São Paulo, domingo, 09 de julho de 2006

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Safra Bordeaux de 2005 aguça paladar para investimento

Negociantes internacionais de vinho relatam demanda sem precedentes por produtos de marcas consideradas "top"

Críticas favoráveis, produção reduzida e menor apelo de outras opções de investimento são fatores de alta para os vinhos de elite


Bob Edme - 13.ago.03/Associated Press
Mulher participa de colheita em vinhedo de Pessac, cidade da região francesa de Bordeaux


JOHN STIMPFIG
DO "FINANCIAL TIMES"

Não existe dúvida de que a grande história recente sobre investimento em vinho é a frenética campanha nos mercados futuros pela muito alardeada safra 2005 da variedade Bordeaux. As propriedades menos glamourosas, que ocupam posições de menos destaque na hierarquia vinícola de Bordeaux, ofereceram seus vinhos com aumentos de preços muito modestos, de entre 5% e 15%, ante as listas do ano passado.
No entanto, esse tipo de orientação não é muito útil para uma safra como a de 2005, não menos porque as regras de negociação usuais simplesmente não se aplicam ao grupo de elite, que engloba os 10 a 15 châteaux "premier cru" que podem ser considerados como "top" do mundo do vinho. Confirmando boatos que circulavam havia meses, casas como Latour e Cheval Blanc elevaram os preços acima de 100% com relação às suas safras 2003 (e acima de 200% se o referencial for a safra 2004).
Colecionadores, investidores e consumidores vêm se preparando para os mais altos preços "en primeur" (os preços para comprar com dois anos de antecedência vinhos que serão retidos pelos produtores até a data de liberação) de todos os tempos, com base naquela que vem sendo considerada como potencialmente a melhor safra da história para a região de Bordeaux. Depois das sessões de degustação reservadas aos profissionais do setor em abril, comerciantes e críticos encontravam dificuldades para descobrir superlativos vigorosos o bastante para fazer jus à qualidade da vasta maioria dos vinhos das "appellations" da Borgonha. Alguns chegaram a comparar a nova safra a lendas do passado como as safras 1928, 1949, 1961 e 1982. Outros optaram por simplesmente defini-la como única, além de qualquer comparação.
Um fator importante no apoio à safra de 2005 foi o pronunciamento positivo do crítico norte-americano Robert Parker, extremamente influente. "Jamais provei tantos vinhos extraordinariamente ricos, concentrados e densos, com conteúdo tão elevado de tanino e extrato, mas ao mesmo tempo dotados de tanta precisão, definição e frescor", escreveu ele em abril. "Trata-se claramente de uma safra singular, que deve se transformar em uma das melhores na história do vinho Bordeaux."
Há um pequeno grau de dissonância em meio a todos os elogios. Um dos senões é que Parker só concedeu sua nota máxima, 100, a oito vinhos. E mais: críticos como Jancis Robinson, do "Financial Times", aconselharam cautela com relação a um pequeno número de châteaux da margem direita do rio Gironde, entre os quais alguns dos mais elogiados por Parker. Ao palato britânico, ao menos, alguns de seus produtos parecem superestimados.
Evidentemente, a qualidade e as notas de Parker são apenas parte da equação, quando chega o momento de os grandes produtores determinarem preços para os seus vinhos. Um outro fator de importância possivelmente equivalente é o estado do mercado. Em 2006, o setor mundial de vinhos finos se vê em alta descontrolada, com a mais forte demanda mundial registrada em cinco anos.
No começo de maio, a Berry Bros & Rudd, uma das principais importadoras britânicas de vinho, já havia recebido 5.000 pedidos de informação sobre os preços "en primeur" -cinco vezes mais do que o registrado para a famosa safra do milênio. Outros importadores britânicos, tais como Lay & Wheeler, Armits e Bibendum, também registraram interesse sem precedentes na mais recente safra de Bordeaux.
Além disso, os norte-americanos voltarão ao mercado com força total neste ano. "Podem acreditar, teremos uma grande campanha nos EUA", diz Peter Morrell, comerciante de vinho de Nova York. Enquanto isso, encomendas maciças de vinhos da classe cru surgem dos novos compradores super-ricos da Ásia e da Índia. "Temos imensos pedidos de Taiwan, de pessoas que desejam adquirir cem caixas de vinhos "premier cru" e "deuxième cru'", diz Simon Staple, da Berry Bros & Rudd.
Caso isso não fosse o bastante para empurrar os preços à estratosfera, a oferta em 2005 também caiu 25%. O Château Margaux, por exemplo, produziu apenas 13 mil caixas -cerca de 3.000 a menos do que a sua produção anual usual.

