comércio, mas que -diferentemente de Bush- se dispôs
a investir um montante elevado
de capital político em apoio a essa
crença. Muitos democratas são
protecionistas, de modo que Clinton procurou por apoio republicano para aprovar tanto o Nafta (a
zona de livre comércio entre os
EUA, o Canadá e o México) quanto o tratado de criação da OMC.
Clinton desafiou imensa oposição de ambos os partidos para
resgatar o México de sua crise financeira de 1995, que poderia ter
destruído o Nafta, e resistiu à
pressão pela limitação de importações, entre as quais as de aço,
durante a crise financeira asiática
de 1997-1998.
É possível que a determinação
de Clinton de fazer aquilo em que
acreditava quanto ao comércio
internacional tenha custado a Casa Branca aos democratas não só
porque os votos da Virgínia Ocidental deram a Bush sua margem
de vitória no colégio eleitoral, mas
porque as políticas de defesa do livre comércio adotadas por Clinton alimentaram a campanha alternativa de Ralph Nader.
Agora sabemos com certeza
aquilo que alguns de nós já suspeitávamos: que o governo Bush
pode parecer sério quanto a livre
comércio, mas não o é, e o mesmo
vale provavelmente para os mercados livres em geral.
Não interessa a alegação de
Bush de que sua decisão de impor
tarifas elevadas sobre o aço importado era simplesmente uma
questão de aplicar a lei. Nada na
lei norte-americana o obrigava a
impor tarifas, e está claro que essas violam os tratados internacionais de comércio americanos.
Podemos também descartar a
alegação de que a medida representa "um alívio temporário para
que o setor siderúrgico possa se
reestruturar". As siderúrgicas tradicionais estão em um processo
de declínio a longo prazo, como
resultado menos da importação
do que da competição das chamadas mini-usinas, exacerbada pelo
fato de que uma economia cada
vez mais orientada a serviços usa
muito menos aço por dólar do
PIB do que no passado. Uma tarifa temporária sobre as importações não inverterá essa tendência.
É verdade que a indústria siderúrgica sofre de um problema especial: os "custos herdados", benefícios que as companhias siderúrgicas prometeram a trabalhadores hoje aposentados, em dias
mais prósperos; eles também tornam mais difícil para a indústria
se reorganizar, porque nenhum
investidor quer comprar uma
companhia sobrecarregada com
um imenso passivo.
Mas os economistas descobriram há muito que as restrições à
importação são a maneira errada
de lidar com os problemas domésticos. Esses problemas deveriam, em lugar disso, ser enfrentados na fonte -no caso em questão, por meio de um plano que levasse o governo a assumir a responsabilidade por pelo menos
parte desse passivo. Tentar mitigar o problema com tarifas será
muito menos efetivo, e imporá sérios danos colaterais. Como declarou um crítico severo das medidas do governo, as tarifas "não
são mais do que impostos que
prejudicam as pessoas de renda
baixa e moderada".
Oh, lamento -não se trata de
um crítico do governo, mas de
Robert Zoellick, o representante
do governo Bush para assuntos de
comércio internacional, em declaração feita algumas semanas
antes que seu líder decidisse que
protecionismo, em busca de vantagem política, não é vício.
Se Bush realmente acreditava
que precisava fazer alguma coisa
pela indústria siderúrgica, por
que não tratar dos custos herdados? Sua desculpa -que uma
ação desse tipo cabe ao Congresso, e não à Casa Branca- não
passa de uma débil (e característica) tentativa de transferir a culpa
exatamente como sua alegação de
que estava só cumprindo a lei (será que sou o único que pensa nesse governo como a administração
"a culpa é do Joãozinho"?). O verdadeiro motivo, presumivelmente, era que apoio direto à indústria
seria um item explícito no Orçamento, enquanto os custos do
protecionismo -se bem que
muito maiores- se mantêm em
sua maior parte ocultos.
Além de representarem mau
uso da economia, as tarifas sobre
o aço são terríveis diplomaticamente. Nossos aliados mais firmes estão indignados. Mesmo antes do veredicto sobre o aço, os
EUA já vinham desenvolvendo
uma reputação por hipocrisia
-prontos e dispostos a criticar os
outros por não cumprirem suas
responsabilidades, mas nada dispostos a encarar as próprias. Agora que nossa retórica sobre o livre
comércio se provou vazia, quem
escutará quando pregarmos?
Sejamos claros. Muitos democratas estavam do lado errado na
questão do aço. Mas cabia a Bush
demonstrar liderança e mostrar
que ele se importa com os princípios que defende. Acho que não.
Paul Krugman, economista, é professor
na Universidade Princeton (EUA). Este
artigo foi publicado originalmente no
"The New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
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