São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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JOSÉ MÁRCIO CAMARGO

Que venha a recessão

Quanto menor a redução do nível de atividade em 2008, maior a probabilidade de que tal ocorra em 2009

DESDE SETEMBRO de 2007, o Fed já reduziu os juros nos EUA de 5,25% para 3% ao ano. Nesse período, a inflação permaneceu em níveis elevados, acima de 4% ao ano, mais que o dobro do considerado confortável pela autoridade monetária. Essa política só se justifica se, apesar da queda do juro, os diretores do Fed estiverem esperando forte redução do nível de atividade, provavelmente recessão.
Com recessão, ou crescimento muito baixo, a taxa de desemprego subiria, os ganhos salariais e o custo unitário do trabalho se reduziriam e, como resultado, as pressões inflacionárias se acalmariam. Mas os preços das principais commoditites, como ferro, aço, alimentos e petróleo, continuam se acelerando, o que mostra que há excesso de demanda por elas no mundo. Porém, se tivermos recessão na maior economia do planeta, a expectativa de excesso de demanda não se justificaria.
Diante desse comportamento do mercado de commodities, cabe perguntar: se a economia mundial efetivamente não apresentar forte desaceleração, qual o cenário para os próximos anos? Esse cenário poderá se materializar em duas condições:
1) se a desaceleração da economia dos EUA for menor que o esperado pelo Fed, ou não ocorrer; 2) ou, se, ainda que ela aconteça, o crescimento do resto do mundo for suficiente para compensá-la, mantendo a demanda por commodities em níveis elevados. Ainda que nenhum desses cenários pareça muito provável, o comportamento dos mercados de commodities sugere que eles devem ser analisados com cuidado.
Caso a desaceleração da economia americana seja amena ou inexistente, os efeitos esperados sobre o mercado de trabalho não se farão sentir e, com as baixas taxas de desemprego e a alta das commodities, principalmente petróleo e alimentos, as pressões inflacionárias deverão se intensificar no futuro. Nesse caso, já no segundo semestre o Fed se veria em uma posição delicada, com a economia crescendo, ainda que a taxas baixas, a taxa de inflação acima do desejado e as pressões inflacionárias cada vez mais fortes. Como resultado, iria se ver forçado a fazer forte reversão da política de afrouxamento monetário, produzindo uma desaceleração da economia em 2009.
No segundo cenário, caso o crescimento do resto do mundo seja suficiente para compensar a desaceleração americana, isso só seria possível com a manutenção do crescimento chinês. Nesse caso, os preços das commodities continuarão em sua trajetória de aceleração, e as pressões inflacionárias mundiais, em especial na China, iriam se exacerbar ao longo de 2008. O resultado seria uma retomada na trajetória de aumento dos juros mundiais já no segundo semestre deste ano. A questão é com que rapidez isso se daria, o que iria depender da intensidade da aceleração inflacionária. Quanto mais fortes forem as pressões inflacionárias, mais rapidamente os juros teriam que ser elevados e maiores seriam os efeitos sobre a atividade. Para o Brasil, esse seria o pior cenário. Levaria a queda dos preços das commodities, aumento do déficit em transações correntes, saída de capitais, desvalorização cambial, pressão inflacionária, aumento das taxas de juros e menos crescimento.
Em outras palavras, caso a economia mundial não apresente a desaceleração esperada em 2008, poderemos ver tal desaceleração em 2009, devido ao forte aperto monetário para reduzir as pressões inflacionárias induzidas pelo afrouxamento de 2007/2008. Ou seja, quanto menor a redução do nível de atividade em 2008, maior a probabilidade de que tal ocorra em 2009. Para o Brasil, quanto mais cedo, melhor.


JOSÉ MÁRCIO CAMARGO, professor do Departamento de Economia da PUC/RJ, e sócio da Tendências Consultoria Integrada.
Excepcionalmente, hoje, a coluna de JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN não é publicada.


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