São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

O Banco Central e o povo

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Depois que o escudo protetor do governo Lula foi rompido pelo escândalo Waldomiro Diniz, nosso presidente passou a ser, de novo, uma pessoa comum. A auréola de quase santo, que foi construída com maestria por Duda Mendonça na campanha eleitoral de 2002 e reforçada pela imprensa no ano passado, não existe mais. Com isso, os defeitos -graves, muito graves- de um governo sem plano de vôo e com baixíssimo grau de eficiência administrativa ficaram visíveis a olho nu!
As últimas pesquisas de opinião mostram de maneira muito clara essa nova situação. O imaginário popular, de um presidente do tipo "gente como a gente", está sendo rapidamente substituído por uma volta ao pragmatismo cívico. Agora, são os fatos diários da vida do cidadão comum que comandam as avaliações sobre Lula e seu governo. O desemprego e a queda da renda estão influenciando de maneira decisiva o comportamento do cidadão. E as respostas não poderiam ser outras que não as de um sentimento de grande frustração e de revolta com os sonhos embalados durante a campanha eleitoral.
Apenas os mercados, a equipe econômica e a imprensa especializada ainda estão maravilhados com a ortodoxia da política macroeconômica do governo e com a incrível resposta de nossas exportações ao estímulo da nova economia chinesa. O Brasil deve ter, pelo segundo ano consecutivo, um superávit quase inédito na conta corrente externa. Isso é incomum, principalmente porque não teremos recessão em 2004. Um crescimento medíocre, mas não recessão, como sempre ocorreu nos momentos em que nossas contas externas ficaram no azul no passado recente.
Essa dicotomia precisa ser compreendida de maneira correta para ter um entendimento do que pode ocorrer nos próximos meses. Temos uma clara divergência entre a agenda do povo e a do governo Lula. O melhor exemplo desse autismo é o comportamento do presidente do Banco Central, que age como um pregador evangélico em sua batalha santa contra a inflação. Ameaça a todos nós com o fogo do inferno se os preços crescerem, neste ano, acima da meta de inflação fixada pelo governo. Promete que não descansará enquanto não tivermos no Brasil uma inflação européia, de 1% a 2% ao ano.
Enquanto isso, as pesquisas mostram que apenas 10% da população acreditam que a inflação ainda é um problema em suas vidas. Já aqueles que elegem o desemprego e a queda da renda como seus principais problemas são mais de dois terços dos brasileiros. Incapacitados de acompanhar os debates sobre o sistema de metas de inflação, clamam por coisas mais simples, como mais oportunidade de trabalho e melhores salários. Inseguros com o futuro, fazem um grande esforço para pagar suas dívidas e adiam para amanhã os sonhos de consumo. Com isso, sem saber, contribuem para que o mercado de trabalho não consiga sair do buraco em que se meteu.
Já os empresários, sentindo o humor de seus clientes consumidores, atrasam investimentos e adotam políticas cautelosas de produção. Outros, assustados com a denúncia de uma conspiração em curso para a derrubada do governo, revelada na televisão por ninguém menos que o ministro da Justiça, esperam um pouco mais para tomar uma decisão de novos investimentos. Contribuem também para essa cautela as decisões do governo enfraquecendo as agências reguladoras ou evitando o conflito político de colocar um limite nos delírios das áreas ligadas à questão do ambiente.
Sem crescimento do consumo e do investimento privado, com os juros ainda elevados na ponta do crédito, não há como sair da armadilha atual do crescimento medíocre. Com a atividade econômica aumentando 2% a 3% neste ano, o desemprego vai continuar elevado, principalmente nas grandes áreas metropolitanas, fazendo com que as avaliações negativas sobre o governo continuem a prevalecer nas pesquisas de opinião.
Com a chegada das eleições municipais de outubro -que é a pesquisa de opinião que realmente conta para um partido político como o PT-, esse quadro negativo para Lula deverá mostrar-se em toda a sua intensidade. Todos estarão, então, com os olhos voltados para sua reeleição em 2006, e a demanda por mudanças na política econômica vai chegar ao verdadeiro núcleo de poder do governo do PT. Hoje, essa demanda está restrita ao setor mais à esquerda do partido e aos partidos menores e mais fisiológicos da base aliada. Nada que um pouco de autoritarismo e dinheiro não possam resolver.
Mas, caso o resultado eleitoral seja visto como uma ameaça clara aos sonhos de poder eterno do partido da estrela, a conversa será outra!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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