São Paulo, quinta-feira, 09 de março de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Duas rainhas da Inglaterra

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Outro dia, folheando uma revista sobre filosofia, deparei-me com esta frase de Nietzsche: "A verdade é feia, mas temos a arte para não sucumbir a ela". Maravilhosa, não? Em passagens como essa é que se vê o quanto o pessimismo de Nietzsche é superior, mais interessante do que o de Schopenhauer, por exemplo.
Desculpe a divagação, leitor. Não era sobre isso que queria escrever hoje. Meu tema é prosaico, como já insinua o título. O primeiro parágrafo ficou solto. Paciência.
Prossigo. Enquanto a nossa rainha da Inglaterra visita a versão original, meia dúzia de tecnocratas bisonhos continua dando as cartas na economia do país. Lula pode espernear à vontade. O Banco Central faz o que bem entende. É independente "de facto" -e como nunca!
Neste momento, o famigerado Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central está reunido em Brasília. Famigerado? Pequeno esclarecimento: escrevo sempre de véspera e tenho de entregar o artigo até 18h, 18h30, no máximo. Geralmente, o Copom anuncia a nova taxa Selic depois desse horário. Assim, corro o risco de que a diretoria do BC sofra um acesso momentâneo de lucidez, diminua a taxa de juro de forma mais acentuada e arruíne o meu artigo. Mas o risco é pequeno.
Uma coisa é certa: o Brasil continuará liderando, por larga margem e por bom tempo, o campeonato mundial da usura. Continuará imenso o diferencial de juros entre o Brasil e o resto do mundo.
Não por acaso, o real foi, de longe, a moeda que mais se valorizou em relação ao dólar nos últimos 12 meses, considerando um conjunto de 35 moedas dos principais países desenvolvidos e mercados emergentes. Na verdade, nesse período a grande maioria das moedas registrou desvalorização em relação ao dólar. Só duas valorizaram-se mais do que 10%: a do Chile (11,9%) e a do Brasil (19%). Em termos efetivos, portanto, a apreciação do real é ainda maior do que sugere a simples observação da taxa bilateral com o dólar.
Não tenha dúvida, leitor: o estrago será grande. Os efeitos negativos já estão aparecendo. Dados divulgados recentemente pelo IBGE confirmaram a desaceleração das exportações, fruto da perda de competitividade dos produtos e dos serviços brasileiros. A taxa de crescimento do volume de bens e serviços exportados, em comparação com igual trimestre do ano precedente, diminuiu de 16,2% no quarto trimestre de 2004 para 13,6% no primeiro trimestre de 2005, 12,9% no segundo trimestre, 12,3% no terceiro e 8,1% no quarto. Com a persistência e o agravamento do problema da sobrevalorização do real, a perda de ritmo das exportações está prosseguindo no início de 2006, como mostram os dados divulgados semanalmente pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
As exportações de manufaturados, que são normalmente mais sensíveis aos movimentos da taxa de câmbio, vêm experimentando uma desaceleração firme e contínua desde o início de 2005, com a taxa de crescimento em 12 meses do quantum exportado caindo de cerca de 28% para pouco mais de 9% no intervalo de um ano, segundo a Funcex (Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior). A Funcex alertou para o fato de que a valorização do real vem reduzindo gradualmente o universo de produtos ainda capazes de obter boa rentabilidade com a atividade exportadora. Com isso, o crescimento das exportações está se concentrando em um menor número de produtos. Entre janeiro de 2005 e janeiro de 2006, por exemplo, apenas três produtos (petróleo, minério de ferro e soja) responderam por 47% do crescimento total das exportações brasileiras.
Em alguns setores, a erosão da competitividade tem levado ao fechamento de unidades de produção e a demissões de trabalhadores. Empresas importantes, inclusive de capital nacional, estão transferindo atividades produtivas para outros países, em resposta às perdas provocadas pelo fortalecimento do real.
Barbaridade! Os países dinâmicos, que crescem de forma sustentada, combinam juros moderados com câmbio depreciado.
O Brasil insiste em fazer o oposto.


Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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