São Paulo, terça-feira, 09 de agosto de 2005

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ARTIGO

Bolha imobiliária ameaça estourar

PAUL KRUGMAN

É dessa maneira que acaba a bolha: não com um estalido, mas com um silvo.
Os preços da habitação se movimentam muito mais devagar do que os preços das ações. Não temos segundas-feiras negras -com queda de 23% nos preços em apenas um dia. Na verdade, os preços podem até continuar subindo por algum tempo, mesmo depois que o ciclo de expansão do mercado residencial se reverte.
Assim, a notícia de que a bolha no mercado residencial dos Estados Unidos é coisa do passado não virá na forma de preços em queda, mas na de vendas em queda e no aumento dos estoques, porque os vendedores continuarão tentando obter preços que os compradores não mais estarão dispostos a pagar. E o processo talvez já tenha começado.
É claro que existem algumas pessoas que ainda negam que tenhamos uma bolha no setor de habitação. Permitam-me explicar de que maneira sabemos que elas estão erradas.
Um dos indícios é a sensação de frenesi no mercado imobiliário, que traz irresistivelmente à memória lembranças do frenesi das Bolsas em 1999. Alguns dos protagonistas são os mesmos, em ambos os casos, aliás.
Os autores de "Dow 36.000", um best-seller de 1999 que previa que o índice Dow Jones atingiria os 36 mil pontos, estão agora entre os proponentes mais veementes da idéia de que não existe uma bolha no setor de habitação.
Outra prova são os números, evidentemente. Muitos dos que negam a existência de uma bolha apontam para a média dos preços da habitação no país como um todo, que parece preocupante mas não completamente insana. Quando se trata de habitação, porém, os EUA na verdade se compõem de dois países: a Grande Planície e a Zona do Zoneamento.
Na Grande Planície, que ocupa o centro do país, construir casas é fácil. Quando a demanda por habitação cresce, as áreas metropolitanas da Grande Planície, que na verdade não têm centros tradicionais em suas cidades, simplesmente se estendem um pouco mais. Como resultado, os preços da habitação são determinados basicamente pelo custo de construção. Na Grande Planície, não há nem como começar uma bolha da habitação.
Mas na Zona do Zoneamento, que se localiza ao longo de ambas as costas, uma combinação de alta densidade populacional e de restrições ao uso dos terrenos -daí o "zoneamento"- torna difícil construir novas residências.
Assim, quando as pessoas se dispõem a gastar mais com a habitação, digamos que em função da queda nas taxas de juros hipotecários, algumas casas novas são construídas, mas os preços das existentes também sobem.
E se as pessoas acreditarem que os preços continuarão a subir, vão se dispor a gastar ainda mais, gerando uma alta ainda maior dos preços, e assim por diante. Em outras palavras, a Zona do Zoneamento é propensa a bolhas.
E os preços da habitação na Zona do Zoneamento, que subiram muito mais que a média nacional, claramente apontam para a existência de uma bolha.
No país como um todo, os preços da habitação subiram cerca de 50% entre o primeiro trimestre de 2000 e o primeiro trimestre de 2005. Mas essa média combina indicadores de áreas metropolitanas da Grande Planície, como Houston e Atlanta, onde os preços subiram 26% e 29%, respectivamente, e resultados da Zona de Zoneamento, como Nova York, Miami e San Diego, onde as altas, respectivamente, foram de 77%, 96% e 118%.
Ninguém pagaria o preço de San Diego por uma casa se não acreditasse que os preços continuariam a subir. O aluguel vem subindo muito mais devagar do que os preços: o índice de equivalência de locação para proprietários, compilado pelo Serviço de Estatísticas do Trabalho, mostra alta de apenas 27% entre o final de 1999 e o final de 2004.
A revista "Business Week" informou que, em 2004, o custo de alugar uma casa em San Diego equivalia a apenas 40% do custo de compra de uma casa de tamanho semelhante, mesmo considerados os baixos juros hipotecários.
Assim, só faz sentido comprar em San Diego se o comprador acreditar que os preços continuarão subindo rapidamente, gerando grandes ganhos de capital. E isso é uma definição quase literal de bolha.
As bolhas estouram quando as pessoas deixam de acreditar que grandes ganhos de capital estão garantidos. Foi o que aconteceu em San Diego ao final da última bolha da habitação pela qual a cidade passou. Depois de uma rápida ascensão, os preços das casas atingiram um pico em 1990.
Pouco depois, surgiu um excedente de residências no mercado, e os preços começaram a cair. Por volta de 1996, haviam caído cerca de 25%, considerada a inflação do período.
E é isso que está acontecendo agora em San Diego, depois de uma alta nos preços da habitação que apequena o boom dos anos 80. O número de residências unifamiliares e de apartamentos no mercado dobrou em relação ao ano passado.
"Casas que há um ou dois anos eram vendidas praticamente na hora -em muitos casos causando guerra de ofertas entre os interessados- ficam no mercado por muitas semanas", de acordo com reportagem do "Los Angeles Times". A mesma coisa aconteceu em outros mercados anteriormente aquecidos.
Enquanto isso, a economia dos Estados Unidos se tornou pesadamente dependente da bolha da habitação. A recuperação econômica desde 2001 foi decepcionante de muitas maneiras, mas não teria nem mesmo começado sem a disparada nos investimentos em construção residencial. Já mencionei que o índice de poupança pessoal caiu a zero?
Agora começamos a ouvir o som das borbulhas, e o ar começa a escapar da bolha. E todo mundo -não só as pessoas que possuem imóveis na Zona do Zoneamento- deveria se preocupar.


Tradução de Paulo Migliacci

Paul Krugman, economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Este artigo foi publicado originalmente no "New York Times".


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