São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Fim de feira?

O valor fictício das moradias "enriqueceu" os americanos, mas elas valem menos que as dívidas para comprá-las

A ÚLTIMA semana poderá ser lembrada nos meios financeiros norte-americanos como o momento de aceleração da crise do "subprime". No mercado de crédito, alargaram-se os "spreads" entre o rendimento dos títulos do governo e as dívidas do setor privado. Os diferenciais subiram, em alguns casos, a 250 pontos-base, calculados sobre os "yields" dos títulos de dez anos do Tesouro.
O crédito anda escasso e caro. As Bolsas acusam o golpe, os índices afundam. Sendo assim, a palavra de ordem nos mercados financeiros é (peço aos leitores compreensão pela má palavra) "desalavancagem". O banco dinamarquês Danskebank informa: dois grandes investidores (Carlyle Capital e Thornburg Mortgage) não conseguiram grana com os financiadores para responder às "chamadas de margem". Ou seja, desatenderam à convocação para colocar mais dinheiro para sustentar ativos depreciados ou em processo de depreciação. Sendo assim, para pagar seus compromissos, serão constrangidos a liquidar o melhor do portfólio a preços de fim de feira.
As perdas continuam a pipocar, na esteira da escalada de inadimplência. Ameaçada de rebaixamento pelas agências de classificação de risco, a seguradora de créditos Ambac cuidou de driblar o destino: saiu à cata de fundos para capitalizar o empreendimento. Estimou suas necessidades em US$ 1,5 bilhão. Andrew Wessel, analista do JP Morgan, acha que a bagatela será insuficiente, diante de prejuízos calculados em US$ 11 bilhões.
O desfalque é fim de linha para aventura um tanto irresponsável das monolines -seguradoras de crédito comprometidas em garantir, no caso de inadimplência, o pagamento do principal e dos juros devidos aos possuidores dos assim chamados Colateral Debt Obligations (CDOs) e de outros ativos lastreados em empréstimos hipotecários. O serviço prestado pelas seguradoras era bem remunerado. Valia a classificação AAA para as geniais criaturas dos mercados financeiros contemporâneos: os empréstimos hipotecários eram empacotados, fatiados em tranches de qualidade variada, "securitizados" e passados adiante. A festança sustentou a euforia do mercado de imóveis residenciais. A valorização fictícia das moradias "enriqueceu" as famílias americanas. Hoje, a maçaroca fictícia vale muito menos do que as dívidas contraídas para sua aquisição.
O economista Nouriel Roubini indignou-se com a manobra da Ambac: "US$ 1,5 bilhão para cobrir um rombo de US$ 11 bilhões? As agências de "rating" imaginam tapear os investidores ainda uma vez, após reafirmar a classificação AAA para a Ambac? Eles pensam que os investidores são estúpidos ou ingênuos?".
Boa pergunta. Ingênuos ou estúpidos, espertos ou sabidos, os investidores estão sendo tragados na voragem da espiral negativa: a contração do crédito e a elevação dos "spreads" travam o financiamento das posições alavancadas em ativos, os preços despencam, o crédito encolhe ainda mais, os "spreads" explodem. Exagero um pouco na retórica, mas a cadência do samba é mais ou menos essa.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 65, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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