São Paulo, domingo, 09 de maio de 2010

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ANÁLISE

Pacote para Grécia é chance desperdiçada

Plano poderia ser voltado a facilitar reestruturação ordenada da dívida; podemos terminar com programa perverso e malsucedido

ARVIND SUBRAMANIAN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

O programa de ajuste econômico criado por um acordo entre Europa, FMI e Grécia deve ser considerado e aprovado em breve pelo conselho-executivo do Fundo.
A satisfação inicial com o plano deu lugar a sérias dúvidas nos mercados. Elas são racionais porque a aritmética fiscal simplesmente não funciona.
Para o FMI, o pacote é uma oportunidade desperdiçada, porque ele poderia ter se adiantado aos eventos e montado um plano melhor, voltado especificamente a facilitar uma reestruturação ordenada da dívida grega. Em lugar disso, podemos terminar com um programa pouco equitativo, perverso e malsucedido, com custo maior.
Quando a saga grega começou, o mantra do governo alemão e de muitos puristas na Europa, o que inclui o BCE (BC Europeu), era: "Sem moratória, sem resgate, sem abandono [do euro]". Os detentores de títulos de dívida gregos no setor privado escapariam a qualquer sofrimento. O contribuinte seria protegido. E as empresas, também, porque a Grécia não poderia desvalorizar sua moeda.
Isso deixava apenas uma medida de política econômica para uso quanto ao problema -a saber, um programa de austeridade fiscal, que imporia aos cidadãos gregos toda a carga pelo ajuste. A Europa, em resumo, havia decidido que o problema era exclusivamente da Grécia.
O pacote mudou a situação: o fardo está sendo distribuído de maneira mais ampla e incluirá contribuições dos contribuintes europeus e internacionais. China, Índia e Brasil, entre outros, contribuirão, o que é justo, dada a sua importância econômica e a natureza colaborativa do esforço. Mas continuará a não haver contribuição de bancos europeus, detentores de títulos da dívida grega.
Que contribuintes em países mais pobres devam ajudar instituições financeiras ricas a escaparem às consequências de seus empréstimos insensatos parece injusto e perverso. Poder-se-ia definir a situação como "risco imoral": cara, os bancos vencem, coroa, os contribuintes de países muito mais pobres ajudam a pagar a conta.
O pior é que esse resgate às instituições financeiras torna maior a probabilidade já elevada de fracasso do programa. Os problemas fiscais da Grécia requerem não só ajuste e financiamento mas desvalorização cambial e reestruturação da dívida. E, já que a desvalorização só pode ser conseguida por dolorosa deflação, os argumentos em favor de uma reestruturação parecem mais fortes.
O perdão de boa parcela da dívida será necessário e continuará a sê-lo mesmo que a Grécia abandone a zona do euro.

Padrão de vida
Consideremos os pré-requisitos para um programa bem-sucedido. Primeiro, os gregos precisam aceitar um declínio acentuado em seu padrão de vida. Segundo, depois de três anos de vigência do programa, a dívida grega será muito superior aos atuais 115% PIB.
Quando essa hora chegar, os mercados terão de considerar plausível que a Grécia esteja a caminho de um nível razoável de dívida porque é capaz de crescer com rapidez suficiente e manter os cintos apertados por um prazo considerável.
Caso os mercados duvidem de qualquer um desses fatores, os custos de captação gregos subirão e o país voltará à dinâmica fiscal e de dívida viciosa em que se viu recentemente, mas começando de um nível de endividamento muito pior.
Por que o FMI aceitou esse arranjo, então? Uma interpretação generosa é a de que ele precisa trabalhar com governos, e, se a Grécia e a Europa demonstram fortes preferências, essas precisam ser respeitadas. Uma interpretação bem menos caridosa é a de que o FMI na verdade consiste de um Fundo Monetário Euro-Atlântico, cujos dirigentes fazem a vontade dos cotistas mais ricos.
É verdade que, nesse caso, o FMI impôs condições duras ao beneficiário do pacote, mas só o fez porque a Alemanha não aceitaria menos. O Fundo decidiu resgatar os bancos porque os protagonistas do episódio, BCE incluso, queriam assim.

Oportunidade perdida
Tudo isso é lamentável porque a Grécia teria sido uma verdadeira oportunidade para que o FMI reconquistasse uma legitimidade duradoura.
Insistir em contribuições de todas as partes -não só dos cidadãos gregos e dos contribuintes internacionais- teria levado a um programa justo, evitado o "risco imoral" e os incentivos perversos associados a recompensar o comportamento irresponsável do setor financeiro e maximizado as chances de sucesso.
O FMI poderia ter estabelecido um precedente para programas ordeiros de solução de crises de dívida. A reestruturação ocorrerá, mas será desordenada e problemática, e os agentes terão de reagir aos acontecimentos, e não moldá-los. Por ora continuaremos a acompanhar enquanto se desenrola essa tragédia grega, cuja essência é não apenas tristeza e dor, mas também sua inevitabilidade.


ARVIND SUBRAMANIAN é pesquisador sênior no Instituto Peterson de Economia Internacional e Centro de Desenvolvimento Mundial
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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