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ANÁLISE
Pacote para Grécia é chance desperdiçada
Plano poderia ser voltado a facilitar reestruturação ordenada da dívida; podemos terminar com programa perverso e malsucedido
ARVIND SUBRAMANIAN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
O programa de ajuste econômico criado por um acordo entre Europa, FMI e Grécia deve
ser considerado e aprovado em
breve pelo conselho-executivo
do Fundo.
A satisfação inicial com o plano deu lugar a sérias dúvidas
nos mercados. Elas são racionais porque a aritmética fiscal
simplesmente não funciona.
Para o FMI, o pacote é uma
oportunidade desperdiçada,
porque ele poderia ter se adiantado aos eventos e montado um
plano melhor, voltado especificamente a facilitar uma reestruturação ordenada da dívida
grega. Em lugar disso, podemos
terminar com um programa
pouco equitativo, perverso e
malsucedido, com custo maior.
Quando a saga grega começou, o mantra do governo alemão e de muitos puristas na
Europa, o que inclui o BCE (BC
Europeu), era: "Sem moratória,
sem resgate, sem abandono [do
euro]". Os detentores de títulos
de dívida gregos no setor privado escapariam a qualquer sofrimento. O contribuinte seria
protegido. E as empresas, também, porque a Grécia não poderia desvalorizar sua moeda.
Isso deixava apenas uma medida de política econômica para
uso quanto ao problema -a saber, um programa de austeridade fiscal, que imporia aos cidadãos gregos toda a carga pelo
ajuste. A Europa, em resumo,
havia decidido que o problema
era exclusivamente da Grécia.
O pacote mudou a situação: o
fardo está sendo distribuído de
maneira mais ampla e incluirá
contribuições dos contribuintes europeus e internacionais.
China, Índia e Brasil, entre
outros, contribuirão, o que é
justo, dada a sua importância
econômica e a natureza colaborativa do esforço. Mas continuará a não haver contribuição
de bancos europeus, detentores de títulos da dívida grega.
Que contribuintes em países
mais pobres devam ajudar instituições financeiras ricas a escaparem às consequências de
seus empréstimos insensatos
parece injusto e perverso. Poder-se-ia definir a situação como "risco imoral": cara, os bancos vencem, coroa, os contribuintes de países muito mais
pobres ajudam a pagar a conta.
O pior é que esse resgate às
instituições financeiras torna
maior a probabilidade já elevada de fracasso do programa. Os
problemas fiscais da Grécia requerem não só ajuste e financiamento mas desvalorização
cambial e reestruturação da dívida. E, já que a desvalorização
só pode ser conseguida por dolorosa deflação, os argumentos
em favor de uma reestruturação parecem mais fortes.
O perdão de boa parcela da
dívida será necessário e continuará a sê-lo mesmo que a Grécia abandone a zona do euro.
Padrão de vida
Consideremos os pré-requisitos para um programa bem-sucedido. Primeiro, os gregos
precisam aceitar um declínio
acentuado em seu padrão de vida. Segundo, depois de três
anos de vigência do programa, a
dívida grega será muito superior aos atuais 115% PIB.
Quando essa hora chegar, os
mercados terão de considerar
plausível que a Grécia esteja a
caminho de um nível razoável
de dívida porque é capaz de
crescer com rapidez suficiente
e manter os cintos apertados
por um prazo considerável.
Caso os mercados duvidem
de qualquer um desses fatores,
os custos de captação gregos
subirão e o país voltará à dinâmica fiscal e de dívida viciosa
em que se viu recentemente,
mas começando de um nível de
endividamento muito pior.
Por que o FMI aceitou esse
arranjo, então? Uma interpretação generosa é a de que ele
precisa trabalhar com governos, e, se a Grécia e a Europa
demonstram fortes preferências, essas precisam ser respeitadas. Uma interpretação bem
menos caridosa é a de que o
FMI na verdade consiste de um
Fundo Monetário Euro-Atlântico, cujos dirigentes fazem a
vontade dos cotistas mais ricos.
É verdade que, nesse caso, o
FMI impôs condições duras ao
beneficiário do pacote, mas só o
fez porque a Alemanha não
aceitaria menos. O Fundo decidiu resgatar os bancos porque
os protagonistas do episódio,
BCE incluso, queriam assim.
Oportunidade perdida
Tudo isso é lamentável porque a Grécia teria sido uma verdadeira oportunidade para que
o FMI reconquistasse uma legitimidade duradoura.
Insistir em contribuições de
todas as partes -não só dos cidadãos gregos e dos contribuintes internacionais- teria levado a um programa justo, evitado o "risco imoral" e os incentivos perversos associados a recompensar o comportamento
irresponsável do setor financeiro e maximizado as chances
de sucesso.
O FMI poderia ter estabelecido um precedente para programas ordeiros de solução de
crises de dívida. A reestruturação ocorrerá, mas será desordenada e problemática, e os agentes terão de reagir aos acontecimentos, e não moldá-los. Por
ora continuaremos a acompanhar enquanto se desenrola essa tragédia grega, cuja essência
é não apenas tristeza e dor, mas
também sua inevitabilidade.
ARVIND SUBRAMANIAN é pesquisador sênior
no Instituto Peterson de Economia Internacional e Centro de Desenvolvimento Mundial
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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