Cautela
Todo mundo aconselha cautela quanto aos valores, mas os châteaux sabem que na prática podem ditar seu preço, seguros na certeza de que colecionadores e investidores de alto patrimônio em todo o mundo pagarão seja lá o que for para ter e manter essa lenda incipiente.
Assim, o que isso pode significar para os investidores em curto e em médio prazo? Para Serena Sutcliffe, diretora de vinhos da casa de leilões Sotheby's, nos casos de preços de lançamento exagerados, é "melhor adquirir os vinhos mais tarde do que financiá-los durante anos". Alan Rayne, da Magnum Fine Wines, apostou que os grandes châteaux "espremerão cada euro que puderem da safra, o que provavelmente não deixará margem de lucro nenhuma a investidores".
Em contraste, Gary Boom, da Bordeaux Index, acredita que "o momento da compra será decisivo". O conselho dele é "comprar quando da primeira oferta, se possível, já que pode haver uma margem de 20%, então, e depois esperar para ver que preços os vinhos atingirão dois anos mais tarde, quando chegar a hora da entrega física".
Pode ser que Boom tenha a opinião mais correta. Muitos comentaristas descartaram a safra 2000, que foi alvo de exageros e de expectativas semelhantes, considerando-a cara demais. Mas os vinhos não se deixaram afetar e propiciaram excelentes ganhos iniciais.
O que fica claro, em safras como as de 2000, 2003 e 2005, é que o mercado "en primeur" está se tornando cada vez mais polarizado em termos de preço. Mesmo assim, é difícil imaginar que, em 25 anos, esses vinhos de vida longa não propiciem lucros saudáveis.

Investidor pequeno
Onde o investidor de pequeno porte deve procurar por valor na safra Bordeaux 2005? Stephen Browett, da Farr Vintners, chama atenção a châteaux de preços mais baixos e categoria média, como o Pontet-Canet, Grand-Puy-Lacoste, Leoville-Poyferre, Talbot e Lagrange: "Historicamente, rótulos como esses oferecem aos investidores retornos espantosos, e muitas vezes superam seus vizinhos mais conhecidos mesmo em safras como a 2000".
No passado, as campanhas de vinhos "en primeur" tendiam a operar no vácuo. Mas muitos observadores prevêem que os preços elevados para a safra 2005 farão com que muitas safras mais recentes de Bordeaux pareçam oferecer bom valor. Boom aponta para as muitas oportunidades de arbitragem disponíveis para investidores astutos (entre as quais alguns vinhos safra 1998 e a safra 2004, subvalorizada e subapreciada). Safras mais antigas, como as de 1986, 1988 e 1989, registraram melhoras consideráveis desde o ano passado.
Será que isso sugere também que o mercado está se superaquecendo? Não na opinião de Christopher Burr, que administra a Uvine e o fundo de vinhos Amphora. Ele acredita que depois de um período de indefinição, que começou em 1998, os preços "estão simplesmente se alinhando às posições que deveriam ocupar".
Andrew Davison, do Vintage Wine Fund, diz, sobre a instabilidade no mercado de ações: "Agora que vimos a fragilidade desses mercados, o interesse dos investidores pela busca de alternativas como o vinho só pode ter crescido. Por isso, acredito que muito mais dinheiro entrará no mercado e que os preços subirão mais. A alta está longe de acabar".


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