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OPINIÃO ECONÔMICA
O Banco Central e o povo
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Depois que o escudo protetor do governo Lula foi rompido pelo escândalo Waldomiro Diniz, nosso presidente passou a
ser, de novo, uma pessoa comum.
A auréola de quase santo, que foi
construída com maestria por Duda Mendonça na campanha eleitoral de 2002 e reforçada pela imprensa no ano passado, não existe
mais. Com isso, os defeitos -graves, muito graves- de um governo sem plano de vôo e com baixíssimo grau de eficiência administrativa ficaram visíveis a olho nu!
As últimas pesquisas de opinião
mostram de maneira muito clara
essa nova situação. O imaginário
popular, de um presidente do tipo
"gente como a gente", está sendo
rapidamente substituído por uma
volta ao pragmatismo cívico.
Agora, são os fatos diários da vida do cidadão comum que comandam as avaliações sobre Lula
e seu governo. O desemprego e a
queda da renda estão influenciando de maneira decisiva o
comportamento do cidadão. E as
respostas não poderiam ser outras que não as de um sentimento
de grande frustração e de revolta
com os sonhos embalados durante a campanha eleitoral.
Apenas os mercados, a equipe
econômica e a imprensa especializada ainda estão maravilhados
com a ortodoxia da política macroeconômica do governo e com a
incrível resposta de nossas exportações ao estímulo da nova economia chinesa. O Brasil deve ter,
pelo segundo ano consecutivo,
um superávit quase inédito na
conta corrente externa. Isso é incomum, principalmente porque
não teremos recessão em 2004.
Um crescimento medíocre, mas
não recessão, como sempre ocorreu nos momentos em que nossas
contas externas ficaram no azul
no passado recente.
Essa dicotomia precisa ser compreendida de maneira correta para ter um entendimento do que
pode ocorrer nos próximos meses.
Temos uma clara divergência entre a agenda do povo e a do governo Lula. O melhor exemplo desse
autismo é o comportamento do
presidente do Banco Central, que
age como um pregador evangélico em sua batalha santa contra a
inflação. Ameaça a todos nós com
o fogo do inferno se os preços crescerem, neste ano, acima da meta
de inflação fixada pelo governo.
Promete que não descansará enquanto não tivermos no Brasil
uma inflação européia, de 1% a
2% ao ano.
Enquanto isso, as pesquisas
mostram que apenas 10% da população acreditam que a inflação
ainda é um problema em suas vidas. Já aqueles que elegem o desemprego e a queda da renda como seus principais problemas são
mais de dois terços dos brasileiros.
Incapacitados de acompanhar os
debates sobre o sistema de metas
de inflação, clamam por coisas
mais simples, como mais oportunidade de trabalho e melhores salários. Inseguros com o futuro, fazem um grande esforço para pagar suas dívidas e adiam para
amanhã os sonhos de consumo.
Com isso, sem saber, contribuem
para que o mercado de trabalho
não consiga sair do buraco em
que se meteu.
Já os empresários, sentindo o
humor de seus clientes consumidores, atrasam investimentos e
adotam políticas cautelosas de
produção. Outros, assustados
com a denúncia de uma conspiração em curso para a derrubada
do governo, revelada na televisão
por ninguém menos que o ministro da Justiça, esperam um pouco
mais para tomar uma decisão de
novos investimentos. Contribuem
também para essa cautela as decisões do governo enfraquecendo
as agências reguladoras ou evitando o conflito político de colocar um limite nos delírios das
áreas ligadas à questão do ambiente.
Sem crescimento do consumo e
do investimento privado, com os
juros ainda elevados na ponta do
crédito, não há como sair da armadilha atual do crescimento
medíocre. Com a atividade econômica aumentando 2% a 3%
neste ano, o desemprego vai continuar elevado, principalmente
nas grandes áreas metropolitanas, fazendo com que as avaliações negativas sobre o governo
continuem a prevalecer nas pesquisas de opinião.
Com a chegada das eleições municipais de outubro -que é a pesquisa de opinião que realmente
conta para um partido político
como o PT-, esse quadro negativo para Lula deverá mostrar-se
em toda a sua intensidade. Todos
estarão, então, com os olhos voltados para sua reeleição em 2006,
e a demanda por mudanças na
política econômica vai chegar ao
verdadeiro núcleo de poder do governo do PT. Hoje, essa demanda
está restrita ao setor mais à esquerda do partido e aos partidos
menores e mais fisiológicos da base aliada. Nada que um pouco de
autoritarismo e dinheiro não possam resolver.
Mas, caso o resultado eleitoral
seja visto como uma ameaça clara aos sonhos de poder eterno do
partido da estrela, a conversa será
outra!
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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