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OPINIÃO ECONÔMICA
A Alca e o mito do isolamento
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
"Em dez anos, o mundo estará dividido em quatro
blocos: o asiático, o pan-americano, o europeu e o bloco dos excluídos. Se não se posicionar em relação à Alca, o Brasil corre o risco
de liderar este último", declarou
recentemente o presidente da Câmara Americana de Comércio de
São Paulo, Álvaro de Souza.
A afirmação é questionável.
Não há qualquer indicação de
surgimento de um bloco asiático e
é duvidoso que um bloco pan-americano possa se formar com a
exclusão do Brasil. Mas o interessante nesse tipo de afirmação é
que ela explora habilmente uma
vulnerabilidade bem característica da psicologia brasileira: o pânico de ficar "isolado".
Mas a verdade, leitor, é que os
defensores da Alca estão em apuros. Apelam cada vez mais para
argumentos falaciosos ou emocionais. Querem predispor a opinião pública brasileira a acreditar na seguinte disjuntiva simplista: ou aderimos à Alca, com
todos os seus problemas e restrições, ou ficaremos "à margem do
mundo", isolados na América e
limitados na nossa capacidade de
exportar.
Os EUA, entretanto, nada fazem para facilitar a vida dos seus
porta-vozes e defensores no Brasil
e no resto da América Latina. Ao
contrário, continuam dando
abundantes e descaradas demonstrações de que não acreditam no livre comércio.
O mais recente sinal foi a aprovação, pela Câmara de Representantes, da "farm bill", que ampliou generosamente os subsídios
à agricultura. Menosprezando os
protestos de outros países, o deputado Larry Combest, presidente
do Comitê de Agricultura da Câmara, declarou que a nova lei
agrícola é "para a América rural,
e não o México rural, o Canadá
rural ou a Europa rural". Evidentemente, será agora ainda mais
difícil superar as tradicionais resistências dos agricultores europeus à diminuição da proteção e
dos subsídios de que desfrutam.
Esvazia-se assim completamente o argumento (que sempre foi
bastante ridículo) de que, na Alca
e nas negociações com a União
Européia, o papel do Brasil seria
concentrar-se em sua suposta vocação agrícola, oferecendo amplas concessões em áreas como
bens industriais, serviços, propriedade intelectual, investimentos
estrangeiros e compras governamentais em troca do livre acesso
aos mercados agrícolas dos EUA e
da Europa.
Chegou o momento de reavaliar, sem inibições, a estratégia de
negociação comercial que o Brasil
vem seguindo. A não participação do Brasil em uma eventual
Alca ou em uma zona de livre comércio com a União Européia
não nos condena à introversão e
não nos impede de continuar ampliando as nossas exportações para esses e outros mercados.
A expansão do comércio internacional não pressupõe o livre comércio, isto é, a remoção completa -ou quase completa- das
barreiras tarifárias e não-tarifárias. Afinal, as três maiores potências econômicas do planeta, os
EUA, a União Européia e o Japão,
que mantêm forte e crescente inter-relacionamento comercial,
nunca tiveram acordos de livre
comércio entre si.
Tampouco tem cabimento a
idéia de que não participar da Alca nos deixaria isolados na América. Como notou o embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães, a
maioria dos países das Américas
não compete de forma significativa com o Brasil nos mercados
norte-americanos. Os países que
poderiam concorrer mais fortemente conosco, o Canadá e o México, já estão no Nafta (Acordo de
Livre Comércio da América do
Norte) e a criação da Alca não
modificaria a sua posição competitiva.
Se o temor é que uma Alca sem
o Brasil nos levaria à perda de
mercados sul-americanos para
exportações norte-americanas,
nada impede que o governo brasileiro negocie acordos de livre comércio com países vizinhos, sem
ter de assinar acordo semelhante
com os EUA. Para os países sul-americanos, o Brasil é um mercado muito importante, às vezes
mais importante do que os EUA.
Nenhum desses países teria interesse em se isolar do Brasil, lembra o embaixador (ver Samuel Pinheiro Guimarães, "Brasil não
precisa da Alca para ser globalizado", www.agenciacartamaior.com.br).
Está ficando cada vez mais claro
que o governo Fernando Henrique Cardoso enredou o país em
negociações comerciais altamente
problemáticas.
É uma parte importante da pesada herança econômica que terá
de ser suportada pelo próximo governo.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras
nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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