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São Paulo, sexta-feira, 09 de maio de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Uma armadilha para o PT

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Com a alma retemperada por uma estadia maravilhosa no país de Voltaire, volto hoje a esta trincheira no campo de batalha por um Brasil que retome o caminho do crescimento econômico. Durante minha ausência, esquentou o debate entre os liberais de sotaque carioca e aqueles que, erradamente, a imprensa nomeou como os desenvolvimentistas. Meu irmão José Roberto teve participação ativa na manutenção desse combate de idéias. Suas entrevistas a dois dos mais importantes jornais brasileiros, sobre a questão da taxa de câmbio e o comportamento do Banco Central do governo do PT, foram brilhantes.
Registro também a coragem da querida professora Maria da Conceição Tavares em entrevista à Folha, quando abordou a questão da taxa de câmbio e da vulnerabilidade externa de nossa economia. Pude sentir em suas palavras o sofrimento da mulher combativa e petista de coração. Apesar de sua revolta mal contida de ver seu querido PT abraçar de corpo e alma teses da direita liberal, ela foi muito lúcida na suas observações.
Mas voltemos ao debate. Nestes últimos dias o real continuou a se valorizar, o risco Brasil aproxima-se da marca de 700 pontos e a inflação elevada agoniza. No mercado, vive-se um período de absoluta euforia, que somente os lucros estratosféricos do sistema financeiro e dos especuladores mais argutos podem explicar. Entre os petistas mais radicais, esse clima de sucesso tem outra leitura: tudo ocorre pela credibilidade de Lula e de seu governo nos mercados financeiros de todo o mundo.
É evidente que toda essa melhora nos mercados tem a ver com o comportamento do governo nestes seus primeiros meses de vida. Esperava-se um governo irresponsável, populista e antimercado. Hoje, estão todos convencidos de que o PT, versão poder, não tem nada a ver com o velho Partido dos Trabalhadores! A responsabilidade fiscal é um valor, a estabilidade de preços, uma obrigação, e a busca de uma economia moderna de mercado aberto, um projeto a ser perseguido com disciplina.
Mas outros fatores conjunturais, fora de nossas fronteiras, estão influenciando esse estado de euforia e criando as sementes de problemas futuros para os quais os chamados desenvolvimentistas vêm alertando. O governo e grande parte dos analistas econômicos não vêem essa armadilha se formando. Para enxergá-la, é preciso um grande conhecimento dos mercados e uma visão correta dos limites e perigos que a abertura financeira apresenta para países como o Brasil. Sugiro nesse sentido a leitura de um estudo especial publicado na última edição da revista conservadora "The Economist". Principalmente a autocrítica que a publicação faz em relação à abertura financeira dos países em desenvolvimento.
A política de juros baixos seguida corretamente pelo Federal Reserve, para enfrentar a recessão americana, tem provocado mudanças importantes nos mercados financeiros mundiais. Seu efeito mais recente foi o da queda significativa das taxas de juros, nos mercados de títulos privados de maior risco, os chamados "junk bonds". Os investidores, na busca de rendimentos mais elevados, passaram a comprar títulos de maior risco, forçando a queda dos diferenciais de juros em relação aos títulos do governo. Nesse processo de realocação de investimentos, os papéis de países emergentes pegaram uma carona e sofreram uma valorização impressionante nas últimas semanas. O Brasil passou a ser, com os juros elevados que temos hoje, um verdadeiro nirvana para dinheiro de curto prazo que circula pelo mundo. Por isso a valorização impressionante de nossa moeda.
A maioria dos analistas, principalmente na imprensa brasileira, não percebeu ainda a natureza dessa última valorização dos títulos brasileiros. Para eles e os militantes do partido da estrela, inclusive os que estão atualmente no governo, o sucesso recente está relacionado ao chamado "paloccismo" e ao empenho de Lula na aprovação das reformas constitucionais.
Mas essa situação de dinheiro farto e barato nos mercados mundiais não vai durar para sempre. E, quando a situação monetária nos EUA se normalizar, esses capitais vão voltar para mercados mais seguros, agora operando com juros razoáveis. Teremos uma redução no volume de recursos disponíveis para financiar nosso déficit em conta corrente e uma saída líquida de dólares do país. Isso em um momento no qual o saldo de nossa balança comercial estará seriamente afetado pelo real valorizado. E a festa que vivemos hoje deve terminar mal, como já ocorreu em 1997 e 1998.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br



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