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OPINIÃO ECONÔMICA
O verdadeiro jogo
LUÍS EDUARDO ASSIS
Em que pese a recente derrota
na votação do salário mínimo, as coisas parecem melhorar
para o governo no que diz respeito ao crescimento da economia.
Vive-se o clima de que o pior já
passou e de que o país segue firme
na trajetória de crescimento acelerado. Pagamos caro pelo ajuste,
com juros altos e desemprego,
mas tudo dará certo nesta China
tropical. É curioso notar que a atmosfera menos rarefeita parece
ter começado com a divulgação
recente do PIB do primeiro trimestre de 2004.
Com grande alarde, comemorou-se o crescimento de 2,7% em
relação ao mesmo período do ano
passado e o aumento de 1,6%,
ajustado sazonalmente, contra o
último trimestre de 2003. Muito
mais discreto foi o registro de que,
em termos correntes, o produto
brasileiro neste início de ano caiu
0,24% em relação ao final do ano
anterior.
Cabem aqui três observações.
Em primeiro lugar, é razoável supor que, diferentemente do que
acontece com as expectativas de
mercado, a sensação de bem-estar
da população guarda uma relação
muito mais direta com o nível de
atividade corrente do que com estatísticas tratadas por modelos
econométricos (de resto, imprecisas). Além de tola, deve ser frustrante a tentativa de confortar
uma vítima das tradicionais enchentes do verão paulistano lembrando-lhe de que, na verdade, a
chuva é menos intensa quando
"ajustada por fatores sazonais".
Ora, a boa notícia é que o produto
caiu muito pouco em uma época
do ano em que ele deveria cair
muito -mas caiu.
A segunda constatação é que,
também por razões sazonais, o
quadro vai melhorar. Mesmo se a
economia estivesse estagnada
-o que não é o caso-, o PIB tende a crescer mais de 5% entre
março e setembro. Ou seja, a percepção de crescimento neste período não será apreciada apenas
por iniciados. Mais importante,
também a taxa de desemprego
tende a ser menos feroz nos próximos meses. Para o governo, feliz
sincronia com o calendário político.
A terceira indagação é mais importante e diz respeito à durabilidade desse crescimento. Em que
pese o vezo mal-humorado de
lembrar que a base de comparação é muito baixa, todo crescimento do emprego e da renda é
positivo. Mas a sustentabilidade
dessa expansão é particularmente
importante para o cenário político, já que o alto custo do ajuste de
2003 induziu grande parte do governo e da sociedade a pensar que
temos direito agora a uma permanente melhoria. A dificuldade é
identificar com precisão até que
ponto vão essas expectativas e de
que forma elas podem ser frustradas se o crescimento for menos
que espetacular. Desde Campos
Salles e Joaquim Murtinho, o Brasil tem que lidar com restrições
econômicas externas e "darwinismo social". Muita coisa mudou,
mas as condições de financiamento externo continuam impondo restrições. Por muito tempo os juros internacionais ficaram
em patamares historicamente
baixos. A partir de março passado, no entanto, eles começaram a
subir. As taxas dos papéis do Tesouro norte-americano de dez
anos, por exemplo, saltaram de
3,7%, em meados de março, para
4,8%, dois meses depois. Elevação
de juros é sempre má notícia para
os devedores. Pior é constatar que
o processo de ajuste ainda não se
completou. Não será surpresa se
em 2005 esses mesmos papéis estiverem pagando algo entre 5,5%
e 6% ao ano, ainda abaixo da média da década de 90, mas o suficiente para provocar novos arrepios. Isso pode limitar o espaço
para reduções mais ousadas nos
juros domésticos, o que atrapalha
a perspectiva de um crescimento
no próximo ano maior que os
3,7% esperados em 2004. São evidentes os sinais de que a vulnerabilidade externa é menor hoje do
que há cinco anos, mas também é
fato que o Brasil continua apresentando uma alta relação dívida/reservas em relação a outros
países emergentes -e, na disputa
por recursos externos, a posição
comparativa pesa geralmente
mais que a melhora absoluta. Não
só os juros externos devem subir
ainda mais como, no front interno, a expectativa de inflação começa a se elevar, seja pela incipiente pressão cambial, seja pela
influência dos preços administrados. Mantido o enfoque atual, é
improvável que o Banco Central
derrube os juros enquanto a inflação esperada estiver crescendo
(na última vez em que isso ocorreu, no segundo semestre de 2002,
o corte foi seguido por cinco elevações consecutivas). Além dos
juros externos e da inflação, também a baixa taxa de investimento
pode colocar freio na expansão da
produção. O volume de investimentos produtivos no ano passado foi o mais baixo desde 1994. Isso gera gargalos na infra-estrutura e pode colocar um freio na expansão do nível de atividade.
Em suma, o maior desafio não
está em garantir o crescimento de
2004. Em grande parte, ele não só
está assegurado como deverá aumentar sua velocidade nos próximos meses. Mas ainda não é seguro afirmar que este ano marcará o
início de um longo ciclo expansivo. Conciliar a enorme expectativa de forte expansão do emprego
com as restrições econômicas externas e internas é o verdadeiro
jogo. O resto é apenas estatística.
Luís Eduardo Assis é executivo-chefe
do HSBC Investment Bank S.A. e vice-presidente da Anbid (Associação Nacional dos Bancos de Investimento). Foi diretor de Política Monetária do Banco
Central e professor do Departamento de
Economia da PUC-SP e da FGV-SP.
Hoje, excepcionalmente, a coluna de
Luiz Carlos Mendonça de Barros não é
publicada.
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