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ARTIGO
Bolha imobiliária ameaça estourar
PAUL KRUGMAN
É dessa maneira que acaba a
bolha: não com um estalido,
mas com um silvo.
Os preços da habitação se movimentam muito mais devagar do
que os preços das ações. Não temos segundas-feiras negras
-com queda de 23% nos preços
em apenas um dia. Na verdade, os
preços podem até continuar subindo por algum tempo, mesmo
depois que o ciclo de expansão do
mercado residencial se reverte.
Assim, a notícia de que a bolha
no mercado residencial dos Estados Unidos é coisa do passado
não virá na forma de preços em
queda, mas na de vendas em queda e no aumento dos estoques,
porque os vendedores continuarão tentando obter preços que os
compradores não mais estarão
dispostos a pagar. E o processo
talvez já tenha começado.
É claro que existem algumas
pessoas que ainda negam que tenhamos uma bolha no setor de
habitação. Permitam-me explicar
de que maneira sabemos que elas
estão erradas.
Um dos indícios é a sensação de
frenesi no mercado imobiliário,
que traz irresistivelmente à memória lembranças do frenesi das
Bolsas em 1999. Alguns dos protagonistas são os mesmos, em ambos os casos, aliás.
Os autores de "Dow 36.000",
um best-seller de 1999 que previa
que o índice Dow Jones atingiria
os 36 mil pontos, estão agora entre os proponentes mais veementes da idéia de que não existe uma
bolha no setor de habitação.
Outra prova são os números,
evidentemente. Muitos dos que
negam a existência de uma bolha
apontam para a média dos preços
da habitação no país como um todo, que parece preocupante mas
não completamente insana.
Quando se trata de habitação, porém, os EUA na verdade se compõem de dois países: a Grande
Planície e a Zona do Zoneamento.
Na Grande Planície, que ocupa
o centro do país, construir casas é
fácil. Quando a demanda por habitação cresce, as áreas metropolitanas da Grande Planície, que na
verdade não têm centros tradicionais em suas cidades, simplesmente se estendem um pouco
mais. Como resultado, os preços
da habitação são determinados
basicamente pelo custo de construção. Na Grande Planície, não
há nem como começar uma bolha
da habitação.
Mas na Zona do Zoneamento,
que se localiza ao longo de ambas
as costas, uma combinação de alta
densidade populacional e de restrições ao uso dos terrenos -daí
o "zoneamento"- torna difícil
construir novas residências.
Assim, quando as pessoas se
dispõem a gastar mais com a habitação, digamos que em função
da queda nas taxas de juros hipotecários, algumas casas novas são
construídas, mas os preços das
existentes também sobem.
E se as pessoas acreditarem que
os preços continuarão a subir, vão
se dispor a gastar ainda mais, gerando uma alta ainda maior dos
preços, e assim por diante. Em
outras palavras, a Zona do Zoneamento é propensa a bolhas.
E os preços da habitação na Zona do Zoneamento, que subiram
muito mais que a média nacional,
claramente apontam para a existência de uma bolha.
No país como um todo, os preços da habitação subiram cerca de
50% entre o primeiro trimestre de
2000 e o primeiro trimestre de
2005. Mas essa média combina indicadores de áreas metropolitanas da Grande Planície, como
Houston e Atlanta, onde os preços subiram 26% e 29%, respectivamente, e resultados da Zona de
Zoneamento, como Nova York,
Miami e San Diego, onde as altas,
respectivamente, foram de 77%,
96% e 118%.
Ninguém pagaria o preço de
San Diego por uma casa se não
acreditasse que os preços continuariam a subir. O aluguel vem
subindo muito mais devagar do
que os preços: o índice de equivalência de locação para proprietários, compilado pelo Serviço de
Estatísticas do Trabalho, mostra
alta de apenas 27% entre o final de
1999 e o final de 2004.
A revista "Business Week" informou que, em 2004, o custo de
alugar uma casa em San Diego
equivalia a apenas 40% do custo
de compra de uma casa de tamanho semelhante, mesmo considerados os baixos juros hipotecários.
Assim, só faz sentido comprar
em San Diego se o comprador
acreditar que os preços continuarão subindo rapidamente, gerando grandes ganhos de capital. E isso é uma definição quase literal de
bolha.
As bolhas estouram quando as
pessoas deixam de acreditar que
grandes ganhos de capital estão
garantidos. Foi o que aconteceu
em San Diego ao final da última
bolha da habitação pela qual a cidade passou. Depois de uma rápida ascensão, os preços das casas
atingiram um pico em 1990.
Pouco depois, surgiu um excedente de residências no mercado,
e os preços começaram a cair. Por
volta de 1996, haviam caído cerca
de 25%, considerada a inflação do
período.
E é isso que está acontecendo
agora em San Diego, depois de
uma alta nos preços da habitação
que apequena o boom dos anos
80. O número de residências unifamiliares e de apartamentos no
mercado dobrou em relação ao
ano passado.
"Casas que há um ou dois anos
eram vendidas praticamente na
hora -em muitos casos causando guerra de ofertas entre os interessados- ficam no mercado por
muitas semanas", de acordo com
reportagem do "Los Angeles Times". A mesma coisa aconteceu
em outros mercados anteriormente aquecidos.
Enquanto isso, a economia dos
Estados Unidos se tornou pesadamente dependente da bolha da
habitação. A recuperação econômica desde 2001 foi decepcionante de muitas maneiras, mas não
teria nem mesmo começado sem
a disparada nos investimentos em
construção residencial. Já mencionei que o índice de poupança
pessoal caiu a zero?
Agora começamos a ouvir o
som das borbulhas, e o ar começa
a escapar da bolha. E todo mundo
-não só as pessoas que possuem
imóveis na Zona do Zoneamento- deveria se preocupar.
Tradução de Paulo Migliacci
Paul Krugman, economista, é colunista
do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Este artigo
foi publicado originalmente no "New
York Times".
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