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LUÍS NASSIF
O Anjo Tosco
do Cerrado
Vendo a triste figura de
Delúbio Soares, vem-me à
memória Gregório Fortunato,
o Anjo Negro, o guarda-costas,
o mais leal amigo que Getúlio
Vargas já teve e que o levou à
desgraça.
Gregório acompanhou Getúlio até o fim. Em 1945, foi morar com o chefe, ditador deposto, em uma casa de fazenda,
sem luz elétrica, no interior do
Rio Grande do Sul. Voltou com
Vargas eleito presidente.
Quando o chefe demonstrou
não ter os mesmos reflexos políticos de antes, tomou iniciativas. Era um bruto, sem nenhuma sofisticação. Articulou o
atentado da rua Tonelero,
contra Carlos Lacerda, depois
viu seu mundo ruir, seu chefe
se matar e amargou décadas
na prisão. Muitas vezes tentei
imaginar o que se passava na
cabeça daquele brutamonte na
cadeia, a mais leal das pessoas,
abandonado por todos e sendo
apontado como o traidor de
seu chefe.
O mesmo ocorre agora com
Delúbio, o Anjo Tosco do Cerrado. Cruzei uma vez com ele,
almoçando no Amadeus, restaurante de peixes ali na Haddock Lobo. No final da escada,
na primeira mesa atrás da coluna, estava Delúbio, terno
bem cortado e um havana cujo
cheiro, por si só, chamaria a
atenção do quarteirão inteiro.
Ele não fazia reunião, concedia audiência. Várias pessoas
aguardavam na parte térrea
do restaurante. Uma a uma
subiam, sentavam à sua mesa,
conversavam em voz baixa,
depois desciam. Era inacreditável que aquilo ocorresse a
três quarteirões da avenida
Paulista, em um lugar aberto e
freqüentado.
Não se compare Delúbio a
Valério. Valério é desses lobistas de porão alçados a uma
grande posição por falta de
discernimento de seus contratantes. Ousou abordar grandes
grupos internacionais e nacionais com a mesma desenvoltura com que abordava pequenos bancos brasileiros barras-pesadas.
Delúbio, não, esse é o personagem trágico, o Quasímodo
em um mundo de Richelieus
tropicais. No começo, com
aquele ar de deslumbramento
explícito, mas tão explícito que
dava dó não perceber o que seria dele no dia seguinte. Depois, o mesmo ar apalermado
de quem até agora não entendeu nada. O país o acusando,
mais que isso, o partido o acusando, os companheiros o acusando, logo ele, que dedicou
sua vida à "causa" -que não
eram idéias nem propostas,
mas o grupo, os amigos, as lealdades.
Assim como Gregório, o Anjo
Negro, Delúbio irá cozinhar no
inferno e despertará piedade
em muitos poucos. A opinião
pública jogará em suas costas
os pecados de todo o sistema.
Os companheiros atribuirão à
sua incompetência e deslumbramento a desgraça política
do partido.
É até possível que, com sua
lealdade tosca, como o próprio
Gregório, ele assuma calado
todas as culpas. O Anjo Negro e
o Anjo Tosco do Cerrado: imagino-os no inferno da história
tentando entender em que erraram. Gregório com ar altivo,
Delúbio com ar assustado, ambos com o ar perplexo dos que
entraram e saíram da história
sem se dar conta, por um minuto sequer, do papel que protagonizaram.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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