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ROBERTO RODRIGUES
Regras sem intervenção
Com o biocombustível, temos
a chance de conduzir um
processo universal a partir
do nosso conhecimento
O GRANDE evento sobre etanol
realizado pela Unica nos últimos dias 4 e 5 foi uma extraordinária reafirmação da agroenergia como o novo paradigma da
agricultura. Já não pairam dúvidas
de que a geoeconomia agrícola mundial sofrerá profundas alterações,
seja porque países hoje miseráveis
devem se transformar em produtores de biocombustíveis para os ricos,
seja porque a produção de alimentos
poderá ser em parte deslocada, seja
pela positiva interferência nas mudanças climáticas.
Temas controvertidos foram tratados com seriedade científica.
Foi assim com a recorrente questão de que o aumento da produção
de etanol e biodiesel reduzirá a oferta de alimentos: ficou claro, e a
maior expressão nesse sentido foi
dada pelo ex-premiê espanhol Felipe González, que esse é um "falso dilema", como já o sabíamos desde
sempre aqui no Brasil. E o eventual
aumento do preço do milho nos Estados Unidos, determinado pelo uso
desse grão para produção de etanol,
é apenas uma circunstância, e o simples crescimento da área plantada
de milho neste ano naquele país, de
15%, tende a reequilibrar os preços.
Da mesma forma, o crescimento da
oferta de cana no Brasil em 11% neste ano já derrubou o seu preço. É claro: sempre que um produto agrícola
tem preços maiores, aumenta a produção muito depressa, e o mercado
logo ajusta eventuais desnivelamentos de preço. Esse tipo de ciclo é característico da agricultura.
Também ficou esclarecido -e
aqui foi o governador Serra o principal expositor- que a floresta amazônica não é o melhor lugar para
plantar cana, porque é muito quente
e úmida, o que inibe o processo fisiológico natural do amadurecimento
da gramínea. Por isso, os canaviais
brasileiros crescerão principalmente sobre áreas de pastagens degradadas, o que trará o benefício da produção de alimentos onde antes não
havia, dado que, na renovação dos
canaviais a cada cinco anos, é possível produzir comida. É por isso que
dois municípios canavieiros por excelência -Jaboticabal e Sertãozinho- são os maiores produtores de
amendoim.
Foi evidenciada a vantagem ambiental dos biocombustíveis, seja
porque as plantas -matérias-primas para eles- seqüestrem CO2, seja porque eles emitem menos CO2
que os combustíveis fósseis. Assim,
os biocombustíveis terão maior relevância na redução do aquecimento global.
Por último, não sobra dúvida alguma sobre o papel preponderante
que o Brasil terá na construção de
uma nova civilização, em cujo umbral nos encontramos, do combustível renovável, ecológico, democrático (porque qualquer país pode fazer
o seu). Pela primeira vez, temos a
chance de conduzir um processo
universal a partir do nosso conhecimento, e não iremos a reboque de
ninguém: ao contrário, seremos a
locomotiva do processo.
Para tanto, mais uma vez ficou
clara a necessidade de uma grande
coordenação entre os setores público e privado para o desenvolvimento da grande estratégia nacional para inserção global, discutindo logística, estocagem, tecnologia, recursos humanos, alcoolquímica, zoneamento agroecológico, financiamento e tantos outros temas. Mais uma
vez ficou claro que essa estratégia
precisa articular as ações de todos
os agentes governamentais para definir as regras todas para o modelo
de produção que queremos, com
uma certeza: nada de intervenção
do governo! Passou o tempo para isso. Mas regras claras são necessárias, para que os agentes econômicos, os produtores e os consumidores saibam como agir.
ROBERTO RODRIGUES, 64, coordenador do Centro de
Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do
Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura. Passa a escrever aos sábados, a cada 15 dias, nesta
coluna.
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