São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2004

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DESENVOLVIMENTO

Compromisso de reduzir déficit social pode atrasar mais de cem anos, alerta Reino Unido em conferência ministerial

"Metas do Milênio" não devem ser cumpridas

Eric Feferberg/France Presse
O ministro da Economia da França, Nicolas Sarkozy (esq.), com Gordon Brown, ministro britânico do Tesouro, durante a conferência


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM PARIS

O mundo caminha para um redondo fracasso na obtenção das chamadas "Metas do Milênio", os compromissos assumidos no ano 2000 por quase todos os países, no sentido de reduzir até 2015 seus formidáveis déficits sociais.
O aviso, em tom sombrio, foi dado ontem pelo ministro britânico do Tesouro, Gordon Brown, na Conferência Ministerial sobre o Financiamento do Desenvolvimento, a enésima tentativa de tirar do cesto das promessas os objetivos sociais assumidos na Cúpula do Milênio, há quatro anos.
No caso da redução da pobreza pela metade, sempre até 2015, "sem crescimento muito maior, a África subsaariana, o Oriente Médio, o Norte da África, a América Latina, o Caribe e as economias em transição (do comunismo para o capitalismo) da Europa e da Ásia central fracassarão todas em reduzir a pobreza à metade até 2015. A melhor estimativa, para a África subsaariana, é a de que alcance a meta em 2147, não em 2015", disparou Brown.
O ministro britânico passou em revista as demais metas, e para nenhuma tinha boas notícias.
Educação - "Ao presente nível de progresso, mais de 70 países não conseguirão alcançar a universalização da educação primária na data almejada, e na África subsaariana não conseguiremos até 2129, na melhor das hipóteses, o que prometemos para 2015".
Saúde - "De acordo com as previsões do momento, a África subsaariana conseguirá nossa meta de reduzir a mortalidade infantil à metade não em 2015, mas em 2165", ou seja, dentro de 161 anos.
Depois de citar os números, Brown disse que "a escala do desafio é tal que não podemos deixá-lo para algum outro momento e para outras pessoas. Precisamos atuar agora, trabalhando juntos".
O problema dessa constatação é que é feita a cada conferência internacional sobre o tema, sem que a situação tenha mudado substancialmente, apesar de alguns progressos em certos indicadores.
"Todos sabemos que os progressos não estão à altura do desafio", reconheceu o presidente francês Jacques Chirac, em mensagem por vídeo aos cerca de 30 ministros de Economia que participaram da conferência, ontem em Paris. Seu novo ministro de Economia, Nicolas Sarkozy, foi na mesma direção, ao perguntar: "Como fazer para evitar que nos encontremos, dentro de dez anos, no mesmo ponto de hoje, com, de um lado, promessas não cumpridas e, de outro, um sentimento de fracasso e de abandono ainda maiores?".
Brown tinha pelo menos uma resposta para a pergunta de seu colega francês: defendeu sua proposta, já antiga, de criar uma "Facilidade Financeira Internacional" destinada a financiar o desenvolvimento nos países pobres.
Funcionaria assim: seriam lançadas no mercado obrigações garantidas "pelo engajamento solene" dos países ricos, como disse Sarkozy, com o que, completou Brown, "seriam alavancados US$ 50 bilhões adicionais, até o ano 2015, o que anteciparia a ajuda ao desenvolvimento e investimentos essenciais para atingir as metas do milênio".

Palocci
Ninguém discordou, como é natural, em se tratando de uma sugestão dentro dos mecanismos de mercado. Mas o ministro brasileiro Antonio Palocci, fiel ao ultraconservadorismo das políticas que está adotando, sugeriu, em sua exposição, "trabalhos técnicos complementares", até a efetiva implementação da medida.
Palocci sugeriu "outras idéias de financiamento", entre elas "a taxação de paraísos fiscais", mas passou muito leve e rapidamente sobre a proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de taxar o comércio de certas categorias de armas, para financiar um fundo de combate à pobreza.
A proposta de Lula foi apresentada também na França, há pouco menos de um ano, durante a reunião ampliada do G8 com 12 países em desenvolvimento. Parece ter caído no esquecimento. Ninguém tocou nela ontem.
O ministro brasileiro anunciou também que Lula está convidando líderes mundiais para uma reunião em Nova York, no dia 20 de setembro, véspera da abertura da assembléia-geral da ONU, para "conferir o necessário impulso políticos a propostas concretas" (de financiamento do desenvolvimento), "inclusive a da Facilidade Financeira Internacional" (a proposta Brown), disse Palocci.
Já o presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, preferiu deslocar a ênfase para a liberalização comercial dos países ricos, que seria a melhor maneira de financiar o desenvolvimento dos países pobres. "Nada é mais importante do que resolver a questão do comércio. O comércio permite que os países sejam donos de seu futuro", disse Wolfensohn, em tese que Palocci também tocou, menos contundentemente.


